Por João Pedro Stedile
O Brasil vive uma grave crise econômica, política, social e
ambiental, mas já passamos por crises históricas semelhantes nas décadas
de 30, 60 e 80. Todas elas exigiram grandes debates na sociedade,
enorme participação política e disputas típicas da luta de classe. Seu
desenlace sempre foi lento e só se concretizou em torno de um novo
projeto, que conseguisse aglutinar uma base social para o sustentar, ou
por meio de ações militares comandadas pelas classes dominantes.
E neste momento? O que está acontecendo?
A classe dominante não tem um projeto de país. O governo Temer/Cunha é
apenas uma tentativa de aplicar rapidamente medidas de interesse de uma
fração da classe capitalista, que está dividida em três núcleos de
direção política.
Um núcleo do poder econômico, que é hegemonizado pelo capital
financeiro e pelas empresas transnacionais, quer aplicar a receita
neoliberal. Mas é um projeto antinacional e antipopular.
O segundo núcleo, lumpenburguês*, é formado pelos parlamentares dos
partidos conservadores e liderados por Cunha-Temer-Jucá. Ele se move
apenas por interesses mesquinhos e individualistas.
Por fim, há um terceiro núcleo, que atua por motivações ideológicas e
também tem vínculos internacionais. Esse grupo é composto pela Rede
Globo, pelo juiz Sérgio Moro, pelo Ministério Público Federal e pela
Polícia Federal, entre eles há divergências e contradições. Pois se
movem por interesses próprios, não em torno de um projeto de país.
Na ausência de um projeto e diante do agravamento da
crise, resolveram dar um golpe institucional na presidenta Dilma.
Tomaram de assalto o governo, com a conivência do Poder Judiciário, para
tentar aplicar um programa neoliberal de emergência.
Desde então, todos os dias, o governo golpista toma medidas contra os
trabalhadores e seus direitos. Seu objetivo principal é recompor a taxa
de lucro e o processo de acumulação concentrada da riqueza no Brasil, a
favor dos bancos e das grandes empresas transnacionais. Para isso,
estão atacando os direitos dos trabalhadores e os direitos sociais em
geral, além de aumentar o desemprego, que é uma forma de rebaixar os
salários e dominar a classe trabalhadora.
Estão assaltando os cofres públicos e limitando os gastos sociais
para, com isso, destinar os recursos antes reservados para educação,
saúde e Previdência para as iniciativas de interesse exclusivo dos
capitalistas. Segundo os economistas, os golpistas estão disputando
cerca de R$ 200 bilhões do orçamento da União.
Já os R$ 400 bilhões destinados ao pagamento de juros aos bancos são intocáveis. Querem aumentar a idade mínima de aposentadoria para até 70 anos,
como defendeu o impostor Temer, mas nenhuma palavra foi dita sobre os
R$ 62 bilhões de isenção da Previdência dado às empresas, somente em
2015.
Outra fonte de recursos privados será o patrimônio público. Estão
retomando o processo de privatização, começando pelo pré-sal (com a
revogação da Lei da partilha, já aprovada na Câmara) e pelo setor
elétrico. Estão desmontando os serviços públicos, a ver pelas ameaças
às escolas públicas, ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ao Programa Mais Médicos. Avisaram
que nossas terras serão entregues ao capital estrangeiro. Fecharam o
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e estão acabando com as
políticas para a agricultura familiar e a reforma agrária.
Seus apoiadores nas ruas diziam lutar contra a corrupção. Devem estar
envergonhados. Já tiveram três ministros exonerados por conta de
denúncias, sem contar outros que estão arrolados em processos de desvios
de dinheiro público. Jucá disse claramente que o golpe era apenas para
parar a Operação Lava Jato. Cunha renunciou à presidência da Câmara para
salvar sua pele e seus dólares. Nunca houve governo envolvido com
tantas denúncias de corrupção como este.
Os movimentos populares reunidos na Frente Brasil Popular temos
defendido sistematicamente que o primeiro passo é garantir o respeito à
democracia. Ou seja, que a presidenta Dilma reassuma o comando do
governo, mas que publique logo em seguida uma carta de compromisso com
um novo programa, que defenda as necessidades do povo e da soberania
nacional.
O segundo passo é a presidenta Dilma reorganizar um ministério em
diálogo com a sociedade e aplicar um programa que segure a crise
econômica e resolva os problemas do povo.
O terceiro é fazer uma reforma política, para reconstruir e
democratizar o sistema eleitoral brasileiro de modo que o povo possa de
fato eleger os seus verdadeiros representantes. Como o atual Congresso
não quer nem tem moral para aprovar os projetos de reforma política que
dormem em suas gavetas, a única saída seria convocar via plebiscito uma
assembleia constituinte exclusiva para fazer rapidamente a reforma
política, antes das eleições de 2018.
E em quarto lugar, precisamos seguir construindo um novo projeto
popular para o Brasil, a partir de um amplo debate de ideias com todos
os setores da sociedade brasileira. Embora isso leve tempo, é o único
caminho para sairmos verdadeiramente da crise.
Essa estratégia só terá forças se conseguirmos motivar as massas da
classe trabalhadora a participar ativamente e se mobilizarem nas
ruas. Temos defendido que é necessário organizar grandes mobilizações
nacionais da classe trabalhadora, contra o golpe, o desemprego e as
medidas que ameaçam a soberania nacional que os golpistas estão
tomando.
O ideal é viabilizarmos uma greve geral da classe trabalhadora como
forma de protesto e de alterar a atual correlação de forças.
As Frente Brasil Popular e Povo sem Medo acordaram também realizar
uma grande mobilização no dia 5 de agosto no Rio de Janeiro e em outras
capitais do país durante a abertura das Olimpíadas.
O desfecho dessa crise, é ainda uma incógnita, mas a luta será prolongada e árdua.
* O conceito de "lumpen-burguesia" surge pela
primeira vez no final dos anos 1950 através de alguns textos de "Ernest
Germain", pseudônimo de Ernest Mandel, ao se referir à burguesia
brasileira, que o autor considerava uma classe
semicolonial, "atrasada", não completamente "burguesa"
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