'Desde 2016, a educação no Brasil não cabe no
orçamento federal devido ao teto dos gastos, que congela as despesas primárias,
entre as quais as destinadas a bolsas, capacitação e funcionamento das
instituições federais'
No último dia 30 de abril, o ministro
da educação Abraham Weintraub declarou que cortaria 30% do orçamento das
universidades federais que provocassem “balbúrdia” em seus campi – citando a Universidade de Brasília (UnB),
a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade da Bahia (UFBA). No
dia seguinte, o secretário da pasta de Educação Superior, Arnaldo Barbosa de
Lima Júnior, afirmou que o corte de 30% se estenderia de forma isonômica para
todas as universidades. Como se não fosse suficiente, o corte do orçamento
livre (gastos discricionários) de mais da metade das federais é superior ao
anunciado de 30%, caso da Universidade do Sul da Bahia (54%), da Universidade
Federal do Mato Grosso do Sul (52%) e da Universidade da Grande Dourados (49%).
Esses cortes podem interromper um longo
processo de avanço nos investimentos na educação brasileira. Ávila (2018), a
partir de dados do Inep, assinala que o percentual do investimento público em
educação como participação do PIB brasileiro, em todos os níveis de ensino,
entre os anos 2000 e 2014 aumentou de 4,6% para 6,0%. Desse aumento a educação
básica subiu de um investimento de 3,7% do PIB em 2000 para 4,9% em 2014; o
ensino médio de 0,6 para 1,1%; e o ensino superior de 0,9 para 1,2% do PIB, no
mesmo período.
Ademais, o investimento por aluno na
educação básica e no ensino médio também cresceu. O primeiro subiu de R$ 1.946,
em 2000, para R$ 5.935, em 2014. Já o segundo subiu de R$ 1.878 para R$ 6.021,
no mesmo período (valores deflacionados pelo IPCA). O ensino superior, por seu
turno, durante o período analisado se manteve relativamente estagnado, partindo
de R$ 21.341 para R$ 21.875. Destaca-se aqui que essa estagnação do gasto por
aluno pode decorrer do fato de que, a despeito de o investimento como
percentual do PIB nessa área ter crescido, também cresceu o número de
universidades e, consequentemente, o número de alunos, o que faz o gasto por
estudante ter ficado praticamente inalterado.
O fato é que consequentemente ao maior
investimento em educação, o Brasil teve melhoria nos seus indicadores
socioeconômicos. Se tomarmos o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
(IDHM) como parâmetro, entre 2011 e 2015, esse indicador (que varia entre 0 e
1) subiu de 0,738 para 0,761. Ao se verificar o comportamento das variáveis que
o compõem, nota-se que o IDHM renda cresceu de 0,718 para 0,729; o IDHM
longevidade foi de 0,676 para 0,713; enquanto o IDHM escolaridade subiu de
0,820 para 0,841. Dessa maneira, pode-se afirmar que, em razão de o IDHM ser
uma média das três variáveis, o avanço da escolaridade teve um impacto positivo
nesse indicador.
A expansão das universidades, por sua
vez, teve um efeito positivo na elevação da renda de parte da população
brasileira. Conforme estudo publicado por Niquito, Ribeiro e Portugal (2018),
entre 2000 e 2010 o número de universidades federais em funcionamento no país
passou de 39 para 58, uma expansão de quase 50%. Destaca-se ainda que o maior
crescimento foi daquelas situadas no interior do país (de 12 em 2000 para 27 em
2010, um aumento de mais de 125%).
O estudo supracitado assinala que,
durante esse período, as “evidências empíricas encontradas mostram que o
impacto da criação de novos campiuniversitários
sobre a renda per capita dos munícipios
diretamente afetados é de 3,57%” (p.388), ou seja, um efeito de curto prazo
positivo sobre a renda local. A partir disso, pode-se afirmar que o
investimento em educação, e no ensino superior público, é benéfico para o bem-estar
da sociedade brasileira.
Por fim, o que cabe ser destacado é
que, embora esses cortes sejam uma ameaça à evolução recente dos indicadores de
desenvolvimento humano brasileiro, a manutenção de investimento em educação
enfrenta um desafio fiscal além das canetadas de Bolsonaro e seus ministros: a
EC 95, conhecida como “teto dos gastos”.
O teto dos gastos congela as despesas
primárias (onde estão os investimentos em educação) do Governo Federal, em seus
valores reais de 2016, por até 20 anos. Inicialmente, essa emenda previa o
respeito ao piso constitucional para educação (18% das receitas correntes
líquidas). Contudo, a partir de 2018 o piso constitucional se desvinculou das
receitas da união e passou a ser um valor de referência, no caso, o montante de
2017 corrigido pela inflação.
Salienta-se que o valor previsto para
2017 já não seria capaz de suprir os investimentos básicos e as despesas
discricionárias em educação. De acordo com o estudo técnico n. 22/2016,
publicado pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos
Deputados (CONOF), cerca de 24 bilhões de reais poderão deixar de ser
investidos em educação nos próximos 20 anos a partir da adoção do teto dos
gastos.
Conforme esse estudo técnico, a Lei
Orçamentária Anual de 2017 destinava à Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
(MDE) R$ 51,6 bilhões, correspondente aos 18% que representam o piso
constitucional. Desses, aproximadamente, R$ 43,87 bilhões (15,3% das receitas)
seriam destinados às despesas obrigatórias – como FUNDEB, custeio de Pessoal e
Encargos Sociais – e R$ 6,05 bilhões (2,1% das receitas) às despesas
financeiras, somando 17,4% das receitas da união.
Logo, restaria 0,6% (R$ 1,63 bilhão)
para serem destinados às despesas discricionárias como: as bolsas de estudo
(desde iniciação científica a doutorado), gerenciamento de políticas de
educação, capacitação de servidores públicos, funcionamento de instituições
federais de educação profissional e tecnológica, entre outras atividades.
Porém, todas essas atividades precisariam de um orçamento de R$ 24,07 bilhões
(8,4% das receitas correntes líquidas da união) para serem financiadas. Desse
modo, o que se percebe desde 2016 é que a educação no Brasil não cabe no
orçamento federal devido ao teto dos gastos.
É só a partir da revogação desse regime
e da criação de outra arquitetura fiscal que a educação poderá voltar a ser
prioridade e os investimentos nas universidades federais poderão ser mantidos.
Até lá, vale lembrar as palavras de Darcy Ribeiro: a crise na educação não é
uma crise, mas um projeto.
REFERÊNCIAS
ATLAS BRASIL. Radar IDHM 2015. Brasília: PNUD; Fundação João
Pinheiro; Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), agosto de 2017.
ÁVILA, R. I. O Brasil gasta mais no
ensino básico do que no superior. Carta Maior. 27
de agosto de 2018.
TANNO, C. R. Estudo Técnico n. 22/2-16: orçamento da educação: riscos de
compressão das despesas não asseguradas pela PEC n. 241/2016. Brasília:
Câmara dos deputados – Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira
(CONOF), outubro de 2016.
NIQUITO, T. W.; RIBEIRO, F. G.;
PORTUGAL, M. S. Impacto da criação das novas universidades federais sobre as
economias locais. Planejamento e Políticas Públicas (PPP),
n.51, jul/dez, 2018.pp. 367-394.
(Crédito da foto da página inicial:
Marcelo Camargo/Agência Brasil)
*É economista, professor-adjunto da
Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS) e integrante do Movimento
Economia Pró-Gente
Fonte: Publicado no Brasil Debate
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