"A oposição terá líder e o debate político ganhará outro tom", escreve a jornalista Tereza Cruvinel após o STF derrubar prisão em segunda instância. "Não é provável que Lula volte vestido de radical e se dedique a bater boca com Bolsonaro", diz ela, acrescentando que o ex-presidente tentará "reagrupar a esquerda" e tem "trânsito com um centro que anda perdido"
*Por Tereza Cruvinel
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(Foto: Mídia NINJA)
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O quadro político em breve será outro,
quando Lula voltar ao jogo, depois de deixar a prisão. Mas antes de falar
disso, é imperioso reconhecer: o STF tomou ontem uma decisão corajosa que
fortalece a democracia brasileira e a restabelece o primado da Constituição.
Esta foi a essência do voto mais alentado do julgamento, o de Celso de Mello,
em que desconstruiu também a falácia de que a vedação das prisões em segunda
instância, para que o princípio constitucional da presunção da inocência volte
a valer, fortalecerá a impunidade e enfraquecerá o combate à corrupção. Foi o
que declarou uma Lava Jato balbuciante logo depois do resultado.
Agora Lula volta, depois de quase 600
dias da prisão que resultou de um massacre cruel e impiedoso, de um processo
judicialmente viciado cujo propósito, hoje está claro como água, não era
combater a corrupção nem fazer justiça, era tirá-lo do jogo político para que
não se elegesse presidente em 2018. Lembro-me de vê-lo dizer numa reunião
aberta do Diretório Nacional do PT, quando começou a ser caçado pela Lava Jato:
“não sei o que vai acontecer comigo mas quero dizer a vocês que vou sobreviver”.
Sobreviveu a Moro e à Lava Jato.
Suportou digna e estoicamente a prisão, não se quebrou física nem moralmente,
como seus adversários esperavam. Agora, voltando a ocupar seu lugar no
jogo político, o quadro muda.
Bolsonaro não estará mais sozinho no
proscênio deixará de ser o jogador sem contendor. Contrariando quem esperava
que se moderasse na Presidência, refugiou no bolsão radical de 30% da população
e passou a hostilizar todos os que com ele não se alinham automaticamente:
oposição partidária, imprensa, OAB, ONGs, instituições diversas e até players
internacionais. Quem não reza comigo é inimigo. Agora Lula será seu antípoda, a
oposição terá líder e o debate político ganhará outro tom. Temos sido um
país em crise discutindo abobrinhas, como as provocações, mentiras e
vulgaridades ditas ou cometidas por Bolsonaro, seus filhos e seu séquito mais
exaltado.
Não é provável que Lula volte vestido de
radical e se dedique a bater boca com Bolsonaro. Ele tem o que Bolsonaro não
tem, tino e fina intuição para fazer política, capacidade de diálogo e
agregação. Além de tentar reagrupar a esquerda, noves fora Ciro Gomes, tem
trânsito com um centro que anda perdido, assustado com Bolsonaro mas
necessitado de umas migalhas de poder para sobreviver. E neste grupo, muitos
foram aliados de Lula e andam à procura de um horizonte de futuro.
Saindo da prisão, Lula fará seu ato de
gratidão à vigília Lula Livre, aqueles que, como ontem à noite, lá estavam, na
porta da Polícia Federal, velando por ele. Depois quer se casar. A namorada vai
buscá-lo em Curitiba. Precisa também de colar alguns cacos no PT. Em
seguida vai percorrer o país, testando a própria resiliência e explorando outro
de seus trunfos, o talento para se comunicar com o povo.
O jogo muda e ninguém pode saber hoje o
que vai acontecer no Brasil. A dormência popular é grande, Bolsonaro não está
morto - ainda tem 30% de ótimo e bom, e outro tanto de regular, na
avaliação do governo – mas a economia segue parada, apesar das promessas
de Guedes, o desemprego segue alto e a pobreza cresce a olhos vistos. As
propostas de austeridade radical, desprovidas de qualquer preocupação social,
não seduzem nem os conservadores do Congresso. A trepidação política produzida
por Bolsonaro espanta investidores, como se viu no leilão do pré-sal. Com a
entrada de Lula em cena, certo é que algo vai se mover, tanto aqui
embaixo como na superestrutura política.
*Tereza Cruvinel é uma das mais
respeitadas jornalistas políticas do País
Fonte: Publicado no Brasil 247
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