A destruição das empreiteiras não só
removeu um poderoso competidor internacional das firmas estadunidenses, como
também, abriu um dos maiores mercados de infraestrutura para empresas como a
Halliburton e suas filiais, assim como para outras grandes construtoras dos
Estados Unidos.
Por Gonzaga Alves
Os governos do Brasil e dos Estados
Unidos assinaram dia 01 de agosto de 2019 um memorando, para entregar
bilionárias obras de infraestrutura do país a construtoras estadunidenses. O
acordo foi possível porque a Lavajato destruiu as empreiteiras brasileiras, que
chegaram a ser as mais avançadas e competitivas do mundo, o que é comprovado
pelas frequentes vitórias em concorrências internacionais. A proposta abre as
portas do Brasil para empresas como a Halliburton e suas subsidiárias,
consideradas as mais corruptas do planeta.
UM PAÍS DERROTADO EM UMA GUERRA
Os sintomas de que o Brasil foi
derrotado em uma guerra duríssima, invisível para a maioria dos brasileiros,
são cada vez mais evidentes. O mais recente sinal é a abertura do mercado
brasileiro de infraestrutura para empresas dos EUA. O fato guarda impressionantes
paralelismos com episódios que ocorreram no Iraque, após a Segunda Guerra do
Golfo, quando o país foi atacado, com base na mentira, propagada pelo governo
Bush filho, de que aquele país estaria desenvolvendo armas de destruição em
massa.
Logo que as forças iraquianas –
combalidas por mais de uma década de bloqueio econômico – foram derrotadas,
começaram os negócios. Firmas dos Estados Unidos assumiram o controle sobre as
ricas jazidas de petróleo do país, a 5ª maior do planeta, e passaram a ser o único
fornecedor de praticamente todos os produtos consumidos pelos iraquianos. Da
comida ao reequipamento das novas forças armadas do Iraque, tudo vem
diretamente dos Estados Unidos, ou passa por intermediários estadunidenses.
Um dos melhores negócios para as
empresas dos EUA é a reconstrução da infraestrutura do país, destruída pelas
guerras.
Uma das principais beneficiadas, mas não
a única, é a Halliburton – que foi administrada pelo vice-presidente americano,
Dick Cheney, entre 1995 e 2000, quando ele se afastou formalmente para assumir
a candidatura de vice-presidente na chapa de George W. Bush.
A Halliburton entrou no Iraque
oficialmente para “apagar incêndios em poços de petróleo”, através de um
contrato “de emergência” sem licitação. Porém, segundo a BBC, em matéria de 07
de maio de 2003, um militar estadunidense confessou a parlamentares do seu
país, que o clausulas secretas do contrato incluíam também “operação e
distribuição de produtos”, o que significa extração e distribuição de petróleo.
A investigação de congressistas e
senadores dos EUA descobriu também, que a empresa anteriormente dirigida pelo
vice-presidente dos Estados Unidos ainda havia burlado a legislação do país,
assim como as boas práticas empresariais, ao servir como funil, para levar outras
firmas para atuar no Iraque, sem o inconveniente de uma licitação.
O processo, que inclui as mentiras
espalhadas para viabilizar o conflito, representa uma série de crimes graves,
porém muito bem remunerados. Até 2003, os contratos previam pagamentos à
Halliburton de US$ 7 bilhões, relativos a apenas dois anos de contrato.
Governos de outros países, inclusive
alguns dos que se aliaram aos Estados Unidos na aventura suspeita do segundo
ataque a Saddam Hussein, como o Reino Unido e o Japão, acusam o governo de
Washington por conceder as tarefas de reconstrução do Iraque a apenas um seleto
grupo de empresas americanas.
De acordo com o insuspeito Financial
Times (link anexo), a guerra foi um excelente negócio para as empresas
estadunidenses: “Os EUA arcaram com o peso dos custos militares e de
reconstrução, gastando pelo menos US$ 138 bilhões em empresas de segurança
privada, logística e de reconstrução, que forneceram tudo, desde segurança
diplomática até usinas elétricas e papel higiênico. As empresas americanas e
estrangeiras lucraram com o conflito – com os 10 principais empreiteiros
assegurando negócios no valor de pelo menos US $ 72 bilhões. Nenhum se
beneficiou mais do que a KBR, antes conhecida como Kellogg Brown e Root. A
polêmica ex-subsidiária da Halliburton recebeu pelo menos US $ 39,5 bilhões em
contratos federais relacionados à guerra do Iraque na última década”.
O que ocorreu no Iraque somente é
possível em um país derrotado em uma guerra. Aconteceu o mesmo na Europa
Ocidental, principalmente na Alemanha, após a Segunda Guerra Mundial, quando os
Estados Unidos lançaram o Plano Marshall para reerguer o velho mundo.
Independente da discussão do altruísmo ou não da iniciativa, a iniciativa
transformou a maior parte da Europa em um mercado cativo dos EUA, situação que
durou até, pelo menos, a década de 1980, quando a indústria de alguns países
europeus e, também, do Japão amadureceu o suficiente para competir e superar
suas concorrentes estadunidenses.
UM PAÍS QUE PRETENDEU SER POTÊNCIA
O Brasil vive uma situação semelhante,
que somente se verifica em um país derrotado em uma guerra. A economia
brasileira está destroçada. O governo federal perdeu o controle sobre a maior
riqueza nacional, o petróleo do pré-sal – os estadunidenses não conseguiram tal
nível de controle nem mesmo no Iraque. Todas as bases de uma economia moderna e
competitiva – do ponto de vista de um país que ambiciona ter um papel de
relevância mundial – estão sendo paulatinamente demolidos. O mercado interno
está sendo destruído, a base industrial vai sendo empurrada à falência, a
ciência é desprezada, a universidade sofre ameaças, a cultura teme ser banida,
as forças armadas perdem a capacidade de defender o Brasil em uma guerra
moderna e o setor desenvolvimentista do capitalismo brasileiro foi castrado no
seu potencial de intervir na economia.
O memorando assinado pelo Brasil, para
facilitar negócios e investimentos em infraestrutura, é um exemplo clássico das
relações entre uma potência que venceu uma guerra e o país derrotado. O
derrotado abre todo o seu mercado para o vencedor.
Além de oferecer o imenso potencial de
obras de infraestrutura, para as empreiteiras estadunidenses, há inda o engodo
do reconhecimento do Brasil, como aliado extra OTAN dos EUA. Na prática, os
Estados Unidos obtêm reserva de mercado, para vender produtos obsoletos ou
semi-sucateados de sua indústria militar às forças armadas do Brasil. Como a
geopolítica dos EUA prevê impedir o fortalecimento militar de potencias
regionais, especialmente no seu quintal da América Latina, o Brasil jamais terá
acesso aos itens mais avançados do complexo industrial-militar estadunidense.
Aliás, foi exatamente por isso, que o general Geisel rompeu o acordo militar
com os Estados Unidos, que vigorava desde a Segunda Guerra Mundial.
Em um esquema de extra OTAN, acordos de
transferência de tecnologia, como o que viabilizaria a construção de um
submarino capaz de ser movido por um reator nuclear ou aviões de caça no estado
da arte, são absolutamente descartados. O objetivo, para os Estados Unidos é comercial
e os efeitos militares são quase nulos – u exemplo é a Argentina, que não tirou
nenhuma vantagem do status de “aliado extra OTAN”.
UMA DERROTA PREPARADA PELA LAVAJATO
As bases para a assinatura do memorando,
que abre o mercado de infraestrutura brasileiro para as empresas
estadunidenses, foi cuidadosa e pacientemente preparado através da Lavajato. A
operação que oficialmente tinha o objetivo de combater a corrupção, na verdade
visava remover do poder um governo desenvolvimentista; desorganizar politicamente
o país; enfraquecer uma economia que avançava para se consolidar como uma das
maiores do mundo; e remover da disputa planetária o ramo mais competitivo da
indústria brasileira – as grandes construtoras, que derrotavam suas rivais dos
EUA nas concorrência internacionais em todos os continentes.
MAIOR SUCESSO GEOESTRATÉGICO DOS EUA EM
DÉCADAS
A submissão do Brasil foi o maior
sucesso geoestratégico dos Estados Unidos nas últimas décadas. Todos os
objetivos foram atingidos e o país, antes independente e orgulhoso de seu
crescimento, hoje está completamente submetido economicamente, politicamente e
diplomaticamente aos interesses dos EUA.
A destruição das empreiteiras não só
removeu um poderoso competidor internacional das firmas estadunidenses, como
também, abriu um dos maiores mercados de infraestrutura para empresas como a
Halliburton e suas filiais, assim como para outras grandes construtoras dos
Estados Unidos.
Curiosamente, o mecanismo de operação
internacional das construtoras dos EUA é o mesmo utilizado pelas empresas
brasileiras: os financiamentos de agências governamentais, que fornecem os
recursos para a execução de obras. No caso das empresas brasileiras, os
financiamentos vinham do BNDES; as dos Estados Unidos recorrem aos recursos da
OPIC, uma agência do governo para financiar obras fora do país.
Os empresários dos Estados Unidos
consideram esse arranjo uma ótima maneira de exportar serviços, equipamentos,
materiais e outros insumos, que melhoram a balança comercial do país. No
Brasil, este mesmo modelo foi acusado de ser desperdício de dinheiro público e
corrupção, pelos integrantes da Lavajato, pela mídia corporativa, por políticos
neoliberais e de extrema direita e até mesmo por empresários.
É interessante ver que os críticos que
criminalizavam os projetos de exportação de serviços das empreiteiras,
financiados pelo BNDES, na mídia ou que hoje estão no governo, aplaudem com entusiasmo
a chegada das empreiteiras dos EUA, em um modus operandi semelhante.
EMPRESAS DOS EUA SÃO SUSPEITAS DE
CORRUPÇÃO
Segundo Wilbur Ross, Secretário de
Comércio dos Estados Unidos, seu país quer ser “o parceiro preferencial para
projetos na América Latina porque nossas empresas oferecem a expertise, a
inovação, a ‘integridade’ e valor demandado para a infraestrutura crucial e
oportunidades destacadas aqui”.
Sobre a frase do secretário
estadunidense, não custa lembrar que as construtoras brasileiras estavam
acostumadas a derrotar as firmas dos EUA em inúmeras concorrências
internacionais – no que comprovam superior expertise, inovação e, também,
competência. Além disso, a menção à integridade é uma palavra vazia e falsa,
quando se refere às empresas estadunidenses. Elas estão envolvidas nos mais
suspeitos, criminosos e graves episódios de corrupção, que ocorreram nas
últimas décadas, inclusive porque envolveram a morte de milhares de pessoas –
um exemplo é a Halliburton.
Fonte: Publicado no Jornal GGN
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