Ou seja, o poder de intimidação do
bolsonarismo está não apenas na militância digital, mas na infiltração nas
instituições, nas ofensivas de procuradores, nos movimentos do Escritório do Crime.
Uma
das grandes dificuldades da análise prospectiva é encontrar o rumo em momentos
de ruptura.
Em geral, economistas, cientistas
políticos, se valem do passado para prever o futuro. Entendem todo fenômeno
político, econômico ou social, como uma linha progressiva. Como se A (ontem) +
B(hoje) = C (amanhã).
Em 1994 e 2015, por exemplo, nos dois
momentos vinha em curso um pesado processo de endividamento das empresas e
famílias, com base nas expectativas de manutenção do crescimento econômico do
período anterior. Com a reversão do cenário, e ainda uma inflação renitente no
horizonte, a maneira de trabalhar a situação seria flexibilizar o crédito,
induzindo a renegociações de dívida, para permitir a empresas e famílias
voltarem ao patamar anterior de endividamento.
Mas decidiu-se partir para os
tratamentos convencionais, aplicando um choque de crédito e juros na economia.
As consequências foram quedas drásticas do PIB, festivais de inadimplência e
quebras de empresa, tanto em um caso como em outro.
No campo político, a mesma coisa ocorreu
na análise da ascensão social da classe C. A física ensinou que um corpo
qualquer, submetido a mudança de uma partícula que seja, se transmuda em um
novo corpo. Entendeu-se que o incluído continuava a ser um cidadão com cabeça
de Classe C e bens de consumo de Classe B. E foram eles que engrossaram os
protestos das ruas.
As eleições comprovaram a precariedade
das análises baseadas no histórico de outras eleições. Em todas elas, depois de
Fernando Collor, havia uma polarização em torno do PSDB e do PT. No início de
campanha, havia espaço para um outsider. Depois, ocorria a polarização. Ambos
os partidos, PT e PSDB, detinham os maiores horários de TV. Logo, associaram-se
os horários maiores aos resultados das eleições. E concluiu-se que, em 2018,
passado o entusiasmo inicial com Bolsonaro, as eleições seriam decididas entre
o PT e o PSDB. Deu no que deu.
O mesmo pode estar ocorrendo agora, com
análises otimistas de que a democracia brasileira não corre riscos – não estou
me referindo às declarações de Luis Roberto Barroso, que têm tanto valor
científico quanto qualquer conversa de pub. A visão otimista é que podem ser
cometidos abusos verbais, mas as instituições continuam fortes para impedir
qualquer aventura. Os argumentos em favor da tese são os recuos dos Bolsonaro,
a cada exagero maior. E o fato de que, passando pelo 5º andar, o corpo que
despenca ainda estar incólume.
Em sua última palestra, Barroso e valeu
do livro “Como as democracias morrem”, para sustentar que a democracia
brasileira não corre riscos. A mauior lição do livro é que as democracias
morrem quando as leis passam a ser interpretadas de acordo com o viés político
do intérprete e se naturalizam os discurso contra direitos e contra a própria
democracia.
Na outra ponta, há a hipótese de que, a
cada dia os Bolsonaro vão testando os limites das instituições. Onde não há
resistência, avançam. Onde há, ensaiam desculpas, mas não desistem; se preparam
para novas rodadas. A comprovação é que, simultaneamente ao pedido de
desculpas, através de seus perfis ou de seus tuteiros, reiteram as provocações,
mantendo a militância mobilizada em guerra permanente contra as instituições.
Foi assim que passaram a controlar a
Polícia Federal, a Procuradoria Geral da República, a impor vetos políticos nos
patrocínios culturais do governo, a aparelhar o IBAMA, a Funai, a coordenar, a
partir do próprio Palácio, assassinatos de reputação de inimigos ou
dissidentes, a ameaçar anunciantes de jornais, a desmontar conselhos de
participação e a tentar intimidar o próprio Supremo Tribunal Federal (STF). Não
avançaram mais por ausência de competência – não ausência de intenção ou de
ousadia.
A minimização do risco se deve a uma
análise histórica que mostra que, em todos os golpes, o poder foi
compartilhado, com o Exército, com lideranças políticas regionais, com a
plutocracia, impedindo o exercício do poder absoluto.
Não há outro momento na história similar
ao atual. Há uma correspondência no período 1964-1970, com a repressão por cima
encontrando eco por baixo, mas restrito a classe média universitária, nos
Comandos de Caça aos Comunistas, e nos delatores de cidades menores. Havia os
porões da ditadura cometendo crimes, debaixo de um comando central, mas não um
potencial de violência difusa, como nos tempos atuais.
O que se tem, hoje em dia, é a
disseminação do bolsonarismo por todos as instâncias do Estado e da sociedade
nacionais, potencializado pelos efeitos explosivos das redes sociais. Há
bolsonaristas militantes na 1ª instância do Judiciário, dos Ministérios
Públicos, das Policias Militares, na mídia, nas associações empresariais, nas
cidades do interior. Há um braço armados nas milícias, em grupos de ruralistas,
no baixo clero das forças policiais. E aí já se está falando em grupos que
obedecem a Escritórios do Crime e quetais, em braços armados. Até o 5º andar
ainda não resolveram partir para a luta aberta.
Ou seja, o poder de intimidação do
bolsonarismo está não apenas na militância digital, mas na infiltração nas
instituições, nas ofensivas de procuradores, nos movimentos do Escritório do
Crime. E, ao contrário de outros tempos, não se tem um poder institucional para
garantir a segurança dos atingidos. O governador Wilson Witzel recusou
segurança para parlamentares ameaçados pelas milícias. O Ministro Sérgio
Moro, comandante da Polícia federal, e o Procurador Geral Augusto Aras,
comandante do poder incumbido de fiscalizar a polícia, são homens de Bolsonaro.
Pode ser que os poderes constituídos
consigam segurar o corpo da democracia antes de bater no chão. Pode ser que
não.
O que não pode acontecer é a tentativa –
por parte de setores responsáveis – de minimizar os riscos à democracia. Tem-se
efetivamente uma democracia em risco. Talvez o maior risco desde a
Independência.
Fonte: Publicado no Jornal GGN
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