"Na Rocinha, escola
fascina alunos com metodologias de ensino inovadoras: não há quadro negro,
carteiras individuais ou turmas tradicionais. Resultado: estudantes não querem
ir embora para casa."
Por Roberta
Jansen, DW Brasil
Do
alto do pátio da Escola Municipal André Urani dá para ver, olhando para
baixo, o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar e a Lagoa, ícones da cidade rica.
Para cima, surge a comunidade da Rocinha – a maior do país, com quase 70 mil habitantes,
símbolo da desigualdade.
“Tem até um muro ali, tá vendo?“,
aponta o aluno João Paulo do Nascimento, de 14 anos.
“Ele
simbolicamente divide a cidade em duas.”
“E
nós estamos bem no meio, entre elas“, acrescenta o também estudante João
Victor Luiz, de 15 anos.
A
metáfora da cidade partida não poderia ser mais apropriada, sobretudo partindo
das observações e conclusões dos dois meninos.
A
escola, onde estudam 240 adolescentes da Rocinha e
comunidades vizinhas, é um Ginásio Experimental de Tecnologias Educacionais (Gente) – uma
parceria da Prefeitura com a iniciativa privada, cujo objetivo é testar
metodologias de ensino inovadoras.
Aqui,
não existe quadro negro, nem carteiras individuais. Desaparecem as turmas
tradicionais, surgem os times, que reúnem, em um grande salão, alunos do
sétimo, oitavo e nono anos. A internet
não é proibida, pelo contrário, ela é parte central do aprendizado.
Munidos
de computadores e livros, os estudantes se sentam em mesas hexagonais, uns de
frente para os outros, e estudam juntos. Na verdade, eles seguem planos de
estudo personalizados, disponíveis em seus laptops, mas contam com a ajuda dos
colegas e de suas próprias pesquisas online. Tudo isso sob a monitoria de
professores de diferentes disciplinas.
“Um
médico do século 19 que chegasse hoje a um hospital não conseguiria fazer
absolutamente nada, porque tudo mudou“, compara o diretor-presidente da Fundação
Telefônica-Vivo, uma das empresas parceiras da escola. “Mas um professor
não, é basicamente a mesma coisa. Ou seja, temos escolas do século 19 para
alunos do século 21. As escolas inovadoras são muito poucas.”
Laboratórios
como estímulo
Nos
chamados laboratórios, mais parecidos com as salas de aula tradicionais, os
jovens recebem um reforço de conteúdo nas disciplinas em que apresentam mais
dificuldades. São sete horas dentro da escola – duas a mais do que as escolas
brasileiras oferecem em média – e ninguém parece ter pressa de ir para casa.
“Só
mais meia hora“, pedem os alunos da professora de Português Luana Rezende,
que transformou o ensino da língua em um divertido jogo. “Por favor!” A
turma só se convenceu a descer para almoçar depois que Luana prometeu retomar o
jogo exatamente do mesmo ponto, na semana seguinte. “Eu estou muito cansada,
gente“, justifica ela, orgulhosa, o sorriso de orelha a orelha.
No
total, são 16 professores trabalhando em tempo integral na escola. Nos projetos
especiais, os alunos trabalham com várias disciplinas ao mesmo tempo. Foi assim
ao longo da última semana de outubro, por exemplo, quando eles estudaram o
Halloween, tanto nas aulas de inglês quanto de história, e, por fim, fizeram
uma festa.
Foi
assim também que eles estudaram o nazismo,
construindo uma maquete de Auschwitz, no laboratório de ciência, e escrevendo cartas,
nas aulas de história, como se fossem prisioneiros do campo de concentração em
1944. “Temos cartas de judeus, claro, mas também de comunistas, de ciganos,
de todos que estiveram presos no campo“, explica João Paulo.
Silêncio
e concentração
A
escola experimental atende alunos do sétimo ao nono anos apenas. Eles vêm de
escolas tradicionais na própria comunidade e, depois, seguem estudando em
lugares convencionais.
“No
começo, é difícil“, conta a diretora da André Urani,
Marcela Oliveira. “Eles chegam aqui esperando receber ordens, querem que a
gente resolva os problemas. Por outro lado, quando percebem que têm autonomia,
deixam de fazer os trabalhos, começam a burlar as regras. Depois, com a
orientação dos mentores, eles vão se adaptando.”
A
adaptação é surpreendente. Em toda a escola, reina um silêncio inesperado para
um local repleto de adolescentes. Mesmo na hora do recreio, o burburinho é
mínimo.
“Eles
são adolescentes, continuam sendo, mas têm autonomia, não precisam mostrar toda
a sua indignação“, explica Marcela. “Daí o silêncio que você está vendo.”
Os
alunos se entristecem ao falar de sua saída eminente da escola.
“Estamos
tentando convencê-los a fazer uma sala de aula extra para que possamos
continuar aqui“, diz João Victor.
“Não
queremos ir embora de jeito nenhum“, garante João Paulo.
Resignados,
no entanto, eles fazem planos de voltar em dez anos.
“Eu
vou ser professor de História“, conta João Paulo.
“E
eu de matemática“, arremata João Victor.
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