Muito além de condenar políticos e empresários, Moro esfolou as empresas, destruiu milhares de empregos e demonizou a política.
Por Cristina Serra
Cristina Serra, jornalista e escritora (Foto: Reprodução)
Diante de fato novo, volto ao personagem, sobre o qual escrevi dias atrás. O ex-juiz da Lava Jato tornou-se sócio-diretor da consultoria norte-americana Alvarez & Marçal, encarregada de administrar o processo de recuperação judicial da empreiteira Odebrecht (consta que também presta ou prestou serviços para, pelo menos, outras três empresas envolvidas na operação).
O antigo império de engenharia foi peça central no esquema de corrupção investigado sob o comando de Moro. Ele condenou e prendeu donos e executivos da empreiteira, aprovou delações premiadas e acordos de leniência. Com seus excessos e desvios, contudo, o ex-magistrado ajudou a quebrar a empresa e agora – dono de um acervo de informações privilegiadas – vai se beneficiar triturando a carcaça e seus despojos.
Na natureza, essa conduta encontra paralelo nos predadores necrófagos, como hienas e abutres. A diferença é que estes tem papel fundamental na manutenção do equilíbrio de ecossistemas. Moro é o contrário. Seu papel de regente dos acusadores implodiu a necessária equanimidade que a função de juiz requer. Muito além de condenar políticos e empresários, Moro esfolou as empresas, destruiu milhares de empregos e demonizou a política.
Basta ver o efeito disso nas três últimas eleições. Os sinais do triunfo da anti-política em 2016 foram confirmados da pior forma possível em 2018. Tanto que Moro não teve o menor constrangimento em ser ministro da extrema direita. Nesta eleição de 2020, com a Lava Jato na lona, foi nítido o recuo da anti-política, embora esteja cedo para decretar o seu fim.
O ex-ministro não é o único a levar vantagem na porta giratória entre as esferas pública e privada. Mas sua conduta extrapola o conflito ético e reforça críticas sobre sua atuação na Lava Jato, que deveria ser investigada. O pedido de suspeição repousa placidamente na Segunda Turma do STF, o que remete, ironicamente, à frase síntese de Romero Jucá: “Com o Supremo, com tudo”.
(publicado originalmente na Folha de São Paulo em 05/12/20)
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