Por Jeferson Miola
O sistema político está
colapsado; sua implosão é parte da estratégia da força-tarefa da Lava Jato. A
política não está sendo dirigida pela própria política, no sentido abrangente
do termo, porque não está sendo deliberada no âmbito da democracia, da eleição
e da representação.
A política está sendo decidida pelos sem-voto; por aqueles
não-investidos de mandato popular ou de representação partidária. A democracia
representativa, já debilitada pela corrupção e pela ilegitimidade de um
Congresso apodrecido, está com seu funcionamento perigosamente mais
comprometido pelo hiper-ativismo jurídico na política.
Não se trata somente da judicialização da política; que é, em si
mesmo, uma grave anomalia democrática; mas da preponderância nociva das
corporações jurídicas sobre a política. Entenda-se por corporações jurídicas
esferas do Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal [a polícia
judiciária federal].
Os expoentes destas corporações altamente partidarizadas – Moro,
Dalagnoll, Janot, Gilmar, juízes, procuradores e delegados da PF – todos com
marcado viés ideológico, afrontam o Legislativo e disputam com os políticos,
parlamentares e governantes, a primazia na arena política.
A mobilização fanático-religiosa em defesa das dez medidas de
combate à corrupção e o combate histérico ao projeto de lei que pune o crime de
abuso de autoridade, são exemplos das investidas recentes das corporações
jurídicas contra o sistema político. A convivência íntima, normalmente
dominical, do juiz Gilmar Mendes com seu réu Michel Temer no Palácio do Jaburu,
é a expressão escancarada da dominância do judicial sobre o político – Gilmar
saiu de todos os encontros com mais poder e maior influência na arena política.
O ativismo político de juízes, procuradores e delegados da PF é
proibido pela Constituição e pelas Leis do Brasil. O poder político exercido
pelos atores das corporações jurídicas não se origina de mandato
constitucional; mas é um poder usurpado, originado na intimidação e no medo; um
poder fundado na autoridade ameaçadora da condenação e do castigo que é
intrínseca à função judicial.
A associação das corporações jurídicas com a Rede Globo
instaurou esta verdadeira ditadura jurídico-midiática que confere legitimidade
ao golpe de Estado e ao regime de exceção com o sofisma do “funcionamento
normal das instituições” [sic].
A Lava Jato, quando surgiu, aparentou ser uma Operação
determinada a atacar a raiz da corrupção do sistema. Com o passar do tempo,
todavia, ficou evidente a manipulação do seu escopo. Hoje, não restam dúvidas
de que a Operação é uma estratégia de poder para viabilizar um projeto
anti-popular e anti-nacional que coesiona os interesses dos grandes capitais
nacionais e estrangeiros.
A Lava Jato, inspirada na Operação Mãos Limpas da Itália dos
anos 1990, está em busca do seu Sílvio Berlusconi; procura o outsider, o
“gestor não-político, puro e limpo” para governar o Brasil depois da devastação
moralista que promove. As apostas para o posto, por enquanto, se concentram no
prefeito paulistano [e proto-fascista] João Dória.
A popularidade do ex-presidente Lula atrapalha o plano. Lula
lidera com folga todas as pesquisas eleitorais, vence em qualquer cenário. Ele
é, dentro do sistema político, além de eleitoralmente viável, o único com
estatura política e moral para comandar a reconstrução econômico-social do
Brasil e a restauração democrática do país.
Esse é o impasse do golpe: ou cancela a eleição presidencial de
2018 para impedir a vitória do Lula; ou, então, consegue impedir a candidatura
Lula e, neste caso, mantém a eleição. A segunda hipótese parece ser a escolhida
pela classe dominante – que, para lográ-la, tem de atender dois requisitos.
O primeiro requisito é a condenação do Lula na Lava Jato nos
próximos meses. Ajuda decisiva para isso veio da família Odebrecht, que mudou
radicalmente sua estratégia de defesa e trocou o discurso dos últimos três
anos, de total inocência e isenção do Lula, pelo da acusação e incriminação do
ex-presidente que mais contribuiu para a expansão do conglomerado.
A inflexão judicial da Odebrecht, neste sentido, pode ser sinal
de um grande consenso pelo alto; de um pacto para a continuidade e o
aprofundamento do golpe e das medidas anti-populares e anti-nacionais.
Neste pacto por cima, a Lava Jato dobrou a Odebrecht. As
corporações jurídicas eliminaram um competidor de peso; um competidor que age
como um verdadeiro Estado paralelo do capital dentro do Estado de Direito.
O segundo requisito é deixar o moribundo Temer no cargo até o
final do mandato, sobrevivendo com o auxílio de aparelhos e sendo manietado
como um títere. Qual a razão, do ponto de vista racional, qual a justificativa
para se preservar a cleptocracia com 60% dos ministros implicados em corrupção,
além do próprio chefe do bando, e responsável pela maior recessão da história do
país? Talvez porque manter Temer até o fim seja preferível a ter de alterar a
rota do golpe sem deter o controle total da manobra.
De acordo com a regra vigente, se Temer for afastado, o
Congresso escolhe o sucessor para terminar o mandato. A eleição indireta, por
parlamentares corruptos e ilegítimos, é indesejável, porque pode aprofundar a
crise e radicalizar o conflito social.
Por outro lado, uma emenda à Constituição para antecipar a
eleição direta não poderia ser aprovada sem que, antes, Lula fosse condenado
pelo Moro e, assim, ficasse impedido de disputar o pleito. A condenação do
Lula, por outro lado, poderá significar o fim do governo Temer, que então
deixará de ser um estorvo para a eleição antecipada para escolher, entre os
sem-carimbo da Lava Jato na testa, o próximo cônsul dos EUA no Brasil.
Por detrás do noticiário dos últimos dias, que entorpece com os
vídeos das delações da Odebrecht, se escondem algumas pistas sobre os próximos
passos do golpe. A condenação do Lula e a manutenção do Temer são duas
variáveis relevantes da estratégia dos sem-voto.
Esses são tempos difíceis e complexos; são tempos de caos e de
perigosa confusão institucional. Quando a política cede lugar a quem não tem
legitimidade, a democracia fica ameaçada de morte.
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