Portugal e Brasil sabem que a
Independência se declara, mas a ditadura se instala.
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Jair Bolsonaro (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil) |
Um semestre de Jair Bolsonaro na
presidência do Brasil fez voltar o pesadelo com o fantasma da ditadura. A cada
dia os brasileiros são atropelados por uma avalanche de decisões de um
Presidente visivelmente desequilibrado, que se comunica pelas redes sociais
para anunciar mudanças drásticas que está a realizar de forma veloz sem
possibilidade de diálogo e reação das instituições democráticas. Não é raro
ouvir brasileiros que sentem tristeza e medo. O deterioro das relações
interpessoais (iniciado na violenta campanha eleitoral) está a piorar a
situação de desconsolo generalizado.
É o inicio do seu governo, mas o
Presidente não deixou de enaltecer
a violência e a ditadura militar; ameaçar jornalistas; defender o
trabalho infantil, o uso de recursos públicos para fins pessoais, o nepotismo,
o recorte nos direitos trabalhistas e humanos e a compra de votos de deputados
para aprovação de projetos de lei; anunciou a privatização do ensino
universitário, o fim do acesso à universidade para negros e pobres e ameaçou
professores que se posicionem politicamente; celebrou o exilio de políticos e
pensadores; indicou a volta da censura; iniciou o controle de reuniões e
prisões de lideres dos movimentos sociais; atacou projetos de educação sexual e
de defesa das mulheres e dos homossexuais; apoiou o avanço da
exploração agropecuária da Amazônia, a invasão de terras indígenas e
liberou mais de 260 agrotóxicos para produção agrícola; defendeu o
porte de armas; dissolveu todos os conselhos da sociedade civil para
políticas publicas nas áreas de Saúde e Educação; demitiu especialistas e
técnicos do Governo nas áreas da Ciência, Educação e Meio Ambiente que
questionaram sua atuação.
Os atropelamentos ruidosos com capítulos
diários do desmanche do país vêm acompanhados de silêncios ensurdecedores.
São silenciadas as investigações que
apontam envolvimento da família Bolsonaro com o crime organizado para o trafico
de influências, drogas e armas no Rio de Janeiro, onde há 30 anos Jair atua sem
nunca ter alcançado uma projeção nacional positiva até converter-se em
Presidente em 2019. Silêncios sobre fatos que favoreceram a família Bolsonaro
como o suposto atentado durante a campanha eleitoral, o apoio do
juiz Sergio Moro na execução de processos de forma irregular e o assassinato
da vereadora Marielle Franco.
O pesadelo que se vive entre os absurdos
e os silêncios tem como resultado a apatia da população e a omissão do Estado
de direito.
A oposição encontra-se esfacelada pela
avalanche das eleições e não conseguiu organizar-se para articulação unificada.
A imprensa está a juntar cacos da sua credibilidade. Vítima e cúmplice do pacto
para uma virada de poder no Brasil, a imprensa fez da desinformação a sua
matéria prima, sem reportagem investigativa e, ao acordar tarde, pode ficar na
história como um dos poderes que abriu as portas para a ditadura além do
judiciário e do legislativo.
Segue ativa a estratégia de comunicação
utilizada para a eleição de Bolsonaro, a mesma de Donald Trump: fabricação de
notícias espalhadas pelas redes sociais a públicos específicos que se transformam
em multiplicadores do discurso “em nome de Deus, combater a esquerda e todo o
mal contra a tradição familiar e a propriedade”. A cegueira é provocada pelo
excesso de desinformação entre fatos.
A manipulação da comunicação com o
discurso do medo e do ódio estão a justificar os atos privados, institucionais
e inconstitucionais, além de provocar uma polarização sem precedentes no país.
Uma cisão social que enfraquece as relações interpessoais e políticas e cria
uma cidadania voluntariamente aprisionada.
O governo de Bolsonaro é militar. Os
civis que aceitaram cargos não possuem experiência política e profissional
relevantes ou reconhecimento técnico nas suas áreas de atuação. Obedecem a
ordens sem justifica-las tecnicamente.
Há suspeita (difícil de comprovar) de
que o país está sob o comando de uma estratégia internacional ao serviço de
interesses da geopolítica no continente americano desde o impeachment de
Dilma Rousseff em 2016. Neste contexto, o desequilíbrio do Presidente
brasileiro não deve ser subestimado por assumir o papel de espantalho para quem
governa de fato. O espantalho e a apatia permitem que se devore aos poucos os
direitos universais e as liberdades individuais.
Portugal e Brasil sabem que uma ditadura
não se declara, ela se instala. Como uma rede de esgoto planejada há
anos, a corroer os movimentos sociais, os poderes legislativos, executivos,
judiciário, a imprensa e as relações humanas, a ditadura esta em processo de
instalação no Brasil.
Com o clima de asfixia, muitos
brasileiros têm se autoexilado. Milhares
deles em Portugal. A nova onda migratória de brasileiros ao país tem
ganhado perfil de resistência política. Coletivos como o Andorinha (fundado por
estudantes universitários) e o Fibra (Frente Internacional de Brasileiros –
contra o golpe e pela Democracia), e um grupo de produtores de notícias
independentes (Midia Ninja), dão indícios de que Portugal será um centro de
resistência para que o “SOS Brasil” seja ouvido enquanto é tempo. Porque o pior
pode estar por vir.
A soberania brasileira está em risco e
Portugal sabe que a independência é uma conquista impossível quando solitária.
Pela herança histórica que une Brasil e
Portugal e as cicatrizes que deixaram em ambos países a desigualdade social e a
ditadura, este é um pedido de socorro, um SOS emitido desta costa da Europa
contra o colapso.
Porque o colapso brasileiro é um colapso
civilizatório. Todas as gentes e suas culturas ali miscigenadas são um
laboratório para o êxito ou o fracasso global.
O Brasil está mais triste e medroso e
somos todos responsáveis pela asfixia de um país capaz de renovar o ar do mundo
inteiro. SOS: Save Our Souls.
*Jornalista, gerente de projectos e
doutoranda na Universidade de Lisboa
Fonte: Publicado no site do PÚBLICO
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