"Levantamento do GGN mostra que, quando o assunto é
Lula, a Lava Jato está engessada. Procuradores usam delações e outros
instrumentos de apuração para provar que estão certos sobre os crimes
narrados.
Por Cíntia Alves
Jornal GGN - Pelo menos seis vezes a grande mídia
lançou luz, ainda que timidamente, sobre delações premiadas que
inocentam Lula dos crimes apontados pelos procuradores da Lava Jato. Na
maior parte delas, há registro de ameaças de suspensão das negociações
porque os investigados não estavam dançando conforme a música - na
contramão da tese de que as confissões feitas à força-tarefa são todas
espontâneas.
Nesta terça (11), a Folha de S. Paulo, sob a ótica dos procuradores, noticiou que a Lava Jato negou delação de ex-empresário da Odebrecht "próximo a Lula". Segundo a reportagem, Alexandrino Alencar (1) estaria protegendo o ex-presidente, embora tenha sido condenado a 15 anos e sete meses de prisão por Sergio Moro.
Alencar teria dito, em entrevistas que antecedem a assinatura do
acordo de cooperação, que Lula intermediou, sim, em favor de Taiguara
Rodrigues dos Santos (o "sobrinho"), a contratação da Exergia pela
Odebrecht em Angola, mas não recebeu propina em troca disso. A
subcontratada também executou as obras que a Lava Jato insiste que nunca
existiram. Além disso, garantiu que as palestras que Lula ministrou,
patrocinado pela Odebrecht, são reais, para a decepção dos
procuradores.
"O sítio de Atibaia é outro ponto de atrito. O ex-executivo afirma
que o valor de R$ 1 milhão gasto em benfeitorias pela Odebrecht na
propriedade frequentada por Lula foi um agrado pela atuação do petista a
favor do grupo baiano, e não uma contrapartida a determinados contratos
com o governo federal."
Quem também informou que Lula não recebeu contrapartidas por agrados que recebeu da OAS foi Leo Pinheiro (2).
Condenado a 16 anos de prisão, Pinheiro, segundo os procuradores, tem
protegido Lula, o que dificulta o acordo de delação premiada. Em junho, a
Folha publicou
que "as obras que a OAS fez no apartamento tríplex do Guarujá e no
sítio de Atibaia foram uma forma de a empresa agradar a Lula, e não
contrapartidas a algum benefício que o grupo tenha recebido", mas a Lava
Jato achou essa informação "pouco crível" e, por isso, ameaçou tornar a
negociação infrutífera.
Meses depois, quando Veja publicou que Pinheiro supostamente citou
Dias Toffoli e nomes ligados ao PSDB em seu depoimento, a Procuradoria
Geral da República anulou a delação.
No caso do triplex, o GGN mostrou que sete de 11 testemunhas ouvidas pela Lava Jato não conseguiram confirmar
que o imóvel pertencia a Lula ou sua esposa, Marisa Letícia.
Funcionários da OAS que participaram da reforma, no Edifício Solaris,
denotaram que a ideia da cúpula da empresa era tranformar o espaço em
apartamento modelo para atrair compradores - inclusive, Lula.
Ontem, a Folha informou que Marcelo Odebrecht (3),
condenado a mais de uma década de regime fechado por Moro, está
emocionalmente debilitado desde que recebeu uma ameaça explícita da
força-tarefa em relação a viabilidade de seu acordo de delação.
A reportagem
indicou que uma acusação de peso contra Antonio Palocci e Guido Mantega
deveria ser feita por Odebrecht, pois a Lava Jato - que já mantém
Palocci preso desde o final de setembro - está interessada em provar a
tese de que os dois ex-ministro de Lula e Dilma Rousseff cobraram
propina para o PT.
Em junho, as delações de Flávio Gomes Machado Filho e Otávio Azevedo (4), executivo e ex-presidente da Andrade Gutierrez, também foram vazadas na grande mídia. E, como mostrou o GGN,
ambos inocentaram Lula da denúncia de que, em troca de fazer lobby para
a expansão de negócios de empresas brasileiras na Venezuela, teria
recebido vantagens indevidas. Os dois delatores também reafirmaram que
Lula, de fato, executou cinco palestras contratadas pela Andrade.
José Carlos Bumlai (5), em dezembro e 2015, saiu na
grande mídia admitindo que solicitou empréstimo ao banco Schahin a
pedido do PT, mas "inocentou" Lula de participação na transação. Ele
também negou que tenha trabalhado para manter Nestor Cerveró na Petrobras ao lado de Lula.
O ex-diretor da área internacional foi uma indicação pessoal de
Delcídio do Amaral (ex-PSDB e ex-PT), que atuava na estatal desde o
governo FHC. Depois do Mensalão, Cerveró foi patrocinado pelo PMDB no
Senado. Quando da necessidade de discutir a CPMF, o PMDB na Câmara pediu
para indicar um substituto, e o próprio Cerveró admite, em delação
premiada, que Bumlai buscou Michel Temer (PMDB), e não Lula, para
discutir sua permanência na estatal.
Cerveró (6) também entregou à Lava Jato mais detalhes sobre a movimentação de Delcídio para tentar evitar uma delação contra si. O GGN
mostrou, com base nos depoimentos dos dois ex-diretores da Petrobras,
que ao contrário do que a força-tarefa acredita - que Lula mandou
Delcídio comprar, com recursos de Bumlai, o silêncio de Cerveró - o
ex-senador vinha pagando o ex-advogado de Cerveró para impedir qualquer acordo de cooperação.
Esse breve levantamento vai ao encontro dos artigos de Luis Nassif,
neste portal, denunciando o engessamento da Lava Jato. Quando o assunto é
Lula, os procuradores parecem já ter os crimes definidos, usando as
delações e outros instrumentos de apuração apenas para provar que têm
razão sobre a narrativa construída para enquadrar Lula como o chefe da
propinocracia.
Em Xadrez do não temos provas, mas temos convicção,
Nassif, ao abordar a "teoria do fato", explica: "Antes de começar a
investigar os investigadores montam uma hipótese de partida, e apegam-se
a ela como se fosse matéria de fé. Julgam que qualquer correção da rota
inicial poderá ser interpretada como erro. Insistindo na narrativa
inicial, acabam forçando a barra, minimizando informações que não a
confirmem, e forçando a busca de evidências que a reforcem. É daí que
decorre esse bordão de 'não temos provas, mas temos convicção' que, ao
contrário do que parece, não é uma postura isolada, mas uma posição
recorrente em investigações apressadas ou pré-endereçadas."
UM PARALELO COM PMDB E PSDB
Estivesse a força-tarefa de ouvidos abertos ao que os delatores dizem
de forma espontânea, Lula e PT não seriam apresentados em coletivas de
imprensa do Ministério Público Federal como os inventores da roda.
Nas vezes em que um procurador da República questionou a Delcídio do
Amaral sobre o esquema de corrupção na Petrobras, ele deixou dois pontos
bem claros: 1. Ele estava lá, desde Fernando Henrique como presidente,
desviando recursos para seu caixa dois pessoal. 2. A entrada do PMDB e
PP na base do governo Lula, principalmente após o Mensalão, foi o marco
que "institucionalizou" a cobrança de propina em cima de contratos da
estatal.
Ainda sobre a espontaneidade desvalorizada pela Lava Jato, o GGN
apontou pelo menos duas situações em que a força-tarefa ignorou
delações contra o PSDB: a lista de doações oficiais e "particulares" de Eike Batista a tucanos e o acordão no Congresso para derrubar Dilma e estancar as investigações contra "políticos de todas as vertentes."
Cabe, por fim, um paralelo sobre como as denúncias na Lava Jato têm dois pesos e duas medidas.
Na visão dos procuradores, com base nas falas de Delcídio, o fato de
Lula ter tido uma "visão internacionalista" da Petrobras é uma das
provas de que ele sabia de todos os projetos (e esquemas de desvio) que
aconteciam em seu governo. É de se "supor", disse o delator, que Lula
estava ciente de tudo.
Cerveró disse algo muito similar sobre FHC: que o ex-presidente
acompanhou milimetricamente a construção emergencial de usinas
termelétricas às vésperas do apagão dos anos 2000, de onde os
ex-diretores desviavam dinheiro dada a dispensa de licitação para
contratar máquinas para a geração de energia. Mas, nesse assunto, em vez
de espetáculo midiático, há segredo de Justiça.
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