*Por Laura Carvalho
(Da página do Facebook, publicado em 12/10/2016)
Organizei
10 perguntas e respostas sobre a PEC 241, com base na minha apresentação de
ontem na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Espero que ajude aqueles
que estão sendo convencidos pelo senso comum. Lembrem-se: o orçamento público é
muito diferente do orçamento doméstico.
1. A PEC
serve para estabilizar a dívida pública?
Não. A
crise fiscal brasileira é sobretudo uma crise de arrecadação. As despesas
primárias, que estão sujeitas ao teto, cresceram menos no governo Dilma do que
nos dois governos Lula e no segundo mandato de FHC. O problema é que as
receitas também cresceram muito menos -- 2,2% no primeiro mandato de Dilma,
6,5% no segundo mandato de FHC, já descontada a inflação. No ano passado, as despesas
caíram mais de 2% em termos reais, mas a arrecadação caiu 6%. Esse ano, a
previsão é que as despesas subam 2% e a arrecadação caia mais 4,8%.
A falta
de receitas é explicada pela própria crise econômica e as desonerações fiscais
sem contrapartida concedidas pelo governo e ampliadas pelo Congresso. Um teto
que congele as despesas por 20 anos nega essa origem pois não garante receitas,
e serve para afastar alternativas que estavam na mesa no ano passado, como o
fim da isenção de 1995 sobre tributação de dividendos, o fim das desonerações e
o combate à sonegação. A PEC garante apenas que a discussão seja somente sobre
as despesas.
A PEC
também desvia o foco do debate sobre a origem da nossa alta taxa de juros --
que explica uma parte muito maior do crescimento da dívida, já que refere-se
apenas às despesas primárias federais. Uma elevação da taxa de juros pelo Banco
Central tem efeito direto sobre o pagamento de juros sobre os títulos indexados
à própria taxa SELIC, por exemplo -- uma jabuticaba brasileira.
A PEC é
frouxa no curto prazo, pois reajusta o valor das despesas pela inflação do ano
anterior. Com a inflação em queda, pode haver crescimento real das despesas por
alguns anos (não é o governo Temer que terá de fazer o ajuste). No longo prazo,
quando a arrecadação e o PIB voltarem a crescer, a PEC passa a ser rígida
demais e desnecessária para controlar a dívida.
2. A PEC
é necessária no combate à inflação?
Também
não. De acordo com o Banco Central, mais de 40% da inflação do ano passado foi
causada pelo reajuste brusco dos preços administrados que estavam represados
(combustíveis, energia elétrica...). Hoje, a inflação já está em queda e
converge para a meta. Ainda mais com o desemprego aumentando e a indústria com
cada vez mais capacidade ociosa, como apontam as atas do BC.
3. A PEC
garante a retomada da confiança e do crescimento?
O que
estamos vendo é que o corte de despesas de 2015 não gerou uma retomada. As
empresas estão endividadas, têm capacidade ociosa crescente e não conseguem
vender nem o que são capazes de produzir. Os indicadores de confiança da
indústria, que aumentaram após o impeachment, não se converteram em melhora
real. Os últimos dados de produção industrial apontam queda em mais de 20
setores. A massa de desempregados não contribui em nada para uma retomada do
consumo. Que empresa irá investir nesse cenário?
Uma PEC
que levará a uma estagnação ou queda dos investimentos públicos em
infraestrutura física e social durante 20 anos em nada contribui para reverter
esse quadro, podendo até agravá-lo.
4. A PEC
garante maior eficiência na gestão do dinheiro público?
Para
melhorar a eficiência é necessário vontade e capacidade. Não se define isso por
uma lei que limite os gastos. A PEC apenas perpetua os conflitos atuais sobre
um total de despesas já reduzido. Tais conflitos costumam ser vencidos pelos
que têm maior poder econômico e político. Alguns setores podem conquistar
reajustes acima da inflação, e outros pagarão o preço.
5. A PEC
preserva gastos com saúde e educação?
Não,
estas áreas tinham um mínimo de despesas dado como um percentual da arrecadação
de impostos. Quando a arrecadação crescia, o mínimo crescia. Esse mínimo passa
a ser reajustado apenas pela inflação do ano anterior. Claro que como o teto é
para o total de despesas de cada Poder, o governo poderia potencialmente gastar
acima do mínimo. No entanto, os benefícios previdenciários, por exemplo,
continuarão crescendo acima da inflação por muitos anos, mesmo se aprovarem
outra reforma da Previdência (mudanças demoram a ter impacto). Isso significa
que o conjunto das outras despesas ficará cada vez mais comprimido.
O governo
não terá espaço para gastar mais que o mínimo em saúde e educação (como faz
hoje, aliás). Gastos congelados significam queda vertiginosa das despesas
federais com educação por aluno e saúde por idoso, por exemplo, pois a
população cresce.
Outras
despesas importantes para o desenvolvimento, que sequer têm mínimo definido,
podem cair em termos reais: cultura, ciência e tecnologia, assistência social,
investimentos em infraestrutura, etc. Mesmo se o país crescer...
6. Essa
regra obteve sucesso em outros países?
Nenhum
país aplica uma regra assim, não por 20 anos. Alguns países têm regra para
crescimento de despesas. Em geral, são estipuladas para alguns anos e a partir
do crescimento do PIB, e combinadas a outros indicadores. Além disso, nenhum
país tem uma regra para gastos em sua Constituição.
7. Essa
regra aumenta a transparência?
Um Staff
Note do FMI de 2012 mostra que países com regras fiscais muito rígidas tendem a
sofrer com manobras fiscais de seus governantes. Gastos realizados por fora da
regra pelo uso de contabilidade criativa podem acabar ocorrendo com mais
frequência.
O país já
tem instrumentos de fiscalização, controle e planejamento do orçamento, além de
metas fiscais anuais. Não basta baixar uma lei sobre teto de despesas, é
preciso que haja o desejo por parte dos governos de fortalecer esses mecanismos
e o realismo/transparência da política fiscal.
8. A
regra protege os mais pobres?
Não
mesmo! Não só comprime despesas essenciais e diminui a provisão de serviços
públicos, como inclui sanções em caso de descumprimento que seriam pagas por
todos os assalariados. Se o governo gastar mais que o teto, fica impedido de
elevar suas despesas obrigatórias além da inflação. Como boa parte das despesas
obrigatórias é indexada ao salário mínimo, a regra atropelaria a lei de
reajuste do salário mínimo impedindo sua valorização real -- mesmo se a
economia estiver crescendo.
O sistema
político tende a privilegiar os que mais têm poder. Reajusta salários de
magistrados no meio da recessão, mas corta programas sociais e investimentos.
Se nem quando a economia crescer, há algum alívio nessa disputa (pois o bolo
continua igual), é difícil imaginar que os mais vulneráveis fiquem com a fatia
maior.
9. A PEC
retira o orçamento da mão de políticos corruptos?
Não.
Apesar de limitar o tamanho, são eles que vão definir as prioridades no
orçamento. O Congresso pode continuar realizando emendas parlamentares
clientelistas. No entanto, o Ministério da Fazenda e do Planejamento perdem a
capacidade de determinar quando é possível ampliar investimentos e gastos como
forma de combate à crise, por exemplo. Imagina se a PEC 241 valesse durante a
crise de 2008 e 2009?
10. É a
única alternativa?
Não. Há
muitas outras, que passam pela elevação de impostos sobre os que hoje quase não
pagam (os mais ricos têm mais de 60% de seus rendimentos isentos de tributação
segundo dados da Receita Federal), o fim das desonerações fiscais que até hoje
vigoram e a garantia de espaço para investimentos públicos em infraestrutura
para dinamizar uma retomada do crescimento. Com o crescimento maior, a
arrecadação volta a subir.
*Laura Carvalho é economista e professora da FEA-USP. Escreve na Folha de S.
Paulo às quintas-feiras.
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