Jornalista Tereza Cruvinel critica o
fato de apenas dois do STF, Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, terem
condenado o ataque de Jair Bolsonaro ao Supremo com o vídeo das hienas.
"De resto, as demais instituições e a sociedade civil assistem perplexas a
estes ensaios que apontam para seu não secreto nem dissimulado desejo: o de
instalar de fato a autocracia do leão, através de um golpe", diz ela
Por Tereza
Cruvinel
Depois das últimas provocações
institucionais de Bolsonaro, que culminaram com o desvairado vídeo do leão
acossado pelas instituições democráticas – que implicitamente foram chamadas de
“forças do mal” – apenas dois ministros do STF, e não o STF em si, levantaram a
voz e o repreenderam: Celso de Mello ontem, e Marco Aurélio Mello, hoje. De
resto, as demais instituições e a sociedade civil assistem perplexas a estes
ensaios que apontam para seu não secreto nem dissimulado desejo: o de instalar
de fato a autocracia do leão, através de um golpe.
Não devemos ter medo de considerar esta
hipotése para não sermos chamados de paranoicos ou devotos do conspiracionismo.
Pecado bem mais grave será o da leniência diante dos sinais que ele mesmo
espalha, com palavras e gestos. É da boca de Bolsonaro que saem elogios a
ditaduras, aprovações à tortura, ataques ao sistema político (um dos trunfos de
sua eleição por brasileiros desiludidos com a política) e a violência verbal
diária, contra tudo e todos, inclusive contra outros povos, como o argentino,
temperada pela vulgaridade. Ontem ele fez até mesmo uma declaração de afinidade
com o príncipe saudita sanguinário, envolvido na morte de um jornalista por
esquartejamento e sumiço do corpo.
A indulgência em relação ao presidente
desatinado ampara-se numa leitura ingênua ou conveniente às elites que esperam
dele a aprovação e implementação de reformas e medidas neoliberais: ele é
assim mesmo, e com suas diatribes, ainda que vulgares e preocupantes,
contribui para o avanço das reformas, oferecendo temas diversionistas ao debate
público.
De fato, enquanto discutimos o vídeo do
leão acossado pelas malévolas instituições democráticas – imprensa, STF, OAB,
CUT, partidos e outros – Guedes avança com sua agenda.
Já a suposta paranoia, ou fiquemos
na preocupação com o que de pior pode acontecer, ampara-se na prática,
nas palavras, no passado e na natureza de Bolsonaro, essencialmente autoritária
e antidemocrática. E neofascista, é preciso também dizer.
Mas convenhamos que eles fazem as coisas
com uma loucura metodológica. Pelo vídeo, por exemplo, Bolsonaro hoje pediu
desculpas explicando. Não o produziu, o vídeo apareceu, alguém (que negou ser o
filho Carlos) achou interessante e postou em sua conta na rede social sem
perceber que continha “injustiça”. Certamente apenas em relação ao STF,
que foi quem reclamou, embora não tenha sido mencionado.
A peça representa falta do presidente
para com a honra, a dignidade e o decoro do cargo. Teoricamente, é motivo para
impeachment. Mas quem haverá de propor isso, se ele já tirou o corpo fora: não
é autor do vídeo, não sabe quem o postou, embora se sinta responsável.
Rodrigo Maia engavetaria o pedido por falta de fundamento.
Seguiremos, por mais tempo, assistindo
ao espancamento das instituições, que vão sendo testadas ao limite, para gáudio
dos 30% que constituem a base pétrea do bolsonarismo. Quando elas
estiverem prostradas, talvez seja a hora esperada para o golpe. E será tarde
para os que transigiram ou se omitiram.
Por mais pecados que tenha o STF
cometido nestes tempos estranhos, como diz o ministro Marco Aurélio, é de lá
que têm vindo censuras aos excessos de Bolsonaro e até ao assanhamento do
general Vilas Boas. O Congresso tem se calado, os partidos, também, a sociedade
civil parece ter hibernado, e o único líder que a oposição poderia ter, com
força para fazer frente à situação, foi encarcerado justamente para que
Bolsonaro pudesse tornar-se presidente, livre de sombras, contrapontos e forças
dispostas a contê-lo.
Fonte: Publicado
no Brasil 247
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