'Negra, lésbica e autoconfiante – a política Marielle Franco, assassinada há um ano, tornou-se um símbolo da luta pelos direitos das mulheres e das pessoas LGBT, para desgosto de muitos conservadores brasileiros.'
Por Thomas Milz, DW Brasil
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Marielle Franco: imagem da vereadora assassinada virou símbolo em protestos pelo Brasil |
Pouco antes do
aniversário de um ano do assassinato foi anunciada a tão aguardada novidade no
caso da execução de Marielle Franco. Na terça-feira (12/03), a polícia prendeu
dois homens (um policial militar reformado e um ex-policial militar), que são
acusados de executar Marielle e o motorista Anderson Gomes na noite de 14 de março
de 2018, no centro do Rio de Janeiro. Ainda não se
sabe, porém, quem está por trás do crime.
Desde aquela
noite, cartazes com a expressão "Marielle presente" se multiplicam em
manifestações pelos direitos das mulheres e das pessoas LGBT em todo o Brasil.
O retrato de Marielle também pode ser visto em protestos em Berlim, Paris ou
Lisboa, em cartazes e camisetas. Naquele 14 de março, uma política quase
desconhecida fora do Rio de Janeiro foi morta – e um símbolo nasceu.
A viúva de
Marielle, Monica Benício, escreveu na quarta-feira, na Folha de S. Paulo, que mantém a
luta para se sentir próxima de Marielle. "Mas é mais que isso, é não
silenciar sobre o que acontece no Brasil. Nosso país mata pessoas, encarcera o
povo negro, mata mulheres e LGBTs, violenta crianças e adolescentes. É um país
que não reconhece o racismo entranhado na sua história."
Marielle foi, ao
longo de dez anos, assessora do político de esquerda Marcelo Freixo, que ficou
conhecido pela sua luta contra as milícias formadas por policiais e
ex-policiais corruptos nas comunidades pobres do Rio de Janeiro. Há anos que
Freixo está sob proteção policial. Em 2016, Marielle foi eleita para a Câmara
Municipal, onde atacou a violência desenfreada da polícia e das milícias nas
favelas e exigiu mais direitos para as mulheres negras que lá vivem.
Isso cria
inimigos, como bem sabe a ex-vereadora de Niterói Talíria Petrone. Ela também
foi ameaçada pelas milícias, que dão as cartas na política local. Desde
janeiro, ela é deputada federal e uma das quatro representantes negras e
oriundas de comunidades pobres, companheiras de luta de Marielle, que
foram eleitas em outubro para o Congresso ou a Assembleia Estadual – um caso único
na política brasileira.
"Marielle
representa a agenda de enfrentar a criminalização e a militarização das
favelas, onde o Estado por dia mata dezenas de jovens", diz Petrone à DW.
Ela lembra que 70% das pessoas assassinadas no Brasil são negras. "São
números do genocídio cometido pelo Estado."
Além disso,
Marielle representa a luta contra a crescente homofobia e o feminicídio.
"Então é um conjunto de agendas que Marielle vivia no corpo, como mulher,
negra, favelada, socialista, mas também enfrentava na sua luta política."
Em Brasília,
Talíria já experimentou o racismo cotidiano. Ela diz que já foi várias vezes
barrada no acesso ao Congresso e aos gabinetes dos deputados. A pele escura, o
cabelo afro, as roupas coloridas – nos corredores do poder, tudo isso é visto
com estranheza, relata.
São experiências
que Marielle também teve na Câmara Municipal do Rio. Outros vereadores nem
mesmo queriam entrar no mesmo elevador que ela, lembram antigos funcionários do
gabinete.
Na terça-feira,
Freixo foi interrompido pelo deputado Bibo Nunes, do PSL durante uma homenagem
a Marielle no Congresso. Nunes disse rejeitar a violência contra a mulher,
"apesar de discordar totalmente da maneira como vivia a Marielle".
Ele não detalhou o que, "na maneira como vivia a Marielle", o incomodava.
Marielle foi
difamada pela direita conservadora logo após o seu assassinato e apontada como
cúmplice de traficantes. Dois candidatos do PSL destruíram uma placa de rua com
o nome da vereadora durante a campanha eleitoral.
Investigações
mostram uma estranha
proximidade de um do filhos do presidente Jair Bolsonaro,
Flávio Bolsonaro, com uma milícia que pode estar envolvida no assassinato de
Marielle. O próprio
presidente, que é do PSL, defendeu milicianos quando ainda era deputado federal.
Para a
pesquisadora em comunicação Ariadne Jacques, a rejeição a mulheres negras em
posições de poder tem raízes culturais. "Não se tolera uma mulher
combativa, uma mulher que questiona as estruturas do poder."
A imagem de
autoconfiança, os discursos combativos e de denúncia e até a aparência – tudo
em Marielle contradizia a imagem tradicional da mulher no Brasil. "A
mulher tem que ser dócil. É uma cultura que favorece a proliferação de meninas
de cabelo louro quase angelical, meninas que parecem inofensivas, que são mais
dóceis, mais adaptáveis e seguidoras. É mais para Michelle e Marcela do que
Marielle", diz Jacques, em referência à atual primeira-dama, Michelle
Bolsonaro, e a antecessora, Marcela Temer.
As duas não se
destacaram por suas posições políticas combativas. "Esta cultura não é uma
cultura em que a mulher se empodera impunemente. Marielle representava um
grande perigo para o poder instituído."
Petrone diz que
não se deixa intimidar. "É perigoso viver no Brasil, é perigoso lutar no
Brasil, mas nunca foi tão necessário ser firme nesta luta como agora."
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Fonte: Publicado na Deutsche Welle
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