"Três anos depois de prejudicar Lula com uma decisão absurda, Conselho não pode fingir que não vê o comportamento do chefe da força-tarefa da Lava Jato", escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia. Para PML, o CNMP tem "oportunidade rara" de mostrar ao país que é preciso combater a corrupção sem atacar o Estado Democrático de Direito
A possibilidade de que Deltan Dallagnol
seja julgado pelo Conselho Nacional do Ministério Público assegura uma
oportunidade para o órgão destinado a controlar, denunciar e punir desvios e
irregularidades cometidas pelos procuradores e recuperar uma fatia de sua
creibilidade perdida.
As funções do Conselho estão bem
definidas no artigo 130-A da Constituição: " apreciar a legalidade dos
atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Ministério Público da
União e dos Estados, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que
se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei".
Formado por 14 membros indicados pelo
Presidente da República, dos quais uma maioria de 8 a 6 integram o Ministério
Público, na vida real do país o CNMP tem atuado como o próprio foro
privilegiado. Através dele, os procuradores julgam denúncias e queixas contra
os colegas e, como era de se imaginar, acumulam uma óbvia tradição de proteção
mútua e impunidade.
Autorizado, desautorizado e autorizado
mais uma vez pelo ministro do STF Luiz Fux, o possível julgamento de Dallagnol,
pelo CNMP não envolve os fatos mais conhecidos de sua atuação na Lava Jato,
onde criou o power point para condenar Lula em entrevista coletiva, lançou um
projeto de formar uma fundação bilionária com recursos da Petrobrás, além de
ter sido denunciado várias vezes pelo Intercept em diálogos comprometedores
quanto à isenção e rigor de seu trabalho. Não, não é o inesquecível "Aha,
uhu, o Fachin é nosso", registrado após um dialogo com o relator da Lava
Jato no Supremo, que pode levar Dallagnol para o CNMP.
O ponto decisivo para o destino do chefe
da força tarefa foi uma entrevista de agosto de 2018, na qual acusava três
ministros da Segunda Turma do Supremo -- Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo
Lewandowski -- de formar uma "panelinha". Inconformado com uma
decisão que transferia os termos de uma delação premiada da Odebrecht para a
Justiça Federal e Eleitoral do Distrito Federal, o chefe da força tarefa
declarou a radio CBN: "é triste ver é o fato de que o Supremo,
mesmo já conhecendo o sistema, e lembrar que a decisão foi 3 a 1, os três mesmo
de sempre do STF que tiram tudo de Curitiba e que mandam tudo para a Justiça
Eleitoral e que dão sempre os habeas corpus, que estão sempre formando uma
panelinha, assim mandam uma mensagem muito forte de leniência a favor da
corrupção".
Impetrada pelo próprio presidente do
STF, Dias Toffoli, a ação contra Dallagnol representa uma nova oportunidade
para o CNMP dar uma contribuição positiva na preservação dos direitos e
garantias individuais previstos pela Constituição. Resta saber se seus
integrantes pretendem aproveitá-la.
Em fevereiro de 2016, quando examinou
uma denúncia que poderia ter anulado as investigações sobre o tríplex do
Guarujá, livrando Lula de uma denúncia injusta, o CNMP perdeu a chance de fazer
História.
Há três anos e nove meses, ficou
demonstrado por A + B que o ex-presidente fora vítima de uma investigação
enviesada, na qual não tivera um "promotor natural", que deve ser
assegurado a "todo cidadão".
O juiz federal Valter Shenquener, que
atuou no CNMP como relator, chegou a usar o termo "promotor de
encomenda", típico do regime militar, para deixar claro o erro que se
deveria evitar.
Isso porque Cassio Conserino, que
investigava Lula, não só tinha uma opinião prévia sobre o caso, conhecida
publicamente, mas não fora escolhido conforme as regras impessoais "do
promotor natural".
Apesar de saber -- na teoria -- qual era
a coisa certa a fazer, na prática o CNMP preferiu tomar a decisão errada -- na
prática. Em vez de confrontar as consequências de um erro do Ministério
Público, evitando que prejudicassem cidadãos inocentes, CNMP aprovou, no mesmo
dia, uma decisão contrariava os belos princípios que todos defendiam -- por
unanimidade.
Sem apoiar-se em qualquer argumento
jurídico plausível, decidiu que não deveria questionar os casos já em andamento
-- e assim permitiu-se que a denuncia contra Lula seguisse seu curso, embora
pudesse ter sido interrompida ali mesmo, abrindo-se uma nova investigação se
fosse o caso.
Em vez disso, o caso seguiu seu curso,
com novas demonstrações de desprezo pelos direitos do réu. Dez dias depois da
decisão do CNMP, a Polícia Federal foi a casa de Lula, em São Bernardo, para
levar o presidente para prestar depoimento em condução coercitiva.
Juíza natural do caso, Maria Priscilla
Hernandes Veiga Oliveira, do Guarujá, comarca onde se investigava o tríplex,
manteve o processo em segredo de Justiça. Mais tarde, mandou a arquivar as
denúncias contra todos acusados numa investigação que apurava denúncias de
clientes da Bancoop, a cooperativa do Sindicato dos Bancários de São Paulo. A
decisão foi confirmada em tribunal.
Só o destino de Lula foi outro. Sem
condenar nem absolver, a juíza mandou os arquivos do processo para as mãos de
Sérgio Moro, em Curitiba, onde o caso teve o desfecho que todos conhecem.
Num momento em que o esforço necessário
para garantir o respeito à Constituição ganha fêlego inédito, o Conselho
Nacional do Ministério Público tem uma oportunidade rara de mostrar ao país que
é preciso combater a corrupção -- sem atacar o Estado Democrático de Direito.
Alguma dúvida?
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Fonte: Publicado no Brasil 247
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