"Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados." ― Vladimir Herzog

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Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.

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domingo, 22 de abril de 2012

O SENSO COMUM DA VIOLÊNCIA NO TRÂNSITO BRASILEIRO

Por Manoel Paixão
         O que muito tem me preocupado, constantemente, no que se refere à violência no trânsito, seja qual for a sua dimensão âmbito local, regional ou nacional , não são os dados estatísticos levantados a cada ano ou mesmo o ranking que nosso país ocupado em relação ao mundo. Mas, a forma como esses dados são passados à sociedade por meio da mídia, com a maior naturalidade. A prova disso é sempre a expectativa que se cria de uma possível redução das mortes em decorrência dos acidentes nas rodovias e nas vias urbanas do nosso país, posteriormente anunciada como indicador de queda ou elevação dos índices de feridos e mortes, em determinadas épocas do ano – principalmente nos feriados prolongados. Da mesma forma, me chama muito atenção quando ouço que o Brasil é campeão de mortes no trânsito, vejo nisso mais uma preocupação com a posição em que o país se encontra e com o alvoroço que isso produz em si, do que com as causas que tem levado a isso e as formas para mudar essa realidade catastrófica.
Recentemente – não tão diferente das outras vezes – tivemos acesso aos números relacionados ao trânsito durante a semana santa. As principais manchetes do último feriado prolongado se resumem: “Número de mortes diárias em acidentes nas rodovias federais diminui 6% no feriado da Páscoa”, diz PRF (Fonte: UOL). Sinceramente, quando ouço esse tipo de informação e/ou resultados, independente de qual seja a época do ano, o que para alguns significa um avanço, para mim é motivo de muita preocupação. E é simples dizer o porquê de tal preocupação.
Nos últimos anos, dados como esses são apresentados à sociedade com muita freqüência, e em alguns casos a tal da “redução” é até comemorada por nossas autoridades (in)competentes, pois a justificativa é sempre a mesma “se compararmos aos anos anteriores...”, como se essa fosse uma boa “justificativa” para amenizar a situação rotineira da violência no trânsito brasileiro. Nesse sentido, é comum vermos os porta-vozes da “aparente boa notícia”, com a maior naturalidade, comparando os números e até comemorando a proporção de acidentes e mortes no trânsito em relação aos anos anteriores. O fato é que mesmo existindo um mínimo de verdade nesses dados, pessoas ainda continuam morrendo e sendo mutiladas, e mesmo com toda redução, os números ainda são aterrorizantes. Os números revelam que o país vive uma verdadeira guerra no trânsito de nossas ruas e rodovias, causadora de lesões, invalidez e mortes. Em nosso país mata-se, por ano, cerca de 37 mil pessoas e provoca-se a internação de outras 180 mil, com um impacto de cerca de 34 bilhões de reais. Dados do DPVAT (Seguradora Líder) jan/2012 apontam para: 366.356 indenizações; sendo 58.134 indenizações por morte; 239.738 por invalidez permanente; e o restante por despesas hospitalares. Como afirmam alguns especialistas “nesta guerra só há perdedores”.
Nesses momentos, a sensação que tenho, e que as nossas autoridades, pautadas nas estatísticas, acabam transformaram algo tão sério em “senso comum”. Digo senso comum, porque os discursos não passam de mera retórica, e soam sempre como algo: “conseguimos reduzir..., superamos as expectativas..., cumprimos a nossa meta..., fizemos o nosso papel...”. Dando assim, a impressão de que quanto à vida propriamente dita, as que se perderam, em detrimento de números são “insignificantes” ou “descartáveis”. E isso, se deve a maneira como é colocado por nossas autoridades, já que esse reducionismo – que a própria realidade contesta – é apresentado como motivo de avanço e para se comemorar – como se assim o tivéssemos –, mas que, no entanto apenas comprova o embaraço das mesmas diante da condição funesta do trânsito brasileiro. É como me sinto quando ouço estatísticas relacionadas à violência no trânsito do nosso país. Estatísticas que para muitas famílias representam absolutamente nada.
Convenhamos que muitas ações de prevenção como as operações, as blitz, os patrulhões, os pactos que a cada ano são lançados e/ou implementados com a finalidade de se evitar os acidentes e consequentemente as mortes no trânsito são em muito necessárias e devem ser contínuas, todavia apenas “atenuam” a gravidade da situação. À medida, que rotineiramente, nas rodovias que cortam o nosso país e nas vias urbanas de nossas cidades, ainda nos deparamos com a intensidade de acontecimentos decorrentes da violência no trânsito que corroboram para as mutilações e a mortandade de pessoas.
Todos os dias, por todo o nosso país, vidas estão se perdendo no trânsito das rodovias e dos centros urbanos, e uma imensidão de familiares e amigos chorando a perda de um ente querido (pessoas inocentes atropeladas em calçadas, nas faixas de pedestre, pegas de surpresa por um carro na contra mão, etc..). A negligência, a imprudência ou imperícia dos condutores de veículos automotores contribuem em muito para que isso aconteça, como por exemplo, o excesso de velocidade, a ultrapassagem em locais proibidos, pessoas ao volante sem formação adequada, descontroladas, alcoolizadas, drogadas, cansadas, entre outros. Contudo, isso não pode desviar o foco da (ir)responsabilidade das nossas autoridades competentes concernente ao que há algum tempo – infelizmente – vem acontecendo, posto que a incapacidade de gestão pública do trânsito brasileiro, bem como no seu planejamento e nas ações de fiscalização, e aliado ao descaso, ou seja, à péssima qualidade da malha rodoviária e das vias urbanas, a corrupção, a impunidade, etc., que acabam por resultar na banalização da violência no trânsito de hoje, tendendo a se consolidar nos próximos anos. Da mesma forma que ouvi de um especialista em trânsito, recentemente, que foi categórico ao afirmar: “matar ou morrer no trânsito brasileiro virou senso comum”.
De algum modo tenho que concordar com o especialista, pois ao que parece matar ou morrer no trânsito tem sido encarado como algo normal, considerando a maneira como essa questão é tratada – com um certo sensacionalismo, é assim, que eu a vejo sendo tratada – em nosso país. Pois, em certos momentos o tom dos discursos dos seus responsáveis é sempre o mesmo, querendo nos fazer crer ou aceitar que uma provável solução está a caminho ou que já foi posto em prática um plano de ação eficaz. De certa forma, diante dessa lamentável realidade, até arrisco dizer que já estão sendo estabelecidas novas “metas de redução” da violência no trânsito brasileiro, além de que outras estatísticas e justificativas também já estão sendo cuidadas para os próximos períodos.    
Nesse sentido, só para corroborar, concordo ainda com o que diz, o presidente Jose Nivaldino Rodrigues (SINPRF/DF), em um texto de sua autoria publicado na internet: “Aceitar que a violência possa ser um fato normal é uma tentativa de diluir o terror que ela provoca, de se submeter aos seus efeitos. A barbárie e o terror se manifestam de várias formas. Uma delas é forma como são apresentados os fatos. Uma série de justificativas infundadas e espetaculares que impossibilitam a capacidade de apreensão e de reflexão sobre os acontecimentos é o dado concreto do discurso que banaliza a violência”.
O que falta, na verdade, é o comprometimento indiscutível e intransferível das autoridades; o envolvimento da sociedade como um todo; uma educação para o trânsito que precisa ser contínua, tendo também como alvo nossas crianças, adolescentes e jovens; leis menos complexas e mais rigorosas; e antes de tudo, compreender a fragilidade e o valor de uma vida, inclusive à nossa própria. Previamente esses são apenas alguns pontos a serem considerados para uma discussão e consequentemente uma intervenção, capaz de transformar de fato essa realidade brutal do trânsito brasileiro.

Referências

A banalidade da violência no trânsito e o discurso pós-morte. Disponível em: http://www.frentetransitoseguro.com.br/artigos/1715-a-banalidade-da-violencia-no-transito-e-o-discurso-pos-morte. Acesso em 17/04/2012

Brasil: um acidente a cada 30 segundos; duas indenizações a cada minuto: Disponível em: http://www.dpvatseguro.com.br/noticia2.aspx. Acesso em 17/04/2012.

Número de mortes diárias em acidentes nas rodovias federais diminui 6% no feriado da Páscoa, diz PRF. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/04/09. Acesso em 17/04/2012.

Informações sobre a violência no trânsito. Disponível em: http://www.portaldotransito.com.br. Acesso em 17/04/2012.

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