*Por Aldo Fornazieri
O
quadro de candidaturas à sucessão presidencial se fechou no final de
semana imerso numa densa neblina de incertezas acerca de seu desfecho.
Grosso modo, pode-se dizer que existem três vértices: 1) à direita,
Bolsonaro e Alckmin; 2) ao centro, Marina Silva, Álvaro Dias e Henrique
Meirelles, mais Amoedo; 3) à esquerda, Lula, Ciro Gomes e Guilherme
Boulos. Claro, existem mais alguns candidatos. Dentre os citados aqui,
os que parecem estar no jogo são Lula, Alckmin, Bolsonaro, Marina e
Ciro. Álvaro Dias tem alguma chance remota de surgir como azarão.
Meirelles é o candidato do governo Temer. Alckmin é o candidato do
sistema, do establishment, do mercado, dos bancos, das elites e da
estrutura de poder que articulou o golpe contra Dilma. Bolsonaro é o
candidato do grupos neofascistas e de uma massa desencantada, disforme e
dispersa, portadora de uma mentalidade radicalizada que julga ser
necessário o uso da força para resolver os problemas do Brasil.
O
principal adversário de Alckmin, no primeiro turno, será Bolsonaro. O
tucano age para esvaziar a sua candidatura. Por isso, capturou a
senadora direitista e fascistóide do Rio Grande do Sul como candidata a
vice. Ana Amélia (PP) fazia parte de uma coligação pró Bolsonaro no
estado. Alckmin e Bolsonaro não irão juntos para o segundo turno. O mais
provável é que o capitão seja desidratado e destruído pela mídia
engajada na candidatura do sistema. Nos demais itens que contam em
campanhas eleitorais, o tucano leva uma vantagem enorme: estrutura de
campanha, apoio nos estados, tempo de TV e rádio, apoio econômico etc.
Na área da segurança pública, tema caro a Bolsonaro, Alckmin tem números
invejáveis para se contrapor às veleidades do ex-militar. Assim, mesmo
com o risco de indicar uma tendência, no campo da direita, esta aponta
para uma passagem de Alckmin para o segundo turno.
No
campo da esquerda, se Lula estiver na urna, a fatura estará decidida.
Ao contrário do que dizem várias análises, é improvável que vença no
primeiro turno. O jogo será brutal. Mas, tudo indica que a candidatura
Lula será ceifada pelo TSE ou pelo STF. É preciso entender que hoje o
centro operacional do golpe está no Judiciário, que vem indicando
sinalizações ferozes de que agirá para proteger o sistema e seu
candidato. A jurisprudência indica que Lula tem o direito de ser
candidato, mesmo com a inconstitucional lei da Ficha Limpa, sancionada
pelo ex-presidente e estimulada pelo PT. Mas o Judiciário já rasgou a
Constituição, pisoteou as leis e jogou a jurisprudência no lodo.
Sem
Lula, o jogo ficaria mais complicado. Provavelmente, Lula seria
substituído por Haddad, indicado a vice, que é pouco conhecido
nacionalmente. O período da campanha é curto e o tempo de TV do PT não é
elástico. Na estratégia do PT conta-se muito com a tese de
transferência de voto de Lula para o seu substituto. Não é simples. Mais
do que grandes eleitores, o que mais define a chamada transferência de
voto são as condições conjunturais. Ela funciona melhor quando um
governante bem avaliado está saindo do governo e apóia um apadrinhado.
Foi assim que funcionou com Dilma em 2010.
Já,
Haddad, em 2012, na eleição para a prefeitura de São Paulo, não foi um
poste eleito por Lula. Grosso modo, existem dois tipos de conjunturas
eleitorais: a conjuntura da conservação e a conjuntura de mudança. Como
regra, nas conjunturas de conservação o governante se reelege ou elege o
sucessor ungido por ele. O eleitorado quer continuidade. Nas
conjunturas de mudança, o eleitorado tende a escolher aquele candidato
que melhor encarna a ideia de mudança. Haddad, fundamentalmente, se
elegeu prefeito porque expressou melhor a aspiração de mudança do
eleitorado paulistano.
A
conjuntura atual é confusa. O atual quadro de intenções de voto é
frágil, com grande número de indecisos. Se a campanha, que será
acompanhada por alto grau de descrença, não for capaz de produzir forte
polarização entre dois candidatos, poderá ocorrer uma situação de empate
técnico entre três ou quatro candidatos na reta final do primeiro
turno.
Há
que se acrescentar ainda o seguinte: se Lula for retirado da disputa
pela consumação do golpe, o mais provável é que permaneça preso. Assim,
não estará junto com o substituto nas ruas para imantá-lo com seu poder
magnético, fator que enfraquece a transferência. É improvável também que
o deixem gravar propaganda de rádio e TV. O candidato do PT teria pouco
tempo para afirmar a sua liderança e para construir-se como
personalidade política nacional durante a campanha. Isto teria que ter
sido feito com antecedência e este foi o ponto falho na acertada
estratégia do PT de manter a candidatura Lula.
Se
a candidatura Lula for imolada no altar de Adikia, Deusa da Injustiça, o
Brasil será recoberto com as trevas de um temor terrificante de
acontecimentos sombrios. O voto de Lula tenderá a se dispersar,
distribuindo-se, principalmente, entre o candidato do PT, Ciro e Marina.
O fato é que a esquerda está pulverizada e enfrentará um bloco forte da
direita aglutinado em torno de Alckmin. Ciro terá alguma chance de
passar para o segundo turno se o substituto de Lula não decolar e,
Marina, se Alckmin não se viabilizar.
A
tática adotada pelo PT, de isolar Ciro Gomes, poderá trazer importantes
prejuízos ao campo progressista e ao próprio partido. A militância de
base e a máquina do PSB não ficarão neutros na campanha: se distribuirão
em apoio ao PT, a Ciro e a Alckmin. O PT não ganhou praticamente nada
além do que já tinha do PSB e cortou a cabeça de Marília Arraes em
Pernambuco, desmotivando a militância e a juventude, num momento em que o
Brasil e o próprio PT precisam desesperadamente de lideranças jovens. A
retirada da candidatura do PSB em Minas Gerais, se ocorrer, nada
acrescenta ao PT e poderá até abrir brechas para que os tucanos vençam
no primeiro turno.
Se
o PT quiser ter alguma chance, remota, de ver o nome de Lula na urna
eletrônica precisa agir depressa e não só com uma equipe de advogados.
Precisa agir nas ruas, nos mercados públicos, nos estádios de futebol,
onde houver aglomerações populares. Só haverá alguma chance de Lula
permanecer candidato se os juízes dos tribunais superiores forem
intimidados pelo clamor popular. Sim, intimidados, porque este é o único
jogo que eles entendem na sua sanha persecutória, no seu papel de
pretorianos do sistema injusto e cruel, instalado no Brasil. Em
política, mesmo no regime democrático, quem não se fizer respeitado e
temido, terá que agir intimidado.
E
se a direção do PT não agir para fazer o Brasil tremer por um clamor
popular pela candidatura Lula, confirmará que é uma direção de
pusilânimes, de carpideiras que lamentam a tragédia de Lula, mas sempre
pronta a agir com realismo oportunista para preservar os seus interesses
e o seu poder. Mostrará que o discurso de defesa de Lula não passa de
um faz de conta, assim como foi com outros líderes petistas queimados na
fogueira da história.
Quanto
aos juízes dos tribunais superiores, eles parecem ter se tornado
amantes da Disnomia, pois, além da desordem social, querem que o Brasil
se afunde no abismo da discórdia política, cuja consequência é só uma: a
violência política generalizada. Os juízes serão responsáveis por
agravar a ilegitimidade das instituições e do futuro governo se
impedirem a candidatura Lula. Neste caso estarão agindo para dar uma
vitória a candidatos da direita, mas cobrirão o futuro governo de
ilegitimidade.
Um
governo ilegítimo não trará prosperidade econômica, pois governará sob a
espada da exasperação dos conflitos e da contestação. Um governo
ilegítimo não trará a paz social que nunca houve. Um governo ilegítimo
será a fagulha da grande fogueira de ódios e desavenças nos próximos
anos. O povo está emitindo sinais de exaustão, de impaciência, acerca de
sua condição trágica. Uma nova geração de líderes está nascendo.
Líderes pouco dispostos a aceitar a brutalidade que as elites, o
Judiciário, o Estado e o sistema perpetram contra o povo. A situação
está chegando num ponto em que a indignação está deixando de ser calada e
passiva. A crueldade contra o povo e suas misérias exigem que a
indignação se transforme em fúria da mudança.
*Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP)
Fonte: Publicado no Jornal GGN
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