Por Marcelo Auler
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Bolsonaro, Moro e a possível vaga no STF (Charge de Aroeira – republicação) |
Somente o tempo confirmará a versão de
que o magistrado de primeira instância, ao se incorporar a um presidente
nitidamente despreparado, intolerante e faccioso, pretendeu pular etapas para
chegar rapidamente a um cargo vitalício na mais alta corte do país, o Supremo
Tribunal Federal (STF).A História revelará um dia o “acerto”
que o então juiz Sérgio Moro, que se apresentava como exemplo de coerência,
terá feito com o então candidato Jair Bolsonaro, ao abandonar a magistratura
para assumir o ministério da Justiça.
A se confirmar tal “acerto”, a Moro
está reservada a cadeira do ministro Celso de Mello. Será o primeiro a se
aposentar compulsoriamente, aos 75 anos, em novembro de 2020, após 31 anos na
corte (ingressou em agosto de 1989). Três décadas em que, independentemente de
posições assumidas, construiu carreira digna e coerente, que lhe garante hoje a
reputação que desfruta.
Em apenas dois meses de governo, Moro
já conseguiu marcar sua nítida diferença de conduta com aquele que supostamente
deseja substituir. Afinal, dignidade e reputação se conquistam ao longo de toda
uma vida. Celso de Mello, conservador ou não, conquistou-as. Fale-se dele o que
se quiser, menos que lhe falta coerência, algo fundamental para atingir a
dignidade, a reputação e o respeito.
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Celso de Mello reputação construída com carreira digna e coerente (Foto Ascom-STF) |
Coerência que Moro começou a atropelar
ao aceitar um convite de um ainda candidato que ele indubitavelmente ajudava a
vencer ao prender seu principal concorrente, através de uma sentença totalmente
questionável.
Como ministro da Justiça, em apenas 60
dias, acumulou fatos que demonstram sua despreocupação com a reputação que
conquistara entre os seus, atropelando a coerência que se exige daqueles que se
apresentam como vestais da moralidade.
Ocorreu com a liberação das quatro
armas por residência, que ele antes defendia serem no máximo duas.
Repetiu-se no dito “perdão” ao colega
de ministério, Ônyx Lorenzoni, por duas vezes flagrado recorrendo ao Caixa-2.
Voltou a acontecer no seu silêncio
diante das provas de movimentações financeiras atípicas em torno do primogênito
do presidente, o hoje senador Flávio Bolsonaro.
Silenciou-se ainda ao surgir o
“laranjal” que abasteceu as campanhas dos partidários de Bolsonaro, incluindo
novamente um colega de ministério, Marcelo Álvaro Antônio, do Turismo.
Como se não bastasse, desmentiu a si
mesmo ao se deixar pressionar e retirar do seu projeto de lei a criminalização
do “Caixa 2 nas campanhas, bandeira que sempre empunhou ao lidar com os
adversários dos seus hoje aliados.
Surge agora o “desconvite” feito na
quinta-feira (28/02), à cientista política Ilona Szabó, 24 horas depois de
tê-la chamado para compor o Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária. Ao anunciar a decisão – imposição que os jornais dizem ter lhe
sido feita por Bolsonaro -, Moro, como se buscasse uma espécie de remissão,
reafirmou publicamente os “relevantes conhecimentos da nomeada na área de
segurança pública” que justificaram o convite feito. Sequer escondeu ter cedido
à “repercussão negativa em alguns segmentos”. Entenda-se, os bolsonaristas
da extrema direita e das redes sociais.
Com esta demissão (ou “desconvite) o
suposto guardião moral da República de Curitiba novamente deixou de lado
qualquer preocupação com a coerência. Sinalizou claramente que os interesses
políticos do grupo ao que se aliou superam a dita preocupação com o futuro do
país. Ao mesmo tempo demonstrou que na pasta que comanda, a competência não é o
fator primordial. Aderiu ao chamado pensamento único, que não admite, sequer em
um conselho, portanto, um colegiado, pessoas com ideias e propostas
divergentes.
Definitivamente chancelou a diferença
da sua conduta com a do decano do Supremo que, segundo consta, almejaria
substituir. Sua atitude nesta quinta-feira rendendo-se às pressões sofridas
pela matilha, selou de vez a distância que o separa de uma carreira onde
sobressaia a dignidade.
Em posição diametralmente oposta, Mello, na quarta-feira, 20 de
fevereiro, ao proferir o já histórico voto a favor da criminalização da
homofobia (Homofobia, STF, Bolsonaro, Congresso. E o Lula?),
demonstrou seu desprezo ao aplauso fácil em nome da coerência em posicionar-se
a favor das minorias. Acentuou, inclusive, ter consciência de que remava contra
a maré. Por isso admitiu que seria “inevitavelmente incluído no
índex, mantido pelos cultores da intolerância.”
Apesar dessa “convicção”, não abriu mão de seus princípios e
posicionamentos, como tem feito o ministro da Justiça. Ao contrário, fez
questão de criticar/denunciar aqueles de “mentes sombrias, que rejeitam o pensamento crítico, que repudiam o direito ao dissenso,
que ignoram o sentido democrático da alteridade e do pluralismo de ideias, que
se apresentam como corifeus e epígonos de sectárias doutrinas fundamentalistas,
desconhecem a importância do convívio harmonioso e respeitoso entre visões de
mundo antagônicas“.
Exatamente os mesmos que compõem a
“matilha” à qual Moro cedeu, nesta quinta-feira. Atitude com a qual demonstrou
a sua falta de coragem em manter-se coerente a seus posicionamentos e
pensamentos. Exatamente uma das exigências para se conquistar a reputação como
a que o decano do STF desfruta.
Gesto suficiente para, em uma sociedade
ética, afastá-lo de vez do cargo que almeja. Afinal, demonstrou lhe faltar
estofo para substituir o atual ocupante daquela cadeira no plenário do Supremo.
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