Luiz Roberto Alves:
“Ou o evangelismo nacional provoca mudanças no comportamento do presidente ou
se agarra a ele como Frankenstein e afunda com ele”
Este não é um
artigo sobre religião. É, mesmo, sobre o Evangelho e o Governo brasileiro.
Sua premissa
consiste no fato de que manter fidelidade ao pensamento e à pratica do
presidente Jair Messias, que se afirma cristão, implica negar o Evangelho. A
opção de fidelidade é, pois, um ato político dos irmãos, igrejas e pastores,
especialmente se interessados em diminuir impostos de igreja, nomear parceiros
em postos do governo e granjear outros benefícios puramente materiais, do mundo
da política.
Não há
alternativa possível. A fidelidade é a negação.
Não seria
necessário conhecer exegese, ter estudado a história judaico-cristã,
experimentar a leitura do Novo Testamento em relação a cada ruína, cada
vilarejo, cada cenário da chamada Terra Santa (Israel e Palestina) para
apresentar esta premissa. Mas essas experiências vividas pelo autor deste texto
ajudam, e ajudam muito. O Evangelho tem pensamento, história e encarnação.
Jair Messias,
eleito para governar o Brasil, governa pelo ódio e pelo maldizer. Governa para
grupos que obedecem a ele e o bajulam. Vinga-se a cada dia de alguma crítica,
especialmente das críticas sérias, que têm base no estudo e na ciência. Ele não
tem, nem de longe, aquele espírito infantil de confiança, pureza de alma e
disponibilidade, que é ponto fundamental do Evangelho na boca de Jesus.
Ao contrário,
quando o assunto é criança, ele até estimula que as crianças brasileiras
troquem o estudo pelo trabalho. Ele e deputados que o seguem querem matar o
Estatuto da Criança e do Adolescente, que não foi feito para a Suíça, ou para a
Finlândia (que já não precisam mais de nenhum estatuto), mas para o Brasil real
de 5 milhões de crianças fora da escola, de muitas crianças presas (internadas)
e alto índice de assassinato infanto-juvenil.
Jair Messias, o
presidente, não tem compromisso com a verdade. Diz o que vem à cuca, numa
vociferação que busca confundir e fazer acreditar no que não é e não existe. Em
breve estará mostrando ao mundo que somos um paraíso antes do pecado original
na preservação das florestas, que cuidamos dos idosos doentes e crianças dentro
e fora da escola, que os nossos agrotóxicos não causam qualquer doença. Ainda
que ocorram desgraças naturais resultantes do desequilíbrio climático, que
aumente o suicídio de idosos e crianças/adolescentes por frustração e desamparo
e que os hospitais fiquem atulhados e empilhados de gente como resultado de
doenças diversas, cuja complicação aumenta pelo uso de produtos agrícolas aqui
permitidos e proibidos em muitos outros países. De fato, a verdade do Sr. Jair
Messias não é a de João 8.32, mas sim a verdade encoberta do superliberalismo
tipo Trump e companhia limitada, que mostra o gogó e esconde os fatos. Essa
verdade não liberta ninguém e coisa nenhuma.
O Sr. Jair
Messias quer aparecer ao povo evangélico, dizer coisas que agradem pastores e
gente importante das igrejas, receber salvas de palmas e sair dando risadas
como quem leva vantagem em alguma coisa. Em seguida, a aparecer aos dirigentes
evangélicos, ele vai louvar seus “deusinhos”, os torturadores, que assassinaram
homens e mulheres a quem tinham a obrigação de respeitar como agentes do
Estado.
E tudo isso ele
faz gritando, em mau português, aos trancos e barrancos, estridente e violento.
Não tem a discrição e a atitude simples de quem prefere se recolher no silêncio
para a reflexão e para pensar, sempre, no bem-estar de 209 milhões de pessoas
do país muito diverso e muito desigual, de pobreza entre os campeões do mundo,
inclusive entre o povo evangélico. Prefere aparecer e prometer, ostentar,
violentar desafetos e críticos. Jair Messias prefere metralhar a dar a outra
face, mesmo que simbolicamente. A última coisa que pode existir em sua
vida é a humildade, virtude máxima cristã, que surge quase em cada página dos
evangelhos.
O que querem os
líderes das igrejas evangélicas? Somente granjear benefícios?
O que querem os
fiéis evangélicos? Ver o país ser entregue aos que têm mais dinheiro e
capitais, ver os filhos cada dia mais longe das boas universidades, morrer
muito antes da aposentadoria, constatar que a escola pública de crianças e
adolescentes fica a cada dia mais medíocre e que crescem as escolas para ricos
ou sacrificar a vida pelo que mete na boca?
Conheci na Terra
Santa cristãos que oram pelo mundo e do mundo não querem nenhum bem. Aprendi a
respeitá-los. Conheci ruínas de pequenas cidades muito prósperas antigamente,
como Cafarnaum (Kfar-Nahum), cujo destino sinaliza o que podemos fazer de
nossas cidades. Conheci e visitei dezenas de vezes o Muro Ocidental do Templo
(Kotel ha-Maaravi), cuja persistência humana levou a construir e reconstruir
como promessa de futuro. Conheci também centenas e milhares de brasileiros e
brasileiras, nos campos e nas cidades, que entenderam muito bem esses sinais e
valores e lutam pela dignidade, pela vida e pela Paz, o Shalom que significa a
integridade do humano no mundo.
Nada disso se vê
no presidente, Sr. Jair Messias. Ao contrário. Mas a maioria dos que se
denominam evangélicos votou neste senhor, nosso presidente. Lembrar que os
apóstolos oraram pelos dirigentes políticos, mas exigiram profeticamente que
eles mudassem seu comportamento e fizessem uma gestão a favor de todo o povo,
especialmente os que necessitam do Estado, da cidade. Um fato está ligado ao
outro e não é justo separar.
Portanto, o
desafio está dado: ou o evangelismo nacional, cerca de 30 milhões de
conterrâneos, provoca mudanças no comportamento do presidente ou se agarra a
ele como Frankenstein e afunda com ele. Mas isso já não é um assunto
evangélico. É unicamente político. Não tem mistério. É a lógica da política.
(Este
artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum)
*Professor e Pesquisador Sênior da ECA-USP. Conselheiro Nacional da Educação (CNE) entre 2012 e 2016. Educador na área básica e pública por vinte anos. Tem escrito obras sobre educação, cultura brasileira, comunicação e políticas públicas.
Fonte: Publicado na Revista Fórum
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