Por Tereza Cruvinel
Nestes últimos meses em que praticamente todos os setores da vida
pública ficaram moralmente rotos e esfarrapados, os condutores da Lava
movimentaram-se sob um halo de pureza e respeito pela cruzada contra a
corrupção, que se projetou também sobre o conjunto do Judiciário e do
Ministério Público. Esta luz de Curitiba agora começa a esmaecer, com os
procuradores e juízes adentrando também na bruma dos que defendem
privilégios, quando buscam a prerrogativa de não se submeterem à
Constituição. O lobby dos procuradores contra a possibilidade de
responderem por crimes de responsabilidade, a ira dos juízes e das
instituições da magistratura contra a iniciativa do Senado de investigar
os supersalários e de aprovar uma lei sobre abuso de autoridades podem
acabar sendo um tiro no pé. Ao som das palmas começa a juntar-se um
arrulho de rejeição a esta busca da intocabilidade.
Nesta quinta-feira o deputado Paulo Pimenta fez um
vigoroso discurso contra o esforço para transformar juízes e
procuradores numa casta, advertindo para o risco de estar sendo jogado
fora todo o esforço para combater a corrupção e estabelecer regras mais
rígidas contra os privilégios de toda espécie, e também contra os abusos
de autoridade, em todas as esferas. “Qual é a lógica de se aprovar
uma lei mais dura contra a corrupção e ao mesmo tempo instituir-se uma
casta de juízes e promotores intocáveis, que não precisam respeitar o
teto salarial e que não podem ser investigados quando cometem crimes?”,
perguntou Pimenta, dirigindo-se às duas maiores estrelas da Lava Jato:
- “Dallagnol, você está abaixo da lei. A Constituição deve valer para todos. Sérgio Moro, você é um mortal como qualquer outro. Se você cometer um crime, como cometeu quando divulgou interceptações ilegais da Presidenta da República, você tem que responder por esse crime”.
- “Dallagnol, você está abaixo da lei. A Constituição deve valer para todos. Sérgio Moro, você é um mortal como qualquer outro. Se você cometer um crime, como cometeu quando divulgou interceptações ilegais da Presidenta da República, você tem que responder por esse crime”.
É quase inacreditável, disse Pimenta, que a Câmara tenha
recebido uma comissão de procuradores que veio de Curitiba, com dinheiro
público, pressionar o relator das “Dez Medidas contra a Corrupção” para
não incluir no texto a possibilidade de procuradores serem processados
por crime de responsabilidade. E o relator, deputado Onyx Lorenzoini,
os atendeu. Como pode, num momento destes, o Senado ser acusado de
revanchismo por ter criado uma comissão para investigar os supersalários
que, em todos os poderes, ultrapassam o teto constitucional? Recordou o
deputado que jornais e jornalistas, país afora, vêm sendo processados
por divulgarem os salários do Judiciário.
Refrescando as memórias, Pimenta citou alguns casos de
juízes que, tendo incorrido em delitos e desvios graves, foram punidos
apenas com a aposentadoria de salário integral.
- Em São Paulo, está provado que empresários pagaram a promotores para não serem punidos pelo acidente no metrô e foram absolvidos. Contra o promotor, até agora,nada.
- Em Santa Maria, ninguém foi condenado pelo acidente na boate Kiss, que matou tantos jovens. Mas três pais e uma mãe estão sendo processados por um juiz que se irritou com a cobrança deles sobre a demora no julgamento. Correm o risco de serem os primeiros e talvez únicos condenados. Por “abuso do direito de reclamar”.
- Uma juíza, envolvida com um dos maiores narcotraficantes do pais, que vendia sentenças para traficantes, foi condenada pelo CNJ à pena máxima: aposentadoria com salário integral.
- Há 15 dias, aquela outra juíza que manteve uma jovem numa cela com mais de 20 homens no Pará, permitindo que fosse seguidamente estuprada, foi punida com um afastamento do cargo por dois anos, preservado o salário integral.
Concurso público, para juiz, procurador ou qualquer
outro cargo, não torna ninguém mais honesto nem o coloca acima da lei.
Quem delega poder é o povo. Ao Executivo e ao Legislativo, lembrou
Pimenta concluindo: “Não podemos aceitar que sejam agora entronizados
como intocáveis estes príncipes da administração pública, uma casta
temida, protegida e privilegiada, que não pode ser investigada. Vamos
fazer o que tem de ser feito, mas para os três poderes. O Executivo, o
Legislativo e o Judiciário devem ser tratados da mesma forma. Essa é a
expectativa da sociedade”.
Volto ao tiro no pé. Os que acreditaram que a Lava Jato ajudaria a passar o Brasil a limpo, agora se surpreendem com a seletividade da cruzada moralizante. E não será bom para um país já tão enfermo que caiam todos na vala comum, inclusive os que vinham sendo vistos como puros e salvadores da pátria.
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