Estudo do Ipea mostra que acesso à
internet no Brasil reproduz as desigualdades sociais. Cada vez mais, porém, serviços
– inclusive públicos – direcionam o cidadão para plataformas digitais,
reforçando exclusões
Aplicativos que permitem checar o
horário da condução. Outros, para marcar consulta na unidade básica de saúde.
Ou para conferir o desempenho escolar dos filhos. Ouvidoria municipal na tela
do celular. Cadastro para o bilhete de transporte pelo site. Agenda cultural da
cidade no tablet e smartphone. Aposentadoria, fundo de garantia – tudo à palma
da mão.
Administrações públicas municipais,
estaduais e federal Brasil adentro se vangloriam, em suas propagandas oficiais,
por oferecerem serviços públicos ao cidadão por meio de plataformas digitais.
Agilidade, transparência, segurança, desburocratização, modernidade. Ótimo. O
problema é que quem mais precisa de tudo isso está à margem dessas facilidades.
Lembremos que, segundo estudo recente do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apenas 42% dos brasileiros nas
classes sociais D e E têm acesso à internet no Brasil. O estudo foi divulgado
em junho, traz dados de 2017 e mostra que, por outro lado, nas classes A e B,
90% das pessoas estão conectadas. Não à toa a pesquisa, denominada “Tecnologias
digitais e seus usos”, é categórica em suas considerações finais:
“A análise dos dados nos possibilita
dizer que a falta de acesso à rede repete as mesmas adversidades e exclusões já
verificadas na sociedade brasileira no que se refere a analfabetos,
menos escolarizados, negros, população indígena
e desempregados. Isso significa dizer que
a internet, se não produz diretamente
a exclusão, certamente a reproduz, tendo
em vista que os que mais acessam
são justamente os mais jovens, escolarizados,
remunerados, trabalhadores qualificados, homens e brancos. Não seria a rede,
então, produto de uma classe dominante?”.
O estudo do Ipea e principalmente a
indagação que os pesquisadores (Frederico Augusto Barbosa da Silva, Paula
Ziviani e Daniela Ribas Ghezzi) fazem deveriam estar à mesa de gestores de
políticas públicas, de todos os escalões. Precisam ser entendidos também pelos
servidores públicos que atendem o cidadão na ponta. Porque não é raro em
repartições haver o desconhecimento que, embora popularizadas, as novas
tecnologias da informação e comunicação ainda não estão ao alcance de uma
parcela significativa da população.
Parcela essa, reiteremos, justamente a
que mais necessita de informação, de orientação, e dos serviços públicos. São
as famílias de baixa renda que mais carecem de instrumentos de acompanhamento
de suas crianças na escola. São as que mais necessitam de assistência à saúde
da unidade básica do bairro. São as que mais utilizam ônibus. São, entretanto,
as que menos têm contato, se beneficiam, das “modernidades” dos tais
aplicativos.
O levantamento do Ipea lista sete itens
consumidos por usuários brasileiros na internet: jogos online, baixar jogos,
músicas online, baixar músicas, assistir a vídeos, baixar vídeos e ler jornais.
Infelizmente nenhum item se refere a acesso a algum serviço público, mas por
esses listados dá para se ter uma noção de quem pode e quem não consegue ter
contato com outros tipos de facilidades digitais.
Por exemplo, a pesquisa aponta que entre
os que não têm renda ou ganham até um salário mínimo, 71,6% nunca acessaram
nenhum dos sete itens, ou se já acessaram, o acesso se deu há mais de três
meses. Em outras palavras: nem sequer leram, pela internet, uma notícia de
jornal que pudesse lhe fornecer uma informação útil, quanto mais teve contato
com os produtos culturais – música, filmes, jogos – disponíveis.
Terminamos este texto com outro trecho
das considerações finais do Ipea:
“A internet é acompanhada do paradoxo
existente entre as utopias construídas em torno do discurso sobre as suas
potencialidades e as verdades que regem as relações que a estruturam, como o
mercado e seus oligopólios. Este paradoxo
produz assimetrias que exigem, além de pesquisas
com dados sobre perfil, características e
hábitos dos usuários – que acabam por
legitimar o mesmo discurso excludente –,
políticas compensatórias e de diminuição das desigualdades de acesso”.
A pesquisa completa está disponível neste
link: http://ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_uuu2470.pdf
(Crédito da foto da página inicial:
Marcelo Camargo/Agência Brasil)
*É jornalista e professor. Mestre em
estudos de linguagens. Licenciado em geografia. Bacharel em comunicação. Mantém
e edita a Rede Macuco
Fonte: Publicado no
Brasil Debate
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