“O tempo fará com que reconheças tudo isso com segurança, pois só ele nos pode revelar quando os homens são bons, ao passo que um só dia basta para evidenciar a maldade dos maus.” (Sófocles, 496-406 AC. Rei Édipo. Tradução J.B de Mello e Souza. Versão para eBooksBrasil, 2005)
“O que a humildade não pode exigir de mim é a minha submissão à arrogância e ao destempero de quem me desrespeita. O que a humildade exige de mim, quando não posso reagir à altura da afronta, é enfrentá-la com dignidade.” (Paulo Freire. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996)
Por Manoel Paixão
Meu caro leitor e minha cara leitora,
Chegamos em dezembro, o último mês de um ano dureza para todo mundo.
Na verdade, 2020 está sendo um ano de provações em todos os sentidos, influenciando ao máximo nas relações sociais, nas relações de consumo, nas escolhas políticas, no trato com a natureza, bem como, no bem estar físico e mental, em níveis individual e coletivo.
Vai deixar marcas profundas e com elas importantíssimas lições, que acredito até que já esteja gerando uma espécie de conscientização em muita gente, sobretudo, do ponto de vista do comportamento humano e a sua relação com a vida no planeta.
Fazendo uma breve retrospectiva do que foi o Brasil em 2020, vejo que este andou bastante na contramão, em decorrência do estado de coisas que estamos vivendo, dos reveses, da desinformação, da falta de empatia, da insensatez, dos absurdos, e etc.. Aliás, acelerou a sua marcha rumo ao atraso, inclusive civilizatório, pois tudo o que havia latente de mais retrógrado ganhou a cena, como o obscurantismo, o negacionismo, o terraplanismo, a anti-cultura, a anti-ciência, a anti-vacina e a anti-democracia.
Nosso país que padecia de problemas a serem urgentemente resolvidos, nas áreas da economia, do meio ambiente, do emprego, da educação, do social, da saúde, piorados pela maior pandemia da história da humanidade e a maior crise sanitária da história brasileira, se viu diante da incapacidade do governo de enfrentamento tanto dos já existentes quanto dos de agora.
Aqui está um resumão – não necessariamente numa ordem cronológica dos fatos – da situação do Brasil em 2020, como:
─ A consolidação do fracasso da política econômica do superministro Paulo Guedes, com o Brasil despencando para o 12º lugar no ranking econômico global. A desvalorização do real frente ao dólar. A inflação castigando severamente o povo, sendo considerada 3 vezes maior entre os mais pobres. A elevação exorbitante nos preços do arroz, do óleo de soja e da carne bovina, por exemplo, além de outros itens da cesta básica. Os reajustes seguidos no preço do botijão do gás de cozinha. A contragosto o governo liberou o auxílio emergencial, que só aconteceu depois de muita pressão da sociedade e do Congresso.
─ O aumento da desigualdade e da miséria. A fome avançou pelo país, o que contribuiu para o retorno ao Mapa da Fome da ONU. O Brasil tem mais de 13 milhões de pessoas na extrema pobreza, aquelas que, de acordo com o Banco Mundial, vivem com até R$ 151 por mês e quase 52 milhões na pobreza, com renda de até R$ 436 por mês.
─ Os números alarmantes do desemprego, com 14 milhões de pessoas desempregadas.
─ A “boiada” do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, passou à vontade, com o engajamento dele próprio na flexibilização das leis ambientais. O país sofreu cobranças e pressões, internas e externas, pelo descaso com que tratou o aumento drástico do desmatamento e as queimadas descontroladas na Amazônia e no Pantanal, comprometendo inclusive interesses comerciais. De acordo com dados do Inpe, o desmatamento na Amazônia atingiu a maior taxa em 12 anos.
─ A demora do Ministério da Saúde no enfrentamento da pandemia, que ficou evidente pela falta de entendimento e, consequentemente, de um plano nacional integrado entre o ministério e as secretarias estaduais e municipais da saúde, para implementar as medidas necessárias. As frituras e demissões de ministros técnicos, como Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. A ocupação militar do ministério, com o general da ativa Eduardo Pazuello – um especialista em logística – como titular e outros militares em cargos estratégicos, sendo que a maioria não possui experiência técnica que justifique as suas indicações. Pazuello mesmo todo perdido é mantido no cargo, porque se presta a seguir fielmente a cartilha do presidente. Em determinado momento, o ministério chegou a priorizar mais a cloroquina – medicamento sem a comprovação de sua eficácia no tratamento da Covid-19 – e deixou faltar remédios básicos para UTI’s, como também deixou faltar respiradores e EPI’s. E mais recente, descobriu-se que o ministério mantém estocado 6,8 milhões de testes do tipo RT-PCR, que custaram cerca de R$ 290 milhões, com o prazo de validade se esgotando. Brasil é um dos países que menos testou a população e ainda não apresentou um plano nacional de imunização, no que se refere à Covid-19.
─ O isolamento do país na geopolítica e nas relações internacionais. Os constantes desvarios do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, manchando a imagem da diplomacia brasileira, que quando não está criando teorias conspiratórias – do comunismo ou do "marxismo cultural", por exemplo –, está atacando nações amigas e parceiras comerciais importantes. Seguindo a cartilha do presidente, o chanceler brasileiro não poupou esforços em dar demonstrações de capachismo ao governo de Donald Trump, como no episódio do encontro com o Secretário de Estado, Mike Pompeo, para desestabilizar ainda mais a Venezuela, isso poucos dias antes das eleições estadunidenses. Também não mede esforços para acirrar conflitos ideológicos e/ou comprometer as relações do Brasil com a China. E chegou ao ponto de atacar a memória do escritor e diplomata João Cabral de Melo Neto, que estava sendo homenageado durante formatura no Instituto Rio Branco.
─ A saída do Abraham Weintraub do MEC – um sujeito insano, investigado no inquérito das fake News e que deixou o país de forma muito estranha. As trapalhadas que se seguiram na escolha de um ministro substituto. O aparelhamento ideológico, a quebra da autonomia e a interferência política no processo democrático interno de escolha de reitores das universidades e institutos federais. A ameaça de retrocesso na educação inclusiva, com a publicação do Decreto n° 10.502/2020. E a publicação da Portaria Interministerial MEC/ME nº 3/2020, que altera a gestão do Fundeb e diminui o valor mínimo nacional a ser investido por aluno anualmente, também anulou os ganhos salariais dos professores da educação pública para 2021.
─ O ex-juiz da Lava Jato, Sérgio Moro, que chegou ao governo com a pompa de superministro, terminou sendo desmoralizado e enxotado do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Moro chegou a disparar sérias acusações e críticas contra o presidente da República, de interferência política na Polícia Federal, de falta de comprometimento com o combate a corrupção e de apoio ao seu pacote anticrime. O ex-juiz e ex-ministro agora é sócio-diretor de empresa dos EUA que administra recuperações judiciais, como a da Odebrecht, um dos grupos empresariais levados quase à falência pela força tarefa da Lava Jato. Ao que parece, o aparelhamento político e ideológico de instituições públicas, inclusive para fins pessoais, é prática frequente no governo.
─ E não poderia deixar de mencionar aquela reunião ministerial grotesca, do dia 22 de abril. O enredo dessa reunião registrado em vídeo é sinistro!
Ainda tem mais do resumão, como:
─ A flexibilização do uso de agrotóxicos. O Ministério da Agricultura, que é chefiado por Tereza Cristina, também conhecida como “musa do veneno”, publicou a liberação de centenas de novas substâncias, inclusive algumas que são proibidas lá fora. Só esse ano, já foram 405 as autorizações publicadas. O Brasil é um dos países que mais utiliza agrotóxicos no mundo.
─ Os ataques à liberdade de imprensa. O episódio da censura imposta pela Justiça ao Jornal GGN, que mandou retirar de circulação matérias sobre um suposto esquema de corrupção envolvendo o BTG Pactual, banco fundado por Paulo Guedes. A Justiça também proibiu a Rede Globo de expor qualquer documento ou peça do processo referente ao esquema da “rachadinha” na Alerj envolvendo Flávio Bolsonaro.
─ O gabinete do ódio, as milícias digitais e a fábrica de fake news bolsonarista, funcionando a torto e a direita.
─ As disputas internas entre integrantes das alas militares e ideológicas do governo, o dinheiro nas nádegas do então vice-líder do governo no Senado, o Centrão, as negociatas, os cargos, as boquinhas e mamatas.
─ O apagão no setor elétrico do Amapá, a situação de calamidade pública e o descaso com sua população. Documentos revelados recentemente comprovam que, ONS, Aneel e governo federal, tinham conhecimento do risco de apagão no Amapá, pois relatórios informavam que a subestação que explodiu operava no limite da capacidade há cerca de dois anos. O desabastecimento de energia durou 22 dias e afetou a população de 13 dos 16 municípios amapaenses, incluindo a capital Macapá.
─ O aumento do número de armas de fogo em circulação. A política armamentista do presidente vem promovendo a maior flexibilização nas normas de controle de armas e munições.
─ A escalada da violência explícita contra pobres, trabalhadores, jovens da periferia, negros, índios, camponeses, e ligada a questões de gênero. Os casos que se repetem de ameaças, intimidações, atentados e assassinatos, contra lideranças comunitárias e sindicais, e ativistas ambientais e pelos direitos humanos. A grande maioria das vítimas de homicídios são jovens e negros.
─ O aumento dos casos de violência contra as mulheres e dos registros de feminicídio. Quanto as ações do governo para o enfrentamento da violência contra as mulheres, segundo levantamento feito pelo jornal O Globo, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, só desembolsou 6% dos R$ 24,6 milhões disponível para tal finalidade. Basta de tanto descaso e de tanta violência!
─ O inadmissível desfecho do caso Mariana Ferrer, que foi estuprada aos 20 anos de idade, pelo empresário André Camargo Aranha, no local onde trabalhava em Florianópolis (SC), que ganhou ampla repercussão quando a jovem apareceu sendo humilhada durante audiência. Depois de Mariana ser tratada com desprezo e preconceito, a Justiça desqualificou o crime – ao aceitar o argumento de que não houve a intenção do estupro – e acabou inocentando o réu. Em nosso país uma mulher é estuprada a cada 8 minutos.
─ O lamentável episódio que vitimou João Alberto Silveira Freitas, um homem negro de 40 anos, brutalmente espancado até a morte por seguranças do supermercado Carrefour em Porto Alegre (RS), às vésperas do Dia da Consciência Negra. E a insolência do vice presidente da República, General Mourão, de dizer que no Brasil não tem racismo. Aliás, um comportamento característico do Mourão, como se viu em outros momentos, nos quais minimizou falas absurdas do presidente e outras situações como o desmatamento. No Brasil, o racismo existe e acontece todos os dias, os dados da violência contra a população negra são alarmantes, por isso, combatê-lo é dever de toda a sociedade!
E para completar o resumão, as declarações irresponsáveis e o desserviço do presidente da República, que não se porta no cargo como se espera de um governante. Que entre uma e outra:
─ Desferiu ameaças e ofensas contra movimentos sociais, ONG's, autoridades e personalidades de grande influência, a pluralidade política e a imprensa, também não economizou nas piadas de muito mau gosto e preconceituosas, quase sempre de natureza machista, sexista, racista, homofóbica, xenofóbica e discriminatória.
─ Foi sórdido ao minimizar o tempo todo a pandemia, chamando-a de “fantasia”, “histeria”, “gripezinha ou resfriadinho”, e ao debochar de quem optou pelo isolamento social e diante das mortes de vítimas da Covid-19, quando disparou: - “Eu não sou coveiro, tá certo?”; - “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”; - “Todos nós iremos morrer um dia"; - “Tem que deixar de ser um país de maricas”.
─ Fez de tudo para boicotar as medidas sanitárias recomendadas pelos especialistas para contenção do coronavírus – como o isolamento social, por exemplo –, incitou seus apoiadores a invadir hospitais de campanha e filmar leitos de enfermaria e UTI's, forçou o uso da cloroquina – mesmo com todas as pesquisas descartando-a –, disseminou desinformação das mais diversas e tenta partidarizar o uso de vacinas, que ainda estão em fases de testes. Enfim, passou e continua passando de todos os limites!
Nesse instante, enquanto finalizo esse texto, são contabilizados mais de 6,3 milhões de casos e a perda de mais de 173 mil vidas, em decorrência da Covid-19.
─ Para a decepção dos bolsonaristas lavajateiros, o presidente que apenas surfou na onda da Lava Jato e do discurso anticorrupção, veio a se gabar de ter decretado o fim da operação, ao dizer: - “eu não quero acabar com a Lava Jato. Eu acabei com a Lava Jato, porque não tem mais corrupção no governo”.
O tempo todo é assim, quando o presidente e seus asseclas não estão metendo os pés pelas mãos, dando show de trapalhadas ou afundados na guerrilha ideológica insana, estão encenando uma distração para encobrir a inoperância do governo no enfrentamento de alguma crise – eis aí a crise sanitária para não deixar mentir! –, os seus interesses entreguistas – como a dilapidação do patrimônio nacional ou a tentativa de privatização do SUS, por exemplo – e os escândalos que pairam sobre o entorno do presidente.
Cabe ressaltar que, desde as tramas do golpe de 2016 até o presente momento, um rastro de retrocessos e obscenidades vai sendo deixado, que pelo jeito serão intensificados.
Por todas essas e por outras razões – não citadas no resumão, mas que são de conhecimento público –, já dá para perceber que a situação do nosso país é bem mais grave do que se imagina e não teremos uma trégua pelos próximos dois anos. E lá se vão mais quase 12 meses de atraso, promovidos dia e noite por um desgoverno, em um ano extremamente sofrido.
Eu sei que "tá puxado", pois o cenário é trágico e desanimador, mas o momento é oportuno para muitas reflexões e aprendizados. Peço a Deus, que Ele nos dê forças para não esmorecermos ante os dias sóbrios e para seguirmos firmes na luta contra os retrocessos e as obscenidades. Por isso mesmo, vida que segue e luta que continua!
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