"A inércia da maioria dos cientistas brasileiros é particularmente danosa, na medida em que poucos fora dela terão a capacidade de articular o processo de defesa do sistema cientifico nacional".
Uma das marcas, dentre muitas, do governo “de facto” de Michel Temer tem
sido o ataque ao sistema nacional de ciência e tecnologia. Esse ataque começou
com o desmantelamento do Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação, passou
pelo rebaixamento dos principais órgãos de fomento da ciência brasileira (i.e.,
CNPq e CAPES) que foram colocados literalmente no porão do ministério comandado
por Gilberto Kassab, e chegou até as universidades federais onde foi imposta
uma forte asfixia financeira.
O ataque feito por Michel Temer ao sistema de ciência e
tecnologia nacional foi justificado, como de costume, pela necessidade de se
conter o déficit público. Essa justificativa teve como base o discurso surrado
de que o controle do déficit é uma condição básica para que o Brasil volte a
experimentar níveis aceitáveis de crescimento econômico.
O hoje infame relatório do Banco Mundial intitulado “Um
Ajuste Justo – Análise da Eficiência e Equidade do Gasto Público no Brasil”
serviu como um verniz adicional para o desmanche dos principais centros
produtores de pesquisa no Brasil que são as universidades públicas [1]. Nesse relatório, a cobrança
de mensalidades foi o aspecto que ganhou maior destaque, mas a mensagem mais
importante foi a de que se gasta mal no setor público, a qual abre caminho para
os cortes ainda maiores que serão feitos nos investimentos em ciência e
tecnologia já em 2018.
Por mais contraditório que o desinvestimento em ciência
possa parecer numa fase do capitalismo em que tecnologias de ponta são
apresentadas como o principal diferencial na competição intra-capitalista, as
ações feitas pelo governo Temer, e ecoado pela maioria dos governos estaduais
que agiram para também reduzir os investimentos na área, o movimento que coloca
a capacidade cientifica brasileira faz sentido para o que parece ser a aposta
macroeconômica da elite capitalista que domina o país.
E qual seria essa aposta macroeconômica e o que ela nos
reserva? Começando pela aposta ela parece estar diretamente associada a
uma combinação entre a dependência na renda com a exportação de commodities
agrícolas e minerais com um aumento ainda maior da subordinação aos interesses
das grandes corporações financeiras que hoje controlam o fluxo de capitais
especulativos. Tal aposta nos coloca numa trajetória pró recolonização do
Brasil, com o alijamento da maioria da nossa população aos benefícios gerados
pelo comportamento da economia, com massas de desempregados e subempregados.
O interessante é que, ainda que este processo esteja
claramente delineado e parte dos efeitos já esteja sendo sentido, a
comunidade científica brasileira ainda esteja basicamente silente e se
comportando como se a desgraça ainda não estivesse batendo às suas portas.
Ainda existem aqueles elementos que percebendo o naufrágio próximo já estejam
fazendo suas malas para embarcarem rapidamente para o exterior. Esse
comportamento da comunidade científica brasileira não chega a ser diferente do
que tem sido visto em outros segmentos da sociedade brasileira frente ao
desmanche do estado pelas políticas ultraneoliberais impostas por Michel Temer.
Entretanto, a inércia da maioria dos cientistas brasileiros é particularmente
danosa, na medida em que poucos fora dela terão a capacidade de articular o
processo de defesa do sistema cientifico nacional.
No meio desse imbróglio todo em que a ciência nacional está
posta como um dos alvos preferenciais de desmanche nos próximos anos, a questão
que fica é se vamos começar a reagir ou vamos deixar que o ritmo das coisas
continue sendo tocado por Michel Temer e por um punhado de governadores que já
fizeram todas as suas apostas na recolonização do Brasil.
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* Marcos
Pedlowski é Professor Associado da Universidade Estadual do Norte
Fluminense em Campos dos Goytacazes, RJ. Bacharel e Mestre em Geografia pela
UFRJ e PhD em "Environmental Design and Planning" pela Virginia Tech.
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