'Depoimento de uma jovem que odiava o PT, a esquerda e Lula. O que mudou?'
Por Cristina Diniz
Foto: Ricardo Stuckert |
Luiz Inácio Lula da Silva tornou-se
Presidente da República quando eu tinha 13 anos – entre 2003 e 2010 – e, nesses
oito anos de mandato, senti muita raiva do sujeito. Não consigo lembrar
exatamente desde quando ou por que, mas desde que me conheço por gente eu tenho
uma certeza: que ódio desse Lula ignorante.
Em partes, porque minha família
inteira o detesta também. Cresci ouvindo comentários da piada que ele era. De
como supostamente arrancou um dedo só para ganhar um processo contra a fábrica
que trabalhava. E, o mais chocante: porque não tinha educação. Como assim? Quer
ser Presidente do Brasil e só fez até a quarta-série? Até eu já tinha passado
da quarta-série. Diziam também que era analfabeto e não sabia escrever ou ler –
circulava sempre uma sátira dele lendo um livro de ponta cabeças. Pessoalmente
eu tinha minhas dúvidas em relação ao fato, afinal aprende-se a ler antes da
quarta-série.
Outra razão e objeto de canalização
do meu ódio era o partido que ele representava. *Insira um palavrão*, o PT.
Quem conseguia apoiar o Partido dos Trabalhadores? Eu ficava revoltada porque
meu número na chamada na escola foi o 13 por três anos seguidos. Também não
gostava de vermelho e evitava a cor. Nunca me esqueço do ano em que, para as
Olimpíadas do Colégio, minha turma teve que ficar com a camisa vermelha – e o
meu número era o treze, imaginem que vergonha eu passei.
Oras, o PT e o Lula já eram a escória
da sociedade brasileira mesmo antes de estarem no poder. Mesmo antes do Lula
ser Presidente eu já odiava o Lula e nós já sabíamos que ele era um ignorante.
A voz dele irritava, e o fato do partido dele representar a esquerda. Ah, a
esquerda! – ameaçava a paz global. Pra ser sincera eu também não sei desde
quando comecei a ver a esquerda como a representação do mal na Terra, porém eu
tinha as explicações que recebia: Che Guevara comunista matou milhares,
comunismo é satanismo e o MST é uma barbaridade. Ok, no fundo eu não sentia nem
vergonha por não saber explicar o meu ódio.
Quando entrei na faculdade de
Relações Internacionais em 2010, era ano de eleições. E com informação, meu
ódio cresceu. O curso estava dividido entre PSDB e PT, e eu obviamente, andava
pelos corredores com meu “Serra” no peito. Para meu primeiro trabalho importante
como universitária, na aula de Introdução à Política Externa, me propus a
estudar e promover o debate “As Propostas de Política Externa dos Candidatos a
Presidente do Brasil” – José Serra e Dilma Rousseff (Deus me livre, a Dilma).
Em resumo, depois de dois meses de
pesquisa a minha conclusão me irritou: basicamente a política externa de Lula e
do PT estavam trazendo o país para o seu momento mais privilegiado no cenário
internacional, e a proposta de Serra levava para outro caminho. Por fim, tentei
disfarçar mas apresentei o estudo e a conclusão. Ainda assim votei pelo PSDB
naquele ano, e ainda assim tive muita raiva e “ameacei sair do país” quando
Dilma foi eleita. Também culpei o Nordeste analfabeto por não saber votar e
comprar os votos pra ganhar esmola do bolsa-família.
E saí do país, fui fazer o primeiro
intercâmbio (trabalhar em uma fábrica nos Estados Unidos) e, aprendendo melhor
o inglês, também fiz um curso online oferecido pela ONU na época: Os Desafios
da Fome no Mundo. No primeiro texto eu já queria desistir. “Caso de estudo
Brasil: a política social que tirou o país do mapa da fome”. É claro que
enaltecia o programa Bolsa Família e o ex-Presidente Lula. Será que os doutores
conheciam o Lula e o PT? Ah, que raiva. Que raiva por que mesmo?
Quem nunca se sentiu uma pessoa ruim
por odiar um alguém sem saber explicar o porquê? -Principalmente nós, mulheres,
que fomos educadas para ver a outra como inimiga e ameaça, e o fazemos assim
até a maturidade chegar através de informação e experiências (quando ela chega)
– enfim, comecei a perceber então que o que agora mais me dava raiva era que eu
não sabia do que estava falando. Afinal, o problema do Brasil era a
desigualdade e vilão nesse caso poderia ser o neoliberalismo,mas não era o
Bolsa-Família ou o Lula.
A minha ficha caiu quando realmente
olhei para uma charge na Veja (a revista que meus avos assinam e eu lia
assiduamente): O ex-presidente Lula aparecia montado em um jegue cheio de malas
e bolsas, e a legenda “mais um nordestino que veio pra São Paulo sem saber o
que fazia” me deixou horrorizada. Esqueci o político naquela imagem e lembrei
que essa era uma referência a um povo. Que horror. Era isso que eu pensava.
Racista e preconceituosa. Sem a menor empatia. Achando que eu era melhor porque
estava no Sul do país. Que bom que eu só tinha 22 anos e ainda dava tempo de me
desconstruir.
Ainda faço esse exercício quando me
surpreendo com sentimentos negativos a algo ou alguém. Pergunto-me o porquê e
espero saber responder com lucidez. Hoje, admiro o Presidente que Lula foi e
acompanho a perseguição que sofre, enquanto outros políticos estão envolvidos
em escândalos maiores, mas não causam nem metade da indignação. Eu não tenho
problemas se o Lula for preso – se fez errado, que pague. Porém como disse uma
amiga “se contra fatos não há argumentos, contra a falta a de provas, qual é o
argumento?”.
P.S: É claro que toda vez que um
texto que não ataque o Lula seja publicado já se espera ser rotulado como
“defender bandido”. Mas aí isso já é analfabetismo funcional, e tudo bem, eu
tento entender. Também já fui assim.
Cristina Diniz
Bacharel em RELAÇÕES INTERNACIONAIS –
UNIVALI/Santa Catarina
Global Development Specialist na Youth for
Understanding
Austin, Texas, 11 de maio de 2017
Fonte: Publicado no Portal Fórum
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