Ao longo da história do país, o clientelismo
político foi preservado, e assim carregamos a herança de que a entidade
privada precede à pública. Uma herança racial e mórbida, latifundiária e
aristocrática, do sistema senhorial que trancafia um projeto político
autônomo, democrático e popular
A política pública não deve ser utilizada como instrumento de
relação clientelista de cunho personalista. As estruturas institucionais
de Poder também não devem ser utilizadas como formas de relações
clientelistas. Não é do feitio do Estado Republicano se comportar como
sujeito do clientelismo, como também não é prerrogativa da elite
política e elite do serviço público estabelecer relações clientelistas. O
clientelismo na administração pública é senão uma forma distorcida dos
interesses republicanos.
Olhando para os longos quatro séculos do Brasil colonial e um de
nossa República, não estaria o clientelismo enraizado em nossa cultura?
Não seria o clientelismo uma forma mais fácil e prática de solução de
problemas de ordem pessoal e até mesmo coletiva? Em todo caso, esse tipo
de comportamento personalista é que assegura uma estabilidade política
aparente no país, de modo que seu rompimento levaria uma anarquia
popular e uma rebelião patronal.
As elites brasileiras que declararam a Independência (1822) e
proclamaram a República (1889), compunham-se de fazendeiros, membros da
aristocracia que dispunham de título de nobreza e comerciantes que
transitavam nesse círculo. Em ambas as ocasiões, mantiveram a tradição
agrária exportadora, a grande propriedade e o sistema político de
clientelista.
Opuseram-se aos princípios do liberalismo europeu e à política de distribuição de terras a exemplo do Homestead Act
(1862) dos Estados Unidos. Isto é, na Europa o liberalismo representava
uma ideologia burguesa associada do desenvolvimento do capitalismo e
nos Estados Unidos o Homestead Act distribuía terras para todos que desejassem nela se instalar e produzir.
Quanto aos liberais brasileiros, se curvaram à dominação tradicional
ajustando-se ao sistema de clientela, não se rebelando contra a
escravidão e o latifúndio. Frequentemente apoiavam causas conservadoras
que contrariavam a essência do espírito liberal burguês. Quanto a Homestead Act que distribuía terras públicas para despertar o “espírito burguês”, a Lei de Terras
(1850) restringiu a terra dificultando sua distribuição, favorecendo
assim sua concentração e conservação da estrutura patrimonialista.
O clientelismo marcou o período colonial e marca a República
brasileira, na qual a aliança entre os homens que ocupam posições
públicas e os interesses privados é o símbolo dessa união. Essa Santa Aliança está comprometida em repelir todas as manifestações que podem vir a eclodir esse sistema de dominação.
Montado segundo a lógica patrimonialista, o sistema clientelista e de
patronagem é indelével de uma herança colonial que nos legou a cultura
do jeitinho brasileiro que perpassa a universidade, o salão
paroquial e a mercearia do seu Zé. Oriundo de um Pacto Colonial, a
conduta clientelista, seus valores, seu comportamento social só pode ser
compreendido hoje quando se tenha em conta o fenômeno da dominação
tradicional do tipo weberiano.
Ainda que clientelismo no Brasil seja muito potente, suas raízes
estão em nossa formação colonial. Nossa herança colonial não pode ser
negligenciada na Formação histórica da nacionalidade brasileira (Oliveira Lima, 1911) como também na Formação econômica do Brasil (Celso Furtado, 1959) e Evolução política do Brasil (Caio Prado, 1933).
Sérgio Buarque, ao escrever Raízes do Brasil (1936),
observou que “O Estado, ao contrário do que presumem alguns teóricos,
não constitui uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma
integração de certos agrupamentos, de certas vontades particularistas,
de que a família é o melhor exemplo”. Porém, na sua ampla maioria, os
homens que ocupam posições públicas não compreendem a distinção entre os
domínios do privado e do público.
Raymundo Faoro, em Os donos do poder (1958), também fez essa
observação de que o patronato político brasileiro está subordinado à
cultura do patrimonialismo português. No bico de pena da passagem do
regime imperial ao republicano, o clientelismo é reforçado. Isto é, Ordem e Progresso (Gilberto Freyre, 1957) da República não levaram a um processo de desintegração da sociedade patriarcal.
A vinda da Família Real para o Brasil (1808), Independência (1822),
Abolição da Escravidão (1888) e a Constituição da República (1889) são
partes importantes da etapa de nossa evolução política, econômica e
cultural. Também de grande expressão nacional é a Revolução de 1930.
Ainda dentro da evolução política que marcaram nossa história, podemos
citar o Golpe Militar (1964), Redemocratização (1985), Constituição
(1988) e o recente Golpe na democracia (2016).
Todavia, na temporalidade do conjunto dessas relações sociais, o
clientelismo político foi preservado, de forma que carregamos uma
herança de que a entidade privada precede à pública. Uma herança racial e
mórbida. Uma herança latifundiária e aristocrática. Enfim, carregamos
uma herança dos velhos vínculos do sistema senhorial que trancafia um
projeto político autônomo, democrático e popular.
Sob o complexo patriarcal da Casa Grande, as relações sociais
clientelistas construídas e perpetuadas ao longo da história do Brasil
podem ser encaradas como um Retrato do Brasil (Paulo Prado,
1928). Sem medo, essa forma de dominação tradicional de pretensão
personalista se assemelha a uma criança com doença crônica. Dessa forma,
no Brasil, a concepção de Estado e democracia construída pelas elites
nativa desligou-se e desliga-se do espírito Republicano, prevalecendo às relações de clientelismo político numa extensa rede de favores.
Assim, para simplificar, o que temos no Brasil é uma República Inacabada (Raymundo Faoro, 2007).
* Juliano Giassi Goularti é doutorando do Instituto de Economia da Unicamp.
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