'Invisibilização dos atos do dia 29 é indício de que, contra o PT, o
maior grupo de comunicação do País pode ficar novamente ao lado do
autoritarismo'
Por Bia Barbosa*
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Mais de 300 cidades tiveram mobilizações contra Bolsonaro. Lula Marques/Fotos Públicas |
Desde o início da campanha eleitoral – e principalmente depois da impugnação da candidatura de Lula
e da consolidação de Bolsonaro (PSL) como líder das intenções de voto à
Presidência da República - analistas de mídia tem estado atentos ao
comportamento do maior grupo de comunicação do País.
O passado justifica o olhar específico sobre o Grupo Globo. Não
apenas porque seu poder de influenciar a opinião pública segue
significativo – vide o papel desempenhado nas mobilizações pró-impeachment em
2016 – como porque são inúmeros os episódios de explícita manipulação
midiática pelos veículos da empresa em momentos-chave de eleições
passadas.
Da clássica edição do último debate entre Lula e Collor, na disputa de 1989,
à divulgação da foto com pilhas do dinheiro que, segundo o delegado
Bruno, seria usado por petistas para pagar um dossiê contra o PSDB, às
vésperas do pleito de 2006, sobram exemplos da sanha global em decidir
as eleições a favor de seus escolhidos. Mas em 2018, será que a Globo
ficaria ao lado de um candidato abertamente fascista para derrotar o PT?
Antes da decolagem de Fernando Haddad (PT) nas pesquisas, a especulação foi maior do que os fatos. A bancada do Jornal Nacional não foi dócil com Jair Bolsonaro quando o entrevistou no final de agosto. Tampouco o foi a equipe de articulistas da GloboNews.
Naquele período, Bolsonaro era, inclusive, um adversário a ser
desconstruído, para que Alckmin (PSDB) – o favorito óbvio da Globo –
pudesse chegar ao segundo turno contra a esquerda, fosse ela
“representada” por Ciro ou por quem viesse a substituir Lula. A
cobertura do atentado contra Bolsonaro também não foi além dos padrões
previstos para a gravidade do ato que é a tentativa de assassinato do
candidato líder à Presidência.
Mas a campanha andou e a transferência de votos de Lula garantiu ao
PT, ao que tudo indica, um lugar no segundo turno. E aí a Globo chegou a
uma encruzilhada: de um lado, o representante do partido que foi o
maior alvo político da emissora na última década, retratado
sistematicamente como organização criminosa e liderado pelo maior
corrupto da história do País, segundo seu jornalismo; de outro, o
representante do ódio, do autoritarismo, do preconceito de todas as
formas, da violência contra as mais básicas liberdades civis, dos
militares – de quem a Globo tanto tenta se desassociar depois de ter
apoiado o golpe de 1964. Neste contexto, a pergunta era inevitável: os
Marinho vão apoiar Bolsonaro ou permanecerão “neutros”?
Na edição da última semana, a revista Época, semanal do grupo,
deu a entender que não. Num forte editorial, menciona novamente o erro
que foi embarcar na aventura golpista da época e repudia os riscos de
ruptura na normalidade democrática de agora (porque, afinal, para a
Globo, o impeachment de Dilma há dois anos não foi um golpe).
Diz um trecho do texto: “Comandantes militares e oficiais reformados
que se imiscuem em temas institucionais com ameaças implícitas de
rompimento da ordem democrática, políticos que debocham das instituições
e pregam as mais variadas desobediências legais, candidatos que lançam
desconfiança sobre a lisura do pleito, estimuladores do confronto físico
entre militantes divergentes, enfim, esses pregadores do caos
disfarçados de mantenedores da ordem devem ser relegados à
insignificância que merecem por uma sociedade madura e comprometida com
os valores da democracia”.
E conclui, com direito a ponto de exclamação: “É preciso dizer um
altissonante “não” àqueles que querem romper as regras do jogo
democrático, que negam a legitimidade dos oponentes, que cultivam a
intolerância ou encorajam a violência, aqueles que admitem a restrição —
mínima que seja — às liberdades civis. Basta do arbítrio que já macula o
passado!”. Neste sábado (29/09), o Jornal Nacional também se
posicionou editorialmente contra a declaração de Bolsonaro levantando
suspeita sobre as urnas eletrônicas. O grupo disse que “aceitar o
resultado das urnas é um princípio básico de toda democracia”. Mas aí as
ruas foram tomadas pelas mulheres. E o que fez a Globo?
Silêncio ensurdecedor
Apesar de mais de 300 cidades no Brasil e no mundo terem tido suas
ruas ocupadas neste sábado pelo movimento #EleNão, as emissoras de TV
não acharam que o fato era digno de grande repercussão e cobertura
midiática.
Ao contrário do que vimos num passado bastante recente, em que canais
como a GloboNews giravam suas equipes e a TV aberta até mudava sua
grade de programação para noticiar, às vezes por mais de doze horas
seguidas, determinados protestos pelo país, a manifestação global
chamada pelas mulheres no dia 29 de setembro, contra Bolsonaro, foi
tratada apenas como mais uma.
No Jornal Nacional, foram 4’30 minutos dedicados aos atos, mas
que nem de longe retrataram o alcance do movimento em todo o país. Pelo
contrário, o principal telejornal do país se esforçou para mostrar os
atos pró-Bolsonaro que também aconteceram.
No total, o candidato recebeu 7 minutos de cobertura favorável,
sobre sua alta do hospital, sua viagem ao Rio e a entrevista que
concedeu dentro do avião. Mais 2’30 minutos foram ao ar com a entrevista
de sua ex-esposa, usando uma camiseta de campanha de Bolsonaro e
negando todas as declarações feitas contra ele no processo de seu
divórcio.
A invisibilização na TV foi tão explícita que até colunistas da
imprensa tradicional se pronunciaram. “Um protesto histórico, menos
na tevê”, escreveu José Roberto de Toledo, em artigo no site da Piauí.
“Ao reunir dezenas de milhares, #EleNão provoca maior manifestação
liderada só por mulheres no Brasil mas é quase ignorado na tevê”,
afirmou.
No Twitter, a jornalista Eliane Brum, hoje no El País, também
se posicionou: “A maior manifestação das eleições de 2018, a maior
manifestação de mulheres da história do Brasil, foi quase ignorada pelas
TVs e não é manchete de nenhum dos grandes jornais. Há foto na capa,
mas não manchete. O papel da imprensa na crise do BR ultrapassou + um
limite: o da vergonha”.
Ao tentar silenciar centenas de milhares de vozes – não oficialmente
contabilizadas porque, coincidentemente, a PM decidiu não calcular o
número de presentes nos protestos – que se ergueram contra o fascismo de
Bolsonaro, o Grupo Globo dá indícios de um movimento perigoso que pode
se firmar nesta última semana de campanha: o de se alinhar novamente ao
autoritarismo, desta vez para derrotar o PT.
O jornalista Renato Rovai escreveu, em seu blog, que neste sábado a
mídia tradicional foi derrotada junto com o fascismo, em referência a
esta postura e à importante cobertura dos atos feita pelos meios
digitais e redes sociais na Internet, que furaram o bloqueio da chamada
grande imprensa.
É uma leitura otimista.
Derrotada ou não, a Globo deve jogar suas últimas cartas nos próximos
dias, incluindo no último debate presidencial, que ela organiza no dia 4
de outubro. Resta saber se sua aversão ao petismo será tamanha a ponto
de colocá-la, uma vez mais, do lado errado da história. O preço, dessa
vez, pode ser ainda mais caro. #EleNão!
*Bia Barbosa é jornalista, feminista, mestra em Políticas Públicas e integrante da Coordenação Executiva do Intervozes.
Fonte: Publicado na Carta Capital
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