Não é relativização da verdade ou
ambiguidade de conteúdos, é farsa. Farsa deliberadamente inventada para
alcançar resultado específico.
Na fábula italiana que se tornou célebre
com os desenhos de Walt Disney, o nariz de Pinocchio, o boneco de madeira,
crescia a cada mentira que ele contava, tendo, por isso, se tornado um símbolo
popular desse desvio moral. No conto a virtude se sagra vencedora na disputa
pelo caráter de Pinocchio, que aprende a praticar os valores da verdade e do
respeito.
O ministro da propaganda nazista de
Hitler, Joseph Goebbels dizia que uma mentira mil vezes contada se torna
verdade. Todo o engano sobre o holocausto foi produzido massivamente com essa
máxima: a repetição.
Na perspectiva da alegoria, a campanha
deflagrada pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD – que
intenta esclarecer os desvios cometidos pelo ex-juiz da operação Lava Jato e
atual Ministro na Justiça e da Segurança Pública – mostra Sérgio Moro com um
nariz de Pinocchio. A pertinência do comportamento dele, contudo, não é pueril
como do boneco-menino, que de forma compulsiva se desviava por deslumbramento,
e criava histórias fantásticas para justificar os erros cometidos. Os atos de
Moro aproximam-se de uma disposição elaborada e previamente formulada, para
dissimular a realidade e produzir resultados desejados, naquilo que se pode
chamar de mentiras como conceito não moral.
As mentiras de Sérgio Moro vêm, na
verdade, para dissimular seu comportamento desviante. Quando repetidamente
proclama sobre os diálogos divulgados: “não sei se disse, mas se disse não há
problema” ele, paradoxalmente afirma que as evidências de sua parcialidade como
magistrado não estão presentes quando discute os rumos de uma operação de
investigação junto aos membros do Ministério Público Federal da força-tarefa,
indicando testemunhas, dando conselhos que se assemelham a ordens que são, de
fato, cumpridas, encomendando pareceres, negociando prazos e procedimentos. Suas
mentiras resultam de um processo de construção da linguagem, para constituir
conceitos de aparência de legalidade.
As retóricas professadas por Sérgio Moro
não sobrevivem à mais simples verificação de critérios de adequação de
comportamento de magistrados. Não por acaso diversas juízas e juízes participam
da campanha #MoroMente, falando de suas respectivas atuações jurisdicionais,
como testemunho de que não há adequação nas práticas do ex-juiz da Lava Jato à
essência da magistratura, mas ao oposto, identificados os elementos de sua
conduta, elas conduzem ao arbítrio.
A torpeza dos argumentos de Sérgio Moro
cumpre dupla função, uma vez que, quando confrontado com a evidência de
condutas não aceitáveis e ilegais, ele diz que não reconhece os diálogos
divulgados. Afasta-se de sua condição original quando é conveniente, para
inverter a lógica do debate e virar novamente acusador dos responsáveis pela
divulgação dos diálogos.
Na escala de razões que justificam a
negação da realidade, modificação ou distorção de fatos, Sérgio Moro está muito
mais para Goebbels que para Pinocchio. Não há em seus atos a infantil mentira
que busca proveitos efêmeros. Suas dissimulações são objetivas e tem intenção
clara. Sua autoimagem de herói, com o apoio da mídia empresarial, o
tornou um ser megalomaníaco que se supunha sem limites, e se baseia no ódio aos
que com ele tem discordância político-filosófica.
O rol de artifícios criados para
sustentar a teia de mentiras em que se transformou a operação Lava Jato foi
levado a um nível em que a sedução do dinheiro entrou em jogo, e os membros da
força-tarefa tentaram criar uma fundação para gerir os fundos públicos
arrecadados, e uma empresa de palestras usando suas mulheres como laranjas. É
quando a mentira vira trapaça, clara e explicitamente.
O terreno sobre o qual nos encontramos
situados não é o do debate verdade versusmentira,
mas o de uma reflexão sobre uso do sistema de justiça para perseguição política
contra adversários e a negação dos procedimentos por interesses escusos. Um
processo de camuflagem, de distorção, tudo feito por repetições em série
durante anos, que criou pelas vias midiáticas, vínculos de identificação
coletiva e ampla aceitação social.
Não é relativização da verdade ou
ambiguidade de conteúdos, é farsa. Farsa deliberadamente inventada para
alcançar resultado específico. Moro não cometeu erros nem enganos, ele praticou
desonestidade militante.
#MoroMente
*Tânia Maria de Oliveira é da Associação
Brasileira dos Juristas pela Democracia
Fonte: Publicado no Jornal GGN
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