*Por Leonardo Sakamoto
Em um evento, nesta segunda (4), em São Paulo, o presidente
interino Michel Temer agradeceu o apoio que recebeu de representantes do
agronegócio e avisou: “a partir de certo momento, começaremos com medidas, digamos assim, mais impopulares''.
Como assim “mais impopulares''? Mais impopulares do que ele já está fazendo? Isso significa que ele nem começou?!
Seu
governo indicou que vai propor a limitação dos investimentos púbicos em
educação e saúde e que vai apoiar mudanças legislativas que podem
tornar uma parte grande da CLT letra morta (como a autorização da
terceirização de todas as atividades de uma empresa e da negociação com
patrões ficar acima da lei, mesmo em prejuízo ao trabalhador). Além
disso, já informou que vai fazer uma reforma da Previdência Social,
provavelmente fixando uma idade mínima de 65 a 70 anos – quando muito
trabalhador pobre nem chega a viver até isso.
Sem contar que sua
base no Congresso Nacional quer transferir o poder de demarcação de
Terras Indígenas para deputados e senadores, o que vai diminuir a
criação dessas áreas, proibir adoções por casais do mesmo sexo, alterar o
conceito de trabalho escravo contemporâneo para diminuir as
possibilidades de punição, reduzir a idade mínima para poder trabalhar
de 14 para 10 anos, proibir o aborto até em casos de estupro, entre
outras.
Fiquei pensando: o que seria mais impopular do que isso? O
que Michel está tramando para depois da votação final do impeachment em
agosto? Taxar empresas e aumentar impostos dos mais ricos?
Tenho três sugestões:
Fim do voto feminino
Considerando que Michel não conseguiu indicar mulheres para seu ministério por falta delas no Brasil, para que garantir a manutenção do privilégio de uma minoria? As eleições ficarão mais baratas sem o voto delas porque serão menos mulheres para votar. E, convenhamos, as mulheres já são um grupo pequeno no Congresso Nacional, nas Assembleias e Câmaras de Vereadores, sem falar de cargos executivos e no Poder Judiciário. Poucos partidos possuem políticas claras para garantir a quantidade de candidatas previsto em lei e dar a elas a mesma competitividade que a dos homens e, por isso, têm sido punidos pela Justiça Eleitoral. Seria uma boa para Michel, que faria uma bela economia, ganharia pontos com os partidos e, ainda por cima, acabaria com a ausência de mulheres na política por decreto.
Revogação da Lei Áurea
O Brasil teria que ir contra uma quantidade grande de tratados e convenções internacionais e, certamente, seria expulso das Nações Unidas. Mas já que o Itamaraty está adotando políticas extravagantes no governo Michel, seria um ato que daria visibilidade ao país em todo o mundo. Por muito tempo… E, novamente, convenhamos: nunca conseguimos inserir a população libertada no final do século 19 e seus descendentes continuam a ser tratados como carne de segunda, a sofrer todo o tipo de preconceitos e a receber bem menos que os brancos pela mesma função, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho. Então, o país iria mudar apenas subordinar a escravidão ao capitalismo. E isso iria ao encontro de um pedido dos empresários (mão de obra barata) e de uma das frases de caminhoneiro que nosso interino mais gosta: “não fale de crise, trabalhe''.
Abolição da República
A
foto do ministério interino se parece, e muito, com qualquer pintura do
gabinete imperial do século 19: homens, brancos, bem de vida. Por que
não pensar mais alto? Gastamos muito tempo discutindo corrupção na
República e deixamos de lado o que é mais importante. Dignidade da
população? Claro que não! O crescimento econômico deste país. Precisamos
de um governante de pulso forte e poder, culto (que fale latim e use
mesóclises) e que conte com tempo para fazer as mudanças que os “homens
de bem'' do Brasil precisam. Este homem está aí, Michel 1º, Imperador do
Brasil. Com Michel 2º criado desde cedo para sucede-lo.
Em tempo: Quase não publico este post para não dar ideia… Ninguém entende mais sarcasmo e ironia nesse mundo.
*Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São
Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos
direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP e
pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova
York, é diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das
Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário