"Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados." ― Vladimir Herzog

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Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.

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quarta-feira, 6 de maio de 2020

Basta!, por Roberto Bueno

O propósito ditatorial já foi anunciado mil e uma vezes, por todas as formas e meios, ângulos e estratégias. Inexistem desculpas ou pretextos válidos para a falta de reação.

*Por Roberto Bueno | Artigos - GGN
Os mais talentosos cérebros já interpretaram o plano do real, as mais sofisticadas análises teóricas já foram realizadas, os mais celebrados desvendaram com singular destreza a política corrente, e desvendaram cortantemente as perspectivas de futuro e os dias pouco alvissareiros que nos aguardam, tal qual o faria no ar o impulso da espada da melhor cutelaria oriental. Tudo já foi talentosamente dito, e todos os mais ocultos recônditos foram preenchidos por significativas palavras. Sem embargo, nenhuma delas afastou o espectro que ronda os céus do Brasil, obscuro, lancinante, radical e sanguinário, ameaçador.

Aqui e agora toca às Forças Armadas, ao Supremo Tribunal Federal e ao Poder Legislativo, respectivamente, a última chamada. É desnecessário explicar aqui o amplíssimo e variado conjunto de crimes, violências e toda a sorte de vilipêndios e transgressões praticadas pelo indivíduo que empregou exitosamente os seus melhores esforços em tornar-se o mais repugnante entre todos os vis que esta terra já conheceu e viu servir ao poder tal quais os piores dentre os piores jagunços de seu povo. As estruturas do Brasil foram expostas a superlativo risco de completo colapso por intermédio de figura que declarou alto e bom som ter vindo para destruir, e não para construir, mas não é ela, por certo, a responsável pelo mal objetivo que abala o país, senão as forças que lhe permitem permanecer impingindo a morte ao povo brasileiro.

Tendo a íntegra da população brasileira exposta a sua vida à direto, concreto e iminente risco, a resistência emerge como indiscutível direito humano. A resistência é erigida à categoria de urgência existencial transmutável em variação política da previsão legal da legítima defesa, que apenas cessará quando os poderes instituídos exerçam as suas competências e neutralizem por completo a presente fonte de mal radical que demonstra a cada dia a capacidade de impor a morte por cruel sufocamento à milhões de brasileiros(as). Pode isto ser um homem? Seriam homens os que não apenas não se comovem como organizam as condições para o extermínio massivo de vidas?

O potencial de erradicação da vida desta incansável mente insana é instrumentalizado por exóticas e obscuras mentes que manipulam o títere. Colocam condições de possibilidade eficientes para a produção de dezenas de milhares de mortes pela indisponibilidade de leitos hospitalares para tratamento de enfermidades diversas em tempos críticos, ao que aliam alternativas geopolíticas que aproximam o país a intervenções bélicas em áreas fronteiriças bem como opções políticas internas que conduzem o país à beira da guerra civil, pavimentando esta via por extremar a facilitação para a venda de armas e abundantes munições, logo alimentando espíritos com discurso de ódio e elogio da violência. Nada disto é estranho ao cenário da citada “ucranização” com potencial de fragmentação do território nacional conforme já pretendido pelo império quando corria a década de 1960. Rearmadilhando a massa de incautos.

É preciso ter claro que todas as forças que fazem da omissão a regra de seu agir político prestam incondicional apoio ao genocídio do povo, e o estrelado generalato que compõe o núcleo duro do poder dá mostras públicas de sua posição em face da produção de cadáveres em série. É indubitável que o mandamento maior e universal para todas as autoridades políticas nesta radical quadra histórica do país é apenas um: evitar mortes e a desintegração do país, progressivamente subjugado aos interesses dos Estados Unidos da América do Norte em todos os aspectos.

O propósito ditatorial já foi anunciado mil e uma vezes, por todas as formas e meios, ângulos e estratégias. Inexistem desculpas ou pretextos válidos para a falta de reação, exceto de que se trate de apoio implícito ao projeto de poder que visa assestar o definitivo golpe à Constituição através da instauração da ditadura, seja ela formalmente declarada ou em andrajos, como lhe cai bem, recorra a ornamentos legitimadores que o mundo jurídico não hesita em providenciar aos transgressores da ordem democrática.

Basta, há muito que já basta de tanta omissão e oceânica pusilanimidade. Já basta há muito tempo, já basta a tantos homens e mulheres que acordam atormentados todas as manhãs pela insanidade do aviltamento a que somos expostos diuturnamente e do solapamento de suas almas por enlameados no poder. Basta, há muito, de tantos recuos ante o enfrentamento irrecusável, pois mesmo para os refratários a tanto o limite para recuar é o próprio abismo, e à sua borda já estamos: nenhum passa atrás, mas avante, é o que resta às instituições, e ao povo. Hoje já não é suficiente dizer “basta!”, mas impõe-se praticá-lo intensamente.

Tantos os que se calaram ao longo dos anos quando as violências e as transgressões se repetiram à céu aberto, que aplaudiram quando jovens em pública defesa da ordem democrática foram cegados na paulicéia por uma polícia desvairada coordenada por ministro do mal, tantos que desviaram o olhar quando foram praticados inúmeros homicídios nos campos, e nas tribos, vitimando indígenas, mas também nas cidades, em que trabalhadores e negros foram sempre as vítimas prediletas das forças de insegurança privada imposta ao público. Sucessivas vezes muitos assistiram à escalada do mal, à crescente ascensão e ofensas ao Estado e ao seu povo. O silêncio frente ao mal é dele cúmplice. Qual a reação dos homens livres frente à sutil estratégia de acostumá-los aos grilhões através de aproximações sucessivas, patenteando o desprezo por sua dignidade, por seus corpos e, última estação, por suas vidas?

Na estação acaba de soar a última chamada para a opção prática em favor da ordem democrática e da Constituição. Entre acomodados, apostadores profissionais, omissos e interessados, chegamos a este ponto de não retorno, mas as instituições já não lograrão passar incólumes acaso não acionem imediatamente o freio de emergência. A omissão compartilhada pela massa não terá outro resultado senão o franqueamento de passagem ao completo caos, conducente à manipulação e falsificação da restauração farsesca da ordem através da imposição da força bruta pela farda. Os omissos frente ao caos serão os seus beneficiários.

Um espectro ronda e pretende dinamitar a praça em que os poderes da democracia foram legitimamente constituídos. Todas as potências da velha ordem foram mobilizadas para defenestrar as liberdades, deslocar os valores republicanos e dinamitar a Constituição. Não há beleza no cenário que pode engendrar. Imersos no caos estrutural a humanidade testemunha com qual crueza brota o mal que ali encontra terreno fértil para disseminação, à razão de celeridade superior ao mais contagioso dos vírus conhecidos. Conhecida a desordem, logo tantas outras décadas de imersão na escuridão dos porões bolorentos da ditadura. Aqui já não haverá bacias livres de sangue onde tantos Pilatos possam descansar as suas mãos.

O desafio foi apresentado, a ameaça foi posta. Basta, basta da oceânica pusilanimidade na defesa da ordem constitucional. A encruzilhada histórica está à frente sem que tenhamos espaço para mais um recuo: liberdade e Constituição ou ditadura. Basta de torturadores, de sanguinários, basta de aventureiros tenebrosos e corsários mil, ostentem eles estrelas ou até o inteiro Cruzeiro do Sul ou não. Pela vida, pelas liberdades, pela democracia, pela Constituição! Todo poder ao povo brasileiro. Basta de ditaduras, basta de ditadores!

*Roberto Bueno – Professor universitário. Doutor em Filosofia do Direito (Universidade Federal do Paraná/ UFPR). Mestre em Filosofia (Universidade Federal do Ceará / UFC).


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