*Por Tereza Cruvinel
Eles eram 40 ou 50 e podem não constituir um movimento organizado,
mas isso não suprime a gravidade do fato. As cenas da invasão da
plenário da Câmara por exaltados de extrema direita, que encarapitados
sobre o platô da Mesa Diretora gritavam por “um general aqui”, falam de
um país surtado, desnorteado, que nada aprendeu com os 21 anos de
ditadura militar. O ministro da Defesa Raul Jungmann acerta ao pedir uma
punição exemplar para este ato que representa um crime contra o Estado
Democrático de Direito mas discordo da primeira parte de sua avaliação:
“É um fato que representa um total descompasso com o clima democrático
e com o papel constitucional das Forças Armadas", disse o ministro.
A Constituição é clara quanto ao papel dos militares e eles têm sido,
até aqui, irrepreensíveis em sua observância, mantendo-se distantes do
caldeirão político, afora a infiltração mal esclarecida de um oficial do
Exército entre manifestantes paulistas. Mas com o “clima democrático”,
não há descompasso. Os exaltados que invadiram o plenário são o
subproduto do golpe e o resultado das doses maciças de veneno destiladas
pelos alimentadores da crise que o propiciou. Se as elites políticas
puderam arranhar a Constituição para derrubar uma presidente eleita e
entronizar um governo sem voto, os intoxicados se sentem agora no
direito de invadir uma casa do Congresso, pedir a intervenção militar e
um general no plenário, substituindo o que não honram a vontade
popular.
Os vivas a Sergio Moro, no início da invasão, reiteram que o combate à
corrupção, instrumentalizado para derrubar o governo petista e
desmoralizar a esquerda, transformou-se no combustível da extrema
direita, dos intolerantes, dos autoritários, dos que renegam a
democracia. Fatos como o de ontem mostram que o país esqueceu as lições
da ditadura, ou não aprendeu nada com todos os sofrimentos que ela nos
impôs. Não cultuamos a memória e a verdade o suficiente para
comprometer as novas gerações com o legado da democracia. O Brasil,
diferentemente do países vizinhos que enfrentaram ditaduras - e até por
conta de sua transição pactuada e conciliadora – descuidou da educação
política, não produziu vacinas democráticas, não puniu os criminosos da
ditadura e aí está o resultado. Há gente pedindo novamente que o
cassetete substitua o voto, e depois disso vem sempre a tortura, a
censura, a força bruta, o cálice.
A esquerda, que por ter pegado em armas é sempre acusada de não ter
lutado pela democracia, mas para impor outro tipo de ditadura, pagou
caro e aprendeu muito mais, tornou-se mais democrática. Os liberais, os
conservadores e a direita, não. Na primeira crise política grave após a
redemocratização, não hesitaram em torcer as leis para forjar um golpe
com nome de impeachment. Aí está o resultado.
Jugmann pediu punição exemplar mas li que, depois de prestaram
depoimento à Polícia Federal, foram todos liberados. Li também que a
polícia legislativa constatou que havia pessoas armadas no plenário.
Lembro o artigo quinto da Constituição, que tem um inciso claro sobre
insurgências desta gravidade:
“XLIV - constitui crime
inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou
militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.
Sem punição exemplar, sabotar a democracia vai se tornar corriqueiro.
E mais exemplares que estejam sendo os militares, água dura em pedra
dura, uma hora fura.
*Tereza Cruvinel é uma das mais respeitadas
jornalistas políticas do país. É colunista do 247.
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