'Diretora do Banco Mundial afirma que os impactos da PEC 55
serão irreversíveis: "O Brasil continuará com o desastre educacional que
tem hoje. Normalmente, quando países têm problemas fiscais, ao menos os mais
desenvolvidos, eles preservam a educação dos cortes. O Brasil optou por não
fazer isso. É uma grande pena".'
Claudia Costin, professora universitária e diretora global de Educação do Banco Mundial (reprodução) |
Em entrevista à Deutsche Welle Brasil, Claudia Costin, diretora global de Educação do Banco Mundial, afirma que os impactos da PEC 55, que congela gastos públicos por vinte anos, serão danosos às futuras gerações de alunos. “O Brasil continuará com o desastre educacional que tem hoje.”
Claudia já foi secretária de Educação da cidade do Rio de Janeiro, de Cultura do estado de São Paulo e ministra da Administração e Reforma do governo de Fernando Henrique Cardoso. Hoje, vive nos Estados Unidos, onde leciona na Faculdade de Educação de Harvard. Segundo ela, é imprescindível que o Brasil invista mais nos salários e na formação dos professores para aumentar a produtividade dos novos trabalhadores brasileiros.
“Se não conseguirmos avançar nessas medidas,
estaremos condenados a uma educação de baixa qualidade, e o Brasil não
vai conseguir crescer economicamente. O país será uma promessa falida“, afirma Claudia.
DW Brasil: Como a senhora avalia os impactos da PEC 55 para a educação?
Claudia Costin: Estamos com um
problema sério e de longo prazo. Acredito que a PEC 55 vai trazer danos
graves para a educação, sem ganhos significativos do ponto de vista
fiscal. Não sou contra medidas de austeridade. Houve uma gestão
irresponsável das contas fiscais, gastando-se mais do que se podia. Mas
na tentativa de correção do problema, é fundamental preservar a
educação. Normalmente, quando países têm problemas fiscais, ao menos os
mais desenvolvidos, eles preservam a educação dos cortes. O Brasil optou
por não fazer isso. É uma grande pena.
Qual será o ponto mais prejudicado pelas novas regras para investimentos em educação?
Muitos olham para os números e dizem que o Brasil
já gasta muito com educação. Isso não é verdade. Países que deram saltos
na qualidade da educação tiveram de aumentar os investimentos durante
um certo período. Não estamos fazendo o mesmo. Pelo contrário. Hoje, não
investimos o suficiente no ensino básico e pagamos mal os professores.
Acredito que o mais complicado será lidar com a questão da atratividade
da profissão de professor, que vai continuar baixa pelos próximos 20
anos. Caso não se estabeleça um mecanismo de revisão logo (antes dos dez
anos previstos pela proposta), o Brasil vai continuar com o desastre
educacional que tem hoje.
Quais serão as consequências de não se adotar esses investimentos?
O impacto direto é condenar o Brasil a uma baixa
qualidade da educação das crianças por um período de 20 anos. Nenhum
sistema educacional é melhor que a qualidade de seus professores.
Melhorar o salário do professor é uma das medidas mais importantes para
aumentar a atratividade da licenciatura, para aqueles jovens que ainda
vão escolher que profissão seguir. Pesquisas mostram que os piores
alunos tendem a escolher profissões de baixa atratividade. Corrigir
esses salários demanda um esforço importante, constante e progressivo.
Ao congelarmos os gastos por 20 anos, isso não poderá ser feito. Não é a
única medida para melhorar a educação, mas é uma das mais importantes.
O que pode ser feito para melhorar a educação no país, independentemente da quantidade de recursos investidos?
O ideal seria, pelo menos, aprovar revisões dos
valores dos investimentos antes dos dez anos – como prevê a PEC 55. Mas
mesmo se isso não passar, será preciso mudar a universidade que forma os
professores. Tornar a faculdade de educação e a licenciatura mais
profissionalizantes, preparar melhor os universitários para a profissão
de professor. Também temos de pensar na criação de um processo de ensino
mais adequado para os jovens e adotar um currículo nacional comum (a
base nacional curricular comum já está em processo de elaboração pelo
governo), que defina claramente as expectativas de aprendizagem dos
alunos brasileiros.
É preciso que este currículo seja muito mais
adequado para as demandas do século 21: que forme jovens que saibam
pensar, aplicar conceitos em situações reais, ler e interpretar textos
de forma analítica. Tudo isso demanda um professor mais bem preparado. É
um esforço que temos de fazer independentemente da PEC do teto dos
gastos públicos.
Em que sentido é preciso melhorar a formação dos professores?
Hoje, a formação dos professores é excessivamente
focada nos fundamentos da educação, como sociologia da educação,
história da educação, filosofia da educação. Os currículos das
universidades que formam professores trabalham muito pouco com a
prática. Os cursos de Engenharia e Medicina, por exemplo, preparam o
futuro engenheiro ou médico com uma abordagem prática e reflexão sobre a
prática muito maior.
Em educação, isso não acontece. É urgente mudar os
currículos de formação de professores pelas universidades e os concursos
públicos das secretarias municipais e estaduais de educação para
selecionar professores que, durante sua formação, tenham desenvolvido
sua competência de ensinar de forma mais prática, com maior enfoque na
didática.
Caso essas mudanças não sejam adotadas, como a senhora vê o país daqui a 20 anos?
Vejo o país estagnado. Uma das questões mais
preocupantes que observamos na economia brasileira é a da produtividade,
que está estagnada em um patamar muito baixo. Com uma produtividade
baixa, e ela tem uma correlação importante com a qualidade da educação e
o crescimento econômico de longo prazo, não vamos crescer. Com menos
investimentos em educação, não vamos conseguir preparar os jovens para o
futuro do mercado de trabalho. Hoje, vários cargos que demandam
atividades manuais e intelectuais rotineiras estão se tornando obsoletos
e desaparecendo por causa da automação do trabalho.
O que está sendo cada vez mais valorizado no
mercado é a capacidade de criação, concepção, reflexão crítica,
comunicação. E essas habilidades dependem de uma educação mais
sofisticada e de melhor qualidade. Se não conseguirmos avançar nessas
medidas, estaremos condenados a uma educação de baixa qualidade, e o
Brasil não vai conseguir crescer economicamente. O país será uma
promessa falida. O que garante o crescimento econômico de longo prazo,
especialmente inclusivo, que diminua a desigualdade, é a educação de
qualidade. Se o Brasil colocar no seu projeto de nação a educação como
um eixo estruturador, e investir nela, poderemos ser um país diferente.
A senhora conhece outros países que já adotaram medidas semelhantes ao que a PEC 55 propõe para a educação?
Não. No Brasil, quem usa os serviços de educação e
saúde públicas são, em geral, as pessoas mais pobres. A classe média
frequenta pouco as escolas públicas e os serviços de saúde do governo.
Num país tão desigual como o nosso, estaremos atingindo os mais pobres.
Com certeza, há outras formas de cortar gastos sem prejudicar
investimentos em educação e saúde.
Em oposição à PEC 55 e à Medida Provisória
da reforma do Ensino Médio (que, entre outros pontos, diminui a
quantidade de disciplinas obrigatórias da grade curricular), milhares de
estudantes ocuparam escolas de todo o país. Como a senhora avalia este
movimento estudantil?
Durante muito tempo, o sistema educacional
brasileiro tratou os jovens de forma um pouco infantilizada, como se não
pudessem ser protagonistas de sua própria vida escolar. Na Finlândia,
por exemplo [país com desempenho educacional excelente], as escolas não
chamam os pais para discutir comportamento de alunos de Ensino Médio.
Eles chamam o próprio aluno. O estudante tem de perceber que a educação
dele depende do seu protagonismo. Ele é o principal ator na construção
dos seus sonhos e na sua vida escolar. Quem vai sair perdendo se a
qualidade da educação ficar congelada ou se deteriorar ainda mais vai
ser justamente esta geração.
Por isso, vejo esse movimento estudantil de forma
positiva, embora eu concorde que o ensino médio brasileiro, com uma
média de quatro horas de aula por dia e 13 disciplinas, está
insustentável. Precisamos criar trilhas diferentes de educação, em que o
aluno possa escolher disciplinas e não cursar durante os três anos as
13, ou 15 em alguns estados, matérias obrigatórias. Se olharmos para os
30 primeiros países no ranking do Pisa, nenhum deles têm mais de seis
matérias, e todos têm carga horária maior que quatro horas de aula por
dia. É uma pena que a reforma tenha sido proposta por medida provisória,
mas ao meu ver ela é necessária.
O Brasil obteve resultados ruins no
Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) em 2015,
ocupando a 59ª posição em leitura, 63ª em ciências e 66ª em matemática,
de um total de 70 países avaliados. Por que o desempenho brasileiro foi
tão fraco?
O Brasil está estagnado há várias edições do
ranking. O Pisa enfatiza a área de ciências, de letramento científico.
Em primeiro lugar, estamos com professores muito mal formados para sua
função. A universidade não prepara adequadamente professores no Brasil.
Um professor de química, por exemplo, tem em média três anos e meio de
aulas de química e um ano, ou menos, de aulas de fundamentos da
educação. Mas não aprende a didática da química, ele não aprende a
ensinar os alunos a pensar cientificamente. A prova Pisa pede exatamente
esta competência: aplicar conceitos científicos para resolver problemas
do dia a dia.
Os nossos professores não estão sendo preparados
para isso. Além disso, dada a baixa atratividade da carreira,
considerando os salários, condições e perspectivas, os melhores alunos
do ensino médio não escolhem tornar-se professores. E mesmo os que já
estão na faculdade de Química, Física e Biologia, por exemplo, na hora
de fazer a licenciatura, optam apenas pelo bacharelado, porque o mercado
paga muito mais que a sala de aula. A somatória das duas coisas, a
baixa preparação da universidade e os salários reduzidos, explica boa
parte do problema.
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