Enquanto bombeiros tentam apagar fogo na
Europa, no Brasil fazendeiros queimam a Amazônia
Por Eliane Brum
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Imagem captada pelo satélite Aqua, da NASA, mostra vários
incêndios nos Estados de Rondônia, Amazonas, Pará e Mato Grosso em 13 de agosto
de 2019. AQUA
(NASA)
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A ativista adolescente Greta
Thunberg costuma afirmar, na tentativa de acordar os adultos
para a emergência climática: “Nossa casa está em chamas”. No momento, a sueca
de 16 anos atravessa o oceano num barco à vela rumo à Conferência da ONU,
em Nova York. O que Greta pode não ter imaginado, porém, é ainda mais
assustador: fazendeiros e grileiros atearem fogo na floresta, deliberadamente,
como manifesto político. É o que aconteceu na Amazônia, em 10 de agosto,
segundo foi anunciado no jornal de Novo Progresso.
Fazendeiros e grileiros do entorno da
BR-163, uma das regiões de maior conflito na Amazônia brasileira, programaram o
“Dia do Fogo”. Na data, queimaram áreas de pasto e em processo de desmatamento.
Segundo uma das lideranças, entrevistada pelo jornal Folha do Progresso,
setores do agronegócio se sentem “amparados pelas palavras de Jair
Bolsonaro”, que estimula a abertura das áreas protegidas da floresta
para exploração agropecuária e mineração. Disseram também que desejavam mostrar
ao presidente do Brasil “que querem trabalhar e o único jeito é derrubando, e
para formar e limpar nossas pastagens é com fogo”.
Tudo indica que conseguiram. Anunciaram,
pelo jornal, cinco dias antes. E cinco dias depois a Amazônia queimou —
mais. Segundo os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, na data
marcada Novo Progresso teve um número 300% maior de “queimadas”, com 124 focos
de incêndio. No dia seguinte, o número saltou para 203. Em Altamira, as
estatísticas mostraram uma realidade ainda mais assustadora: 743% de aumento,
com 194 focos de incêndio. No domingo, chegaram a 237.
Enquanto Greta Thunberg navega para Nova
York, sua frase se literaliza: há incêndios em diferentes partes do planeta, da Gran Canária,
na Espanha, a Sibéria, na Rússia. A conexão com a crise climática
pode ser mais ou menos direta. Na Europa, os focos apareceram depois do julho
mais quente da história. No Ártico, os incêndios recordes criaram um ciclo
vicioso: o fogo libera CO2 para a atmosfera e agrava o colapso climático. O
trabalho dos bombeiros, em todas as partes, está sendo dificultado pelas ondas
de calor e pela falta de umidade. Na América Latina, a Amazônia
queima, assim como pedaços da
Bolívia e do Paraguai.
As más notícias para superaquecer o
planeta não param. Diante da explosão do desmatamento no
Governo de Bolsonaro, Alemanha e Noruega suspenderam
quase 300 milhões de reais destinados à proteção da Amazônia.
Bolsonaro respondeu ao Governo alemão: “A Alemanha vai parar de comprar a
Amazônia a prestações”. E, aos noruegueses: “Pega a grana e ajude a Angela Merkel a
reflorestar a Alemanha".
Bolsonaro não é apenas estúpido — e
muito mal educado. As declarações servem para acirrar a paranoia de seus
seguidores: o antipresidente e seu clã defendem que a preocupação com a
floresta é uma desculpa para tomar a Amazônia do Brasil. O curioso nacionalismo
pregado por Bolsonaro amaldiçoa a Europa em nome da
soberania e se curva até a cueca aparecer diante dos Estados Unidos de Donald Trump. Para setores
do empresariado brasileiro, porém, a única boa notícia no atual governo foi
o acordo entre
União Europeia e Mercosul, costurado durante 20 anos pelos governos
anteriores e hoje ameaçado pela escandalosa destruição da Amazônia. A Europa
precisa decidir: se continuar comprando carne de desmatadores e produtos
empapados de agrotóxicos, o agronegócio predatório vai continuar se sentindo à
vontade para ampliar os dias de fogo, estimulado pelo perverso que hoje lidera
o Brasil.
Fonte: Publicado no EL PAÍS Brasil
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