*Por Claudia Wallin, de Estocolmo
Finlândia: o Brasil às avessas |
Enquanto o governo do Brasil se dedica a suprimir direitos
sociais a golpes de caneta e cassetete, eis a questão que superaquece os
neurônios finlandeses neste cruel inverno nórdico: se o governo der aos
cidadãos dinheiro suficiente para pagar as contas do mês, será que eles
ficarão em casa jogando a viciante invenção nacional, o Angry Birds? Ou
continuarão acordando para trabalhar e fazer coisas produtivas?
O enigma paira sobre o mais novo experimento social
projetado pela Finlândia – a introdução de uma renda mínima universal
para todos os habitantes do país. Dinheiro livre, sem nada em troca. Não
importa se o cidadão é um miserável ou um bilionário. O simples fato de
viver na Finlândia daria a ele esse direito.
Louco ou visionário, o plano do governo é pavimentar o
caminho para o que os finlandeses definem como o novo modelo de
Previdência Social dos anos 2020.
O modelo será testado a partir de janeiro de 2017, com um
grupo inicial de dois mil finlandeses. Cada um vai receber do Estado uma
renda mínima de 560 euros mensais (o equivalente a cerca de dois mil
reais) – isenta de impostos. A ideia é conduzir o teste-piloto durante
2017 e 2018, e produzir uma avaliação dos resultados em 2019.
A proposta da renda mínima universal é substituir todos os
auxílios sociais oferecidos atualmente pelo Estado por um único
benefício, a ser distribuído igualmente para todos.
Em outras palavras, não haveria mais auxílio-moradia,
seguro-desemprego, auxílios para deficientes e nem verbas para
estudantes. Estes e outros benefícios atuais seriam em tese
desnecessários, pois cada cidadão receberia do Estado, automaticamente, o
mínimo suficiente para viver.
Parece paradoxal, mas dar a cada cidadão uma renda mínima
pode sair mais barato para o governo do que o sistema atual. Hoje,
milhares de funcionários públicos são necessários para administrar uma
complexa rede de programas sociais oferecidos pelo Estado de Bem-Estar
social finlandês. Já o modelo da renda mínima poderia ser gerenciado por
um número bem menor de servidores – já que o sistema enterraria a
burocracia exigida para determinar se um indivíduo tem de fato o direito
de receber este ou aquele benefício social.
Também soa paradoxal, mas a meta do experimento finlandês
também é exatamente promover o trabalho: hoje, conseguir um trabalho
temporário, por exemplo, pode significar o corte de diferentes
benefícios sociais.
O modelo experimental deste bolsa-família turbinado está
sendo articulado pelos estrategistas do Kela, o Instituto Nacional de
Seguridade Social da Finlândia, em mutirão com pesquisadores de
diferentes organizações do país. Feito o experimento, será possível
avaliar se um modelo de Previdência Social sem regras pode resultar em
uma sociedade mais feliz, e mais produtiva.
O plano finlandês é pioneiro: um sistema puro de renda
mínima universal não existe em nenhum lugar do mundo. Mas a crise
financeira internacional, e o consequente aumento da desigualdade
social, fazem crescer na Europa os movimentos que defendem a ideia de
uma renda mínima universal.
Economistas como Thomas Piketty apontam que a concentração
da riqueza aumenta em todos os países desenvolvidos, e muitos alertam
que talvez todos tenham que aprender a viver com um significativo e
permanente índice de desemprego. Uma grande onda de automação
industrial, conforme já previu estudo da Universidade de Oxford, tem o
potencial de eliminar até 47% dos postos de trabalho em um futuro não
muito distante.
O raciocínio é que, em um mundo no qual apenas uma parcela
da população terá empregos tradicionais, será preciso criar um novo
sistema de bem-estar social a partir de uma distribuição mais justa da
riqueza.
Vários países europeus já consideram a ideia de uma renda
mínima universal – na Suíça, a proposta foi rejeitada este ano pela
população através de um referendo popular, que é como os suíços gostam
de tomar as suas decisões.
Já a Holanda também planeja para o próximo ano um teste-piloto sobre uma renda mínima para todos.
Mas qual seria o valor ideal de uma renda mínima universal? Há controvérsias.
Teoricamente, a renda mínima deve ser suficiente para um
cidadão viver de forma frugal. Antes que se possa abrir um debate
improvável sobre a questão no distópico Brasil atual, portanto, seria
necessário explicar a políticos e juízes brasileiros o que é viver de
forma frugal.
O desafio é encontrar o ponto de equilíbrio: um valor baixo
demais não resolveria o problema, e um valor muito alto poderia ser um
desestímulo ao trabalho.
“A meta do experimento da renda básica universal é ajustar a
Previdência Social finlandesa às mudanças na natureza do trabalho,
tornar o sistema mais participatório, fortalecer os incentivos ao
trabalho, reduzir a burocracia e simplificar o sistema de benefícios
sociais de forma a garantir a sustentabilidade das finanças públicas”,
diz a literatura oficial sobre o experimento finlandês.
Engana-se, aparentemente, quem acha que uma renda mínima
concedida pelo Estado levaria os cidadãos instantaneamente para debaixo
do coqueiro mais próximo: diferentes estudos já conduzidos sobre o tema
apontam que apenas uma minoria ficaria em casa, vivendo com o mínimo
necessário para sua subsistência.
O fato é que, garantida a estabilidade financeira básica, o
indivíduo estaria teoricamente livre para fazer o que desejasse –
arriscar-se a abrir o negócio com que sempre sonhou, procurar um
trabalho mais satisfatório, reduzir a carga de trabalho em troca de
maior qualidade de vida, ou caçar ratos no Congresso.
O que você faria?
* Claudia Wallin é uma jornalista brasileira radicada em Estocolmo, na Suécia, e autora do livro "Um país sem excelências e mordomias".
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