'Grupo, que inclui o Instituto Vladimir Herzog, faz apelo para julgamento e divulga estratégias contra ataque a educadores.'
Em
resposta ao avanço de ataques contra educadores por partidários do
Escola sem Partido, religiosos e conservadores, um grupo de entidades
ligadas à educação, aos direitos humanos e movimentos sociais criou um
manual de defesa contra perseguições de docentes e contra a censura nas
escolas.
O material traz estratégias pedagógicas e jurídicas para
atuação em diferentes casos de ataques, bem como desenha as premissas
legais e pedagógicas que resguardam o trabalho dos professores. O
conteúdo pode ser acessado pelo endereço www.manualdedefesadasescolas.org.
Assinam
o manual cerca de 60 entidades, incluindo Instituto Vladimir Herzog,
Ação Educativa, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação e União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação. O Fundo
Malala e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério
Público Federal apoiam a iniciativa.
O grupo também preparou um
apelo ao STF (Supremo Tribunal Federal) para que haja o julgamento sobre
uma lei estadual de Alagoas inspirada no movimento Escola sem Partido e
batizada por lá de Escola Livre. O julgamento estava previsto para
quarta-feira (28), mas o presidente da corte, ministro Dias Toffoli,
incluiu outro processo na frente, o que pode adiar indefinidamente a
análise.
Há expectativa com relação ao julgamento do Supremo uma
vez que essa lei de Alagoas foi suspensa, por decisão liminar do
ministro Luís Roberto Barroso, ao ser considerada inconstitucional. Esse
entendimento também é respaldado por parecer do Ministério Público
Federal.
A definição do STF poderia influenciar o projeto
inspirado no Escola sem Partido em trâmite no Congresso. Ele tenta
limitar o que o professor pode falar dentro da sala de aula e ainda
vetar abordagens sobre gênero nas escolas.
O apelo, direcionado a
Toffoli, é para que o tribunal se posicione sobre leis que “ferem os
princípios constitucionais” e “dê limite à escalada de ataques e
perseguições a educadoras e educadores e de atos de censura contra
escolas em diversos municípios e estados brasileiros”.
Segundo
levantamento do Movimento Educação Democrática, já houve ao menos 181
projetos de lei em Câmaras Municipais e Assembleias em todo o país com
teor semelhante. Mas o objetivo do manual criado pelo grupo de entidades
é apoiar professores que, mesmo sem legislações em vigor, já têm sido
atacados ou constrangidos.
Em vídeo divulgado no último sábado
(24), o deputado federal eleito pelo Rio Daniel Silveira (PSL) ameaça
investigar um colégio em Petrópolis (região serrana do Rio) e também a
diretora.
Em outubro, um docente de história em Natal foi ameaçado
de morte depois que o pai de um aluno entendeu como ataque político uma
explicação dele sobre a Lei Rouanet. Uma escola tradicional do Rio
proibiu, no início daquele mês, um livro que foi considerado comunista
por pais (a obra “Meninos sem pátria” retrata a vida de família exilada
na ditadura).
Em 2016, a escola municipal Desembargador Amorim
Lima, no Butantã, na zona oeste de SP, recebeu em 2016 uma notificação
judicial de um vereador para que fosse cancelado um evento que
discutiria questões de gênero.
“O pior de tudo é o discurso de
ódio contra os professores, que estão sendo ameaçados de todas as
maneiras em todo o Brasil”, diz a professora Fernanda Moura, que atua na
rede pública do Rio e faz parte do Movimento Educação Democrática e do
grupo Professores Contra o Escola sem Partido.
O “Manual de Defesa
Contra Censura nas Escolas” é estruturado em 11 casos simbólicos,
inspirados em episódios reais que vão desde a aprovação de leis até a
interferência de membros externos, como Justiça ou polícia. Para esses
casos, há a descrição dos desdobramentos, bem como o que professores
podem fazer.
Escrito coletivamente, o manual é contra a censura da
escola, seja por ações de partidários do Escola sem Partido (que
criticam professores sobre uma suposta doutrinação de esquerda) como por
aquelas praticadas por conservadores e religiosos, que tentam vetar
abordagens sobre gênero ou sexualidade.
“O Manual de Defesa foi
pensado para combater atos de perseguição que exploram uma eventual
fragilidade individual dos profissionais da educação, criando um clima
de medo e autocensura nas escolas”, cita parte do texto. Além de um
arcabouço legal sobre a censura na educação e sobre a pertinência legal e
pedagógica da presença de temas como gênero e combate à
desigualdade nas escolas, norteiam o material a valorização da gestão
democrática escolar, a reafirmação da escola como ambiente de resolução
de conflitos e a reafirmação da relação de trabalho dos professores,
seja com a escola ou com o estado.
O entendimento de educadores,
reafirmado no manual, é de que a intenção de “grupos ultraconservadores é
impedir que diferentes interpretações e compreensões do mundo sejam
debatidas nas instituições de ensino, estimulando uma educação para a
obediência e para a naturalização das desigualdades sociais, do racismo,
do sexismo, da LGBTfobia e de outras discriminações”.
Heleno
Araújo, presidente da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação), diz que os movimentos atuais de pressão contra professores
têm fragilizado os profissionais e deteriorado as relações nas escolas.
“Essa forma de atuação amedronta os trabalhadores e interfere na relação
entre professores e alunos”, diz.
O professor Fernando Cássio, da
UFABC, diz que o fato de o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL)
canalizar apoio ao projeto Escola sem Partido agrava a situação. “Os
professores já estão muito vilipendiados, por baixos salários, condições
ruins de trabalho, e ainda têm de ser humilhados e chamados de
doutrinadores”, diz.
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