Dados são monitorados pelo Inpe há 30 anos. Inicialmente, sistema media
se desmatamento na Amazônia ocorria conforme os planos do regime
militar. Com o tempo, pressão internacional e tecnologia levaram a maior
controle.
Por Deutsche Welle
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Em 2018, taxa de desmatamento da Amazônia foi a mais alta da última década: 7,9 mil km² |
Numa região do Maranhão onde a Floresta Amazônica começa a dominar a
paisagem, uma área de mata nativa acaba de ser destruída. O solo – agora
exposto – aparece na tela de um dos computadores da equipe que monitora
o desmatamento da maior floresta tropical do mundo, espalhada por nove
estados brasileiros.
O dano ambiental é revelado nas imagens de
satélite capturadas no dia anterior, interpretadas por profissionais que
estão a mais de 2 mil quilômetros da mata recém-cortada. O trabalho de
análise minucioso é feito em São José dos Campos, interior de São Paulo,
de onde o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) acompanha há
30 anos a taxa anual de desmatamento da Amazônia.
"De imediato, o
sistema de monitoramento não parece correr riscos", responde Claudio
Almeida, coordenador do programa no Inpe, quando questionado sobre as
perspectivas para o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro.
Anualmente, 2,2 milhões de reais são repassados ao Inpe para custear os
projetos que monitoram a degradação florestal no país.
Bolsonaro já deu provas de que temas ambientais terão pouco espaço na agenda. Um exemplo recente é a desistência do Brasil de sediar a Conferência do Clima da ONU, decisão influenciada pelo governo de transição, como admitiu o presidente eleito.
O
sistema de monitoramento do Inpe revelou que o Brasil já desmatou um
total de 783 mil quilômetros quadrados de Floresta Amazônica – área que
equivale a mais de duas vezes o território da Alemanha. Desse total, 436
mil quilômetros quadrados foram desmatados após 1988, quando o Inpe
passou a monitorar a floresta anualmente.
Em 2018, a taxa de desmatamento da Amazônia foi a mais alta da última década: 7,9 mil quilômetros quadrados, dos quais cerca de 95% correspondem a cortes ilegais.
A
história da vigilância por satélites começou às avessas. No fim dos
anos 1970, o governo militar queria fiscalizar se a floresta estava
sendo destruída como o programado: havia incentivo para substituir a
vegetação por fazendas, e o Inpe foi convidado a criar uma forma de
verificar se as árvores nativas estavam dando lugar a pastos.
Anos
mais tarde, o cenário mudou. "O país passou a sofrer uma grande pressão
internacional por conta dos investimentos que estavam acabando com a
Amazônia", contextualiza Dalton de Morisson Valeriano, pesquisador que
ajudou a implementar o monitoramento.
Foi então que o país passou
a medir as taxas anualmente. Em 1988, as imagens registradas por um
satélite americano chegavam ao Inpe impressas em papel. Eram necessárias
229 fotos, cada uma com cerca de 90 cm x 120 cm, para analisar toda a
Amazônia.
A técnica era artesanal: pesquisadores passavam anos debruçados sobre
as fotos, circulando os pontos identificados como desmatamento para,
depois, estimar o tamanho da área atingida. O relatório referente a 1988
só foi divulgado três anos mais tarde.
"Tivemos que lidar com
todas essas limitações e vencer a desconfiança internacional", pontua
Thelma Krug, uma das criadoras do sistema e atual vice-presidente do
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). "Temos hoje
um programa consolidado. Governo nenhum ousaria mais duvidar dos dados",
afirma.
Atualmente, dados de três satélites são usados pelos
pesquisadores: Landsat8, dos Estados Unidos; Liss3, da Índia; e Cbers4,
resultado de uma parceria entre Brasil e China. Desde 2003, o trabalho
foi digitalizado, e dois programas monitoram a Amazônia simultaneamente.
O Prodes calcula as taxas anuais de desmatamento, e o Deter B, que
"enxerga" a floresta com melhor resolução, aponta onde o corte está
sendo realizado no momento em que ele acontece.
Monitoramento em tempo real
O
avanço da ciência permitiu mudanças na fiscalização. "De início,
equipes iam a campo de carro e faziam percursos nas estradas tentando
identificar visualmente o desmatamento", diz Jair Schmitt, diretor do
Departamento de Florestas e de Combate ao Desmatamento do Ministério do
Meio Ambiente.
Três décadas depois, fiscais acompanham em tempo
real – de Brasília – os alertas detectados pelo sistema do Inpe.
"Observamos as áreas que estão em evolução e mandamos uma equipe para
evitar que a floresta caia", detalha Renê Luis de Oliveira, coordenador
de fiscalização do Instituto Brasileiros do Meio Ambiente e Recursos
Naturais Renováveis (Ibama).
Os desmatadores também se adaptaram à
evolução do sistema. O corte de árvores em grande escala foi
substituído por áreas menores para dificultar que os satélites consigam
"enxergá-los".
"Antes, trabalhávamos com seis áreas mais
críticas, agora são 13. O desmatamento está mais pulverizado e em novos
locais", diz Oliveira. "A gente precisa de mais equipes para combater
por meio da fiscalização", adiciona.
No cenário político, o
principal impacto do sistema surtiu efeito a partir de 2004. Foi o ano
em que o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na
Amazônia Legal (PPCDAm) entrou em vigor e as taxas começaram a cair.
"Quando
se olha para o histórico, reduzimos em 72% o desmatamento da Amazônia. A
fiscalização foi instrumento para induzir essa redução", afirma
Schmitt.
Nos últimos quatro anos, por outro lado, os números
voltaram a subir. Além da fiscalização, Schmitt acredita na força do
mercado para barrar essa tendência.
"Vemos o mercado rejeitando
cada vez mais produtos que vêm de áreas de desmatamento, forçando a
legalidade. Também precisamos trabalhar mais em incentivos econômicos
para quem conserva e punições severas para quem desmata", opina.
Além
da Amazônia, o sistema agora se estende até o Cerrado – até o fim do
ano, o Inpe deve divulgar a taxa de desmatamento desse bioma. O plano é
monitorar todo o território brasileiro até 2020, segundo Schmitt.
De
olho nas análises em tempo real feitas por sua equipe, Cláudio Almeida
demonstra preocupação com o que os satélites mostram. "Ainda não estamos
vendo uma queda", comenta sobre os dados observados na Floresta
Amazônica que farão parte das próximas estatísticas.
Fonte: Publicado na Deutsche Welle
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