É necessário utilizar do protagonismo em
meio à pauta para que além de conduzir cooperativamente com os governos a
gestão da atual crise, se consolide espaço para a ciência ter voz e influência
*Por Ergon Cugler
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(Imagem: Sumaia Villela / Agência Brasil / Divulgação / ND) |
O avanço da Sars-Cov-2 e do COVID-19 tem
modificado rotinas drasticamente ao redor do mundo. Após o alastramento na
China, Irã e Itália sofrem com letalidade acima do observado em território
chinês. Mais recente, potências como EUA têm seu sistema de saúde
sobrecarregado e países como o Brasil passam a seguir orientações sanitaristas
e apostam em medidas para retardação da crise, tendo o SUS como determinante.
Dentre lições
da Itália no combate ao coronavírus, cabe destaque ao gráfico
elaborado por D. Harris e adaptado por C. Bergstrom sobre a retardação do pico
da epidemia. Segundo pesquisadores, medidas de controle como lavar as
mãos, trabalho remoto, evitar sair de casa, restrições a aglomerações e
viagens podem proporcionar não apenas o achatamento da curva de contágio,
mas retardar seu pico – evitando sobrecarregar o sistema de saúde e
viabilizando tempo para adequação de normas e procedimentos em relação à
pandemia – caso contrário, não há leitos, máscaras, respiradores, equipe ou
estrutura para atender a população contaminada.
Nesse cenário, enquanto os altos custos
limitam os cidadãos estadunidenses de realizarem os testes do COVID-19 –
desestimulando o atendimento primário – o SUS tem disponibilizado testes
gratuitos em larga escala através de parceria com a Fiocruz. A própria adoção
de protocolo unificado de atendimento e proteção à população demanda
articulação que só existe decorrente de anos de enraizamento da Estratégia
Saúde da Família e de atenção básica que o sistema universalizado propicia.
Para além do SUS, tal operação de
retardação do contágio é somente possível através da cooperação da comunidade
científica internacional. A questão é também econômica, pois ao não distribuir
o contágio através do achatamento da curva, pessoas doentes ou em quarentena
não poderão desempenhar suas funções, interrompendo cadeias de produção. Do
distanciamento social até a mudança de rotina, foram necessários exemplos
práticos do alastramento do COVID-19 e da sobrecarga do sistema de saúde com
mortes na Itália e Irã para que os governos de diversos países se mobilizassem
aos alertas de cientistas.
Vácuo
Como sempre, o obscurantismo não ataca
apenas retoricamente as universidades e a produção científica, mas influi
diretamente no corte de verbas e no esvaziamento dos institutos de pesquisa. Da
mesma forma, minimiza os impactos climáticos e desdenha dos alertas da
comunidade científica, tratando as evidências como opiniões a serem rebatidas
sem dados ou referências.
No campo da ciência política, autores
como P. Bachrach e M. Baratz (1963) apontam tal indiferença – a não
decisão – como uma forma de decisão. Diversos são os exemplos no caso
brasileiro, do contingenciamento de recursos para universidades e bolsas de
pesquisa – incluindo no campo de saúde, da CAPES e CNPq – à relativização do
governo diante do exponencial desmatamento da Amazônia, como aponta a pesquisadora
Gabriela Lotta.
No entanto, com o COVID-19, a
imobilidade consciente causada por teorias conspiratórias no núcleo de governos
foi varrida pelo avanço explícito do vírus, fazendo da comunidade científica
linha de frente do real combate à pandemia – exemplo do sequenciamento genético
do vírus pelas pesquisadoras da USP, Ester Cerdeira e Jaqueline Goes e da
vacina em desenvolvimento por cientistas do Incor, da Faculdade de Medicina da
USP. É da inércia de governos em meio ao caos que a comunidade científica pode
– e deve – explorar contradições e se apresentar à população ao expor as
consequências para seu futuro.
Tal prontidão de cientistas nos mais
diversos países têm constituído uma rede sólida de informações, colocando a
ciência na vanguarda das decisões governamentais. Com a coalizão sendo pautada
pela ciência, inaugura-se a oportunidade de combater o obscurantismo
institucionalmente, utilizando da transparência e atualização constante das
medidas adotadas como instrumento de supressão das fake news, por exemplo.
Responsabilidade
O texto publicado pela jornalista
italiana Mariella Bussolati no Business Insider, Pandemia
em tempos de Antropoceno, nos recorda que “a emergência do coronavírus nos
dá a oportunidade de nos prepararmos para enfrentar a emergência climática e
ambiental” que se acirrará nas próximas décadas. Ainda, diante do
imediatismo do Governo dos EUA em cobrar vacina da comunidade científica após
diversos cortes na saúde, em nota publicada
pela centenária revista Science o pesquisador e editor da Revista, H.
H. Thorp, respondeu, “ciência não se faz da noite para o dia, precisa de
investimento e, sobretudo para uma vacina, precisa-se de tempo e investimento”.
Durante a pandemia, aprendemos
arduamente a necessidade de financiamento progressivo e constante para que a
comunidade científica esteja a postos para eventuais crises. Aliás, ciência se
faz a longo prazo, não para atender apenas ao imediatismo. Mais do que isso, a
universalidade e gratuidade do atendimento do SUS com sua excelência e eficácia
no monitoramento e contenção do coronavírus e a valorização da ciência e da
universidade – junto aos institutos de pesquisa – com sua incorporação aos
processos de tomada de decisão governamental se mostram cada vez mais
fundamentais à vida.
É necessário utilizar do protagonismo em
meio à pauta para que além de conduzir cooperativamente com os governos a
gestão da atual crise, se consolide espaço para a ciência ter voz e influência,
pois a comunidade científica está provando que quando um alerta é realmente
ouvido, torna-se possível reagir rápido o suficiente para sua contenção.
Por fim, com a experiência do COVID-19 e
antes que a emergência climática e ambiental se torne irreversível por exemplo,
estejamos atentos, pois todo filme de desastre começa com cientistas sendo
ignorados.
*Ergon Cugler é pesquisador da Escola de Artes,
Ciências e Humanidades (EACH/USP), associado ao Observatório Interdisciplinar
de Políticas Públicas (OIPP) e ao Grupo de Estudos em Tecnologia e Inovações na
Gestão Pública (GETIP).
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