*Por Pedro Rossi
No linguajar popular, “vender gato por lebre” é o mesmo que enganar
alguém intencionalmente. Pois é o que o discurso oficial tem feito;
vende a falsa ideia de que a aprovação da PEC 55 vai trazer crescimento e
estabilidade fiscal, mas, no fundo, entrega outro projeto de sociedade,
incompatível com a Constituição de 1988.
Para o remédio funcionar, primeiro é preciso acertar o diagnóstico.
Mau começo, a PEC 55 parte do diagnóstico equivocado de que o gasto
primário é a principal causa do aumento da dívida pública. Na última
década, o Brasil só teve déficit primário nos últimos dois anos; como
isso explica o aumento da dívida pública? Esta cresceu por conta da
acumulação de ativos públicos (principalmente reservas cambiais), da
enorme queda da arrecadação nos anos recentes – decorrente da crise e
das desonerações fiscais – e do aumento dos gastos com juros, que em
2015 somaram mais de R$ 500 bilhões (ou 8% do PIB).
Além disso, a defesa da PEC se apoia no argumento de que o ajuste
fiscal traz crescimento econômico e redução dos juros. Mas isso é alvo
de controvérsia entre os economistas, as experiências com austeridade
mostram o contrário; corte de gastos públicos em momentos de crise
econômica são contraproducentes e tendem a fragilizar a economia e
piorar a situação fiscal.
O documento Austeridade e Retrocesso: finanças públicas e política fiscal no Brasil [elaborado
por iniciativa do Fórum 21, Fundação Friedrich Ebert, GT de Macro da
Sociedade Brasileira de Economia Política e Plataforma Política Social]
apresenta uma projeção dos gastos públicos do governo federal sob a
vigência da PEC 55. O gasto total do governo federal passaria de 20% do
PIB em 2015 para 12% em 2036. Nesse mesmo período, os gastos com
despesas previdenciárias vão subir de 7,4% do PIB para 9,1% do PIB, em
um cenário que já considera a reforma da previdência. Isso significa que
os demais gastos serão espremidos. Ou seja, se o objetivo for congelar o
gasto real com saúde e educação, este passará de 4% do PIB em 2015 para
2,7% do PIB em 20 anos, quando a população brasileira será 10% maior.
Enquanto que os outros gastos (excluindo previdência e juros), que eram
de 7% do PIB em 2015, serão de 0,6% do PIB em 2036.
Nesse contexto, é possível aumentar a qualidade da educação e saúde
públicas? É possível enxugar todos os outros gastos (Judiciário,
Legislativo, Polícia Federal, Exército, investimento, cultura, bolsa
família etc.) para caber em 0,6% do PIB? Talvez nas planilhas dos
tecnocratas, mas isso não parece factível aos olhos de qualquer gestor
público. A PEC 55, além de socialmente injusta e tecnicamente
equivocada, é inviável sem a conflagração de graves conflitos dentro e
fora do orçamento público.
Em síntese, a PEC 55 não é um plano de estabilização fiscal, mas um
projeto de Estado mínimo. Se a sociedade brasileira optar por esse
caminho, tudo bem, mas isso sequer está sendo debatido e muito menos foi
legitimado em um pleito eleitoral.
Por fim, ser contra a proposta não significa ser contra o ajuste das
contas públicas, pois existem diversas alternativas que não sacrificam
os gastos sociais e nem comprometem o funcionamento da máquina pública.
*Pedro Rossi é professor do Instituto de Economia da Unicamp, diretor do Centro de
Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp e coordenador do
Conselho Editorial do Brasil Debate.
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