«Estamos todos sós, no coração da terra, transpassados por um raio de sol: e é de improviso noite.» - Salvatore Quasimodo
«O recado que trazem é de amigos,
Mas debaixo o veneno vem coberto;
Que os pensamentos eram de inimigos,
Segundo foi o engano descoberto.
Ó grandes e gravíssimos perigos!
Ó caminho de vida nunca certo:
Que aonde a gente põe sua esperança,
Tenha a vida tão pouca segurança!»
Mas debaixo o veneno vem coberto;
Que os pensamentos eram de inimigos,
Segundo foi o engano descoberto.
Ó grandes e gravíssimos perigos!
Ó caminho de vida nunca certo:
Que aonde a gente põe sua esperança,
Tenha a vida tão pouca segurança!»
Luis Vaz de Camões, comentário sobre o candidato Jair Bolsonaro -
(Os Lusíadas, Canto I, estrofes 105/106)
Ao
invés de um Presidente da República, o Brasil acaba de eleger um
administrador colonial. E como em toda administração colonial, as
tarefas do Governo Bolsonaro serão simples:
-
Supervisionar a transferêrencia, através de privatizações, das riquezas nacionais – recursos naturais como petróleo, minérios, água, etc. – e de bens públicos – empresas públicas – para a metrópole, no caso o capital financeiro internacional e as grandes corporações privadas.
-
Garantir a «segurança» na colônia para os interesses da metrópole - o mesmo capital financeiro internacional e as mesmas corporações privadas. Na prática isto significa, por um lado, a criminalização e a perseguição de movimentos sociais e de qualquer tentativa de defesa dos bens públicos e de propriedade pública dos recursos naturais; por outro lado, a imposição, através de fake news e narrativas fake, de um discurso totalitário que legitime esta política econômica de submissão à metrópole, atacando como «socialismo», «comunismo» ou «bolivarianismo» qualquer proposta ou visão econômica alternativa. Não será tolerada nenhuma resistência ou questionamento das privatizações e do controle da esfera pública por interesses privados.
-
Garantir a supremacia dos direitos da metrópole sobre os direitos – sociais e coletivos – dos cidadãos e instituições da colônia, com a consequente erosão dos direitos humanos, trabalhistas, de leis e instrumentos de proteção ambiental; em resumo, de qualquer obstáculo à expansão predatória do capital.
Dito
de outra maneira: o Governo Bolsonaro representa a imposição do novo
colonialismo da ordem neoliberal no Brasil. Em Washington, capital
internacional do neoliberalismo, deve-se ter festejado muito o resultado
destas eleições. Imagino a euforia em Wall Street e a gana com que vão
dilacerar o Brasil… Não foi a troco de nada o apoio e os conselhos de
Steve Bannon, um dos grandes estrategistas da ordem neoliberal, à
campanha de Bolsonaro.
E
o fato de o candidato Jair Bolsonaro ter obtido, segundo as pesquisas,
muitos votos entre os eleitores com formação universitária, apenas
confirmou a minha antiga convicção de que certos níveis de estupidez só
se alcança depois de muito estudo. Não é fácil.
Mas
confesso que é duro, muito duro, assistir impotente a esta combinação
de mediocridade, vulgaridade e estupidez tomar o país e ser festejada.
A
nós, que temos os olhos abertos e que procuramos manter nossa
humanidade intacta e nosso espírito desperto, cabe agora a difícil
tarefa de seguir em frente e continuar a resistência. Como nos versos do
poeta italiano e anti-fascista Salvatore Quasimodo que coloquei na
epígrafe a este texto, somos os portadores deste raio de sol que deve se
manter brilhando na noite que, de repente, caiu sobre o país. Nossa
responsabilidade é ainda maior agora e o espírito deve seguir
atento.Busco refúgio e forças na poesia. Lembro-me dos versos de Jorge
de Lima, no final de «Invenção de Orfeu»:
« No momento de crer
criando
Contra as forças da morte,
a fé.
No momento de prece,
orando
pela fé que perderam
os outros.»
Estamos neste momento de luta contra as forças da morte. Há que seguir. Muito do futuro depende de nós.
Fonte: Publicado no Jornal GGN
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