*Por Aloizio
Mercadante
A educação brasileira está sofrendo um desmonte e um grave
retrocesso, com repercussões não só neste momento histórico, mas também para as
gerações futuras. A irresponsabilidade é tanta que, em quase três meses de
governo, além da constante dança de cadeiras, o Ministério da Educação não
possuiu sequer uma equipe formada e cargos estratégicos da pasta permanecem
vagos, demonstrando que o ministro não tem autoridade nem para nomear os cargos
mais próximos.
Temos um ministro publicamente desmoralizado e fragilizado, sem
nenhum compromisso com a educação como política de estado, sem vivência na área
e sem conhecimento de gestão pública ou do próprio Ministério da Educação.
Pautas fundamentais, como o investimento na formação continuada dos nossos
professores, o fortalecimento das redes de ensino, o papel do Plano Nacional de
Educação, a alfabetização na idade certa, o aprimoramento de políticas de
acesso, permanência e indução da qualidade na educação superior, as discussões
em torno da Base Nacional Curricular Comum, entre outras, foram substituídas
por uma pauta ideológica descabida. O MEC está sem bússola e sem comando.
Com isso, a gestão do Ministério da Educação está totalmente
paralisada e cooptada por uma disputa ideológica, que tem como únicas
preocupações a busca de espaços, o combate a "ideologia de gênero" e
o enfrentamento do "marxismo cultural". Ou seja, uma visão
obscurantista estreita e completamente fora de foco.
Não à toa, por total desconhecimento da educação brasileira,
todas as iniciativas do governo Bolsonaro na educação, até o momento,
fracassaram. Desde a caricata e ilegal tentativa de filmar crianças, sem a
devida autorização dos responsáveis legais, entoando o slogan de campanha do
governo à implementação por adesão para massificação do modelo das escolas
militares, que possuem um projeto pedagógico específico, destinado para jovens
que possuem uma vocação orientada para a carreira militar.
Além disso, a aprovação, ainda no governo Temer, da Emenda
Constitucional 95, que estabeleceu a imposição do teto declinante nos gastos
públicos pelos próximos 20 anos e desvinculou os royalties do petróleo e do
Fundo Social do Pré-Sal da educação e da saúde, comprometeu o piso nacional e
constitucional de recursos para educação e seu financiamento futuro. Agora,
temos a promessa de repartição e de pulverização de R$ 17 bilhões do Fundo
Social do Pré-Sal para outras atividades. Essa realidade pode ficar ainda pior
com a proposta do ministro Paulo Guedes de acabar com todas as despesas
obrigatórias e as vinculações orçamentárias da união, dos estados, do Distrito
Federal e dos municípios em educação e saúde, a chamada PEC da devastação
social.
Ao longo da história, sempre houve um esforço para dar
continuidade e para o aprimoramento nas políticas de estado na educação. Nos
governos do PSDB e do PT, o Ministério da Educação foi preservado do
aparelhamento político e de outros compromissos que não fossem a educação.
É verdade que tivemos profundas divergências com o PSDB também
na educação, mas essas divergências não nos impediram de dar continuidade em
algumas políticas públicas na área. Por exemplo, eles criaram o importante
instrumento do Fundef e os governos do PT aprimoraram essa iniciativa
inovadora, com a criação do Fundeb, que permitiu o repasse de recursos federais
também para a educação infantil e para o ensino médio, que estavam excluídos.
Eles criaram o Enem e nós transformamos o exame no grande caminho de
oportunidades para um acesso republicano ao ensino superior neste país. É essa
visão estratégica de continuidade e de aprimoramento das políticas educacionais
que está sendo totalmente desconsiderada pela atual gestão do MEC.
Fato ainda mais grave é a total paralisação do Plano de Ações
Articuladas (PAR). É por meio do referido programa que as redes municipais e
estaduais e as próprias escolas apresentam suas demandas e pactuam, com base em
critérios técnicos, republicanos e transparentes, suas prioridades e ações,
como: demanda por livros didáticos, reforço pedagógicos, a questão da merenda,
o transporte escolar, investimento em infraestruturas, entre outros.
A paralisação desse pacto republicano, que é o PAR, tem gerado
inquietação nos secretários municipais e estaduais de educação, que não
conseguem sequer apresentar suas demandas. Como resultado, faltam, em nossas
escolas, livros didáticos, materiais de apoio pedagógico e outras demandas
emergenciais, que não podem atrasar e sequer estão sendo equacionadas.
O PAR está, claramente, sendo substituído por uma política de
balcão fisiológico, que não existe há décadas no MEC. Não é possível que
parlamentares definam repasses de recursos de custeio, baseados apenas em
critérios políticos e eleitorais. Essa atribuição é inerente das redes de
ensino e devem seguir princípios como a isonomia e a universalidade e as
decisões devem ser eminentemente técnicas e totalmente transparentes, como era
assegurado pelo PAR.
Não menos grave foi o anúncio do governo Bolsonaro de não
realizar, este ano, a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), avaliação
nacional da alfabetização das nossas crianças. Criada em 2013 e prevista para
ser realizada a cada dois anos, trata-se de uma avaliação pedagógica absolutamente
prioritária e sua suspensão revela que o aparelhamento ideológico do Inep,
órgão responsável pela organização do exame, já começa a fazer suas primeiras
vítimas. O risco é o próprio Enem, agora tutelado por uma comissão de censura,
que viola o sigilo da prova e os mais elementares princípios da liberdade
acadêmica.
Com o fim da avaliação da alfabetização de nossas crianças, eles
estão quebrando o termômetro, que nos permitia identificar a raiz dos
principais problemas no letramento para propor intervenções pedagogias. É
totalmente descabido que o exame seja suspenso, em razão da imposição do método
fonético como única proposta pedagógica aceitável para a alfabetização de
nossas crianças: mais uma ação arbitrária, ilegal e que agride a liberdade de
cátedra e a autonomia acadêmica das redes de ensino e das escolas.
Como já afirmei, a alfabetização de nossas crianças deve ser uma
prioridade absoluta da educação brasileira. A não realização da ANA este ano
interrompe uma série histórica importante e nos coloca diante um vácuo, em que
não sabemos se daqui para frente teremos sequer uma métrica confiável para
medir a alfabetização de nossas crianças. Não há política educacional confiável
sem pesquisa e sem avaliação.
Foi a Avaliação Nacional da Alfabetização que permitiu
identificarmos as escolas com maior dificuldade e necessidade de apoio do
Estado. Foi a ANA, em conjunto com o Censo Escolar, que assegurou o mapeamento
do imenso desafio da alfabetização, que está concentrado nas escolas de ensino
fundamental localizadas nas periferias das grandes cidades e nas regiões
remotas, ou seja, nos bolsões de pobreza.
Por isso, é fundamental defender a realização da ANA, voltarmos
a focar no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), na
formação continuada dos professores, nos mecanismos de avaliação e em tantas
outras políticas de estado de reconhecido sucesso. Nada é mais grave, neste
momento, que a paralisia e o desmonte realizado pelo governo Bolsonaro no MEC.
Um ministro com total falta de conhecimento técnico, sem
autoridade e apoio, que não tem autonomia sequer para formar a própria equipe e
que transformou a educação brasileira em uma trincheira fantasiosa de combate à
"ideologia de gênero" e ao "marxismo cultural" não tem condições
de permanecer no cargo e de enfrentar os imensos desafios da nossa educação.
Não podemos deixar o futuro da nossa educação escorrer pelo ralo ideológico.
*É economista, professor licenciado da PUC-SP e Unicamp, foi
Deputado Federal e Senador pelo PT (SP), Ministro Chefe da Casa Civil, Ministro
da Educação e Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação
Fonte: Publicado no Brasil 247
Nenhum comentário:
Postar um comentário