Assassinatos da vereadora carioca e de seu motorista seguem sem
respostas, um reflexo da complexidade da criminalidade no Rio de Janeiro
Por João Soares
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Protesto no Rio de Janeiro depois da morte da vereadora Marielle Franco. Fernando Frazão/Agencia Brasil |
Quando a execução de Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes estava prestes a completar 60 dias, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, disse que a investigação estava chegando à etapa final. Nesta sexta-feira 14, os crimes completam seis meses sem solução.
Na
ocasião do pronunciamento de Jungmann, a Polícia Civil trabalhava com a
hipótese de que a morte da vereadora teria sido motivada por ela
contrariar interesses de milicianos envolvidos em disputas de
territórios na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Essa linha de investigação
se baseava no depoimento de uma testemunha que relacionou o crime ao
assassinato de um assessor informal do vereador Marcello Siciliano (PHS), colega de Marielle na Câmara do Rio.
Em junho, porém, a revista Veja noticiou
que o promotor Homero Freitas Filho, coordenador da força-tarefa criada
pelo Ministério Público do Rio para acompanhar o caso, tinha dúvidas
sobre a validade do depoimento da testemunha em questão. Ele considerou o
relato incoerente, uma vez que a atuação de Marielle na região era
"incipiente” e não justificaria sua morte.
No
decorrer das investigações, a Polícia Civil e o Ministério Público do
Rio reforçaram a postura de manter em sigilo o andamento do caso. Mas,
no mês passado, ganhou força a tese em torno da motivação política do
crime. Em entrevista a um programa do canal Globo News, o ministro
Jungmann revelou que o crime envolvia a participação de agentes do
Estado. "Envolve, inclusive, setores ligados seja a órgãos de setores do
Estado, seja a órgãos de representação política”, disse.
Dois dias após a declaração, a Veja publicou
que três deputados da cúpula do MDB-RJ estão sendo investigados por
participação no assassinato da vereadora. São eles Edson Albertassi,
Jorge Picciani e Paulo Melo – os dois últimos, ex-presidentes da
Assembleia Legislativa do Rio. O trio está preso desde o ano passado,
acusado de envolvimento com uma máfia de empresários de ônibus do
estado.
De
acordo com essa hipótese, a execução de Marielle seria uma vingança
contra o deputado estadual Marcelo Freixo, com quem a vereadora
trabalhou por 11 anos. Uma ação judicial movida por ele impediu que
Albertassi disputasse uma cadeira de conselheiro no Tribunal de Contas
do Estado, o que levaria qualquer processo judicial contra ele e outros
denunciados no mesmo processo para o Superior Tribunal de Justiça, em
Brasília. Os três deputados investigados se posicionaram por nota à
reportagem negando qualquer envolvimento com a morte da vereadora.
Paralelamente, o jornal O Globo revelou
a existência de outra linha de investigação na Polícia Civil, a qual
não é conflitante com as outras. Uma reportagem do dia 20 de agosto
informa a descoberta do Escritório do Crime, um grupo de elite de
matadores no Rio, formado por policiais e ex-policiais, entre eles um
major da ativa e um ex-oficial do Bope. Seus membros seriam altamente
especializados em execuções por encomenda, sem deixar rastros.
O
envolvimento desse grupo no caso seria uma das hipóteses levantadas
pela polícia para justificar a dificuldade na elucidação do assassinato.
A reportagem diz, ainda, que a execução de Marielle pode ter custado
200 mil reais aos mandantes. Após a repercussão internacional do caso, a
quadrilha teria pedido mais dinheiro. Com atuação no país inteiro, a
quadrilha conhecida como "escritório do crime" cobra de 200 mil reais a 1
milhão pelos "serviços”.
A
polícia chegou a essa hipótese a partir do interrogatório de um
integrante da quadrilha. Dados de antenas de celulares, cruzados com um
aparelho usado pelo suspeito, indicaram que ele estava no bairro do
Estácio, onde aconteceu o crime, no dia e hora do assassinato. Além
disso, o carro usado pelos assassinos foi flagrado enquanto passava pelo
Itanhangá, onde fica a Favela Rio das Pedras, um dos redutos dos
matadores.
Federalização em debate
Ao
longo dos últimos meses, a possibilidade de federalizar a investigação
das mortes de Marielle e Anderson apareceu algumas vezes no debate
público. No mês passado, Jungmann colocou uma equipe da Polícia Federal à
disposição, mas a Polícia Civil do Rio recusou a oferta, de acordo com o
ministro. Ouvido pela DW Brasil, o deputado estadual Marcelo Freixo afirmou não apoiar a iniciativa e criticou a atuação de Jungmann no caso.
"Não
acho que a Polícia Federal tenha mais conhecimento sobre o caso do que a
Polícia Civil, tampouco sobre o contexto do Rio de Janeiro. Portanto,
não apoio a federalização. Ao longo desse processo, Jungmann mais
atrapalhou do que ajudou. Falou que o caso estava próximo de uma
solução, e vemos que não era realidade”, disse o deputado.
Apesar
de apoiar a permanência do caso na esfera estadual, Freixo cobrou
celeridade na investigação e criticou a insistência na linha de
investigação inicial, considerada equivocada pelo deputado. Ele vai
prestar depoimento à polícia até a próxima semana sobre a possível
participação de membros do MDB-RJ no crime.
"A
gente quer que a polícia descubra quem ordenou a execução da Marielle e
por que ela foi morta. Enquanto isso não se tornar público, nenhum
político, jornalista ou juiz estará em paz no Rio de Janeiro”, afirmou.
No
fim do mês passado, a arquiteta Mônica Benício, viúva de Marielle,
esteve reunida com o ministro dos Direitos Humanos, Gustavo Rocha. Ela
manifestou preocupação com a demora para a conclusão do caso e buscou
informações sobre o programa de proteção a defensores de direitos
humanos do governo federal. Mônica disse ao portal G1, na ocasião, que
considera apoiar a federalização do caso.
No
início do mês passado, ela pediu proteção à Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, pois vem sofrendo ameaças. Mônica vai participar do
Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra, na Suíça, no próximo dia
20, onde pretende denunciar a demora nas investigações do crime.
Fonte: Publicado na Carta Capital
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