"Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados." ― Vladimir Herzog

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Painel Paulo Freire, obra de Luiz Carlos Cappellano.

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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Com cúmplices, “reforma” da Previdência é um crime contra o país

'Consensos fabricados e apoios: muita gente tem responsabilidade no atentado contra a população via reforma previdenciária'

Em menos de dois meses de governo Bolsonaro, as faturas para apoio a tanto absurdo começam a se mostrar como notas promissórias que serão pagas e talvez a principal delas deu suas caras nessa semana: a “reforma” da Previdência.

Basicamente, tudo que a reforma poderia fazer para dificultar mais a vida do cidadão e cidadã, sobretudo pobre, ela faz. Aumenta a idade para aposentadoria (igualando homens e mulheres, um absurdo considerando a dupla, tripla jornada feminina), aumenta o tempo de contribuição necessária para 40 anos, reduz e limita a possibilidade de acúmulo de benefícios.

Da mesma forma, a reforma convoca uma nova peripécia brasileira para a mesa, ao conceber a capitalizaçãocomo forma de financiamento da previdência. Seria, em simples linhas, a poupança que a pessoa fará ao longo de sua vida para servir como previdência no futuro. Tudo lindo né? Só que pensa que em vez do modelo atual de contribuição por parte de empregado, empregador, Estado (modelo tripartite), a capitalização será financiada somente pelo… empregado! Olha que beleza.

Em primeiro lugar, gostaria de dizer o quanto é irreal conceber esse modelo quando boa parte da população ganha seu polpudo salário mínimo – muitas vezes toda uma prole – e não terá condições nunca, no andar da carruagem, de fazer uma poupança qualquer, quanto mais uma capitalização para previdência.

Além disso, é mais um boi da boiada que atravessa os limites democráticos ao se romper com o modelo tripartite previdenciário para colocar no lombo do trabalhador uma fórmula perfeita para matar pobre e encher o bolso de banqueiro de dinheiro da classe média, tudo com as bênçãos das panelas.


A “reforma” ainda vem com mais uma de suas sacadas: a transferência dos parâmetros da previdência da constituição para lei complementar, afetando diretamente o quórum necessário para votação e aprovação de outros pacotes de maldade. Atualmente mexer na previdência deve passar por duas vezes nas casas, aprovação por no mínimo 3/5 dos votos e outras dificuldades inconvenientes mais. Por isso, não basta saquear, é preciso garantir que da próxima vez o roubo seja mais fácil.

Parênteses: e há quem diga que o olho do governo está justamente em baixar a aposentadoria compulsória por lei complementar para 70 anos e, assim, ter a possibilidade de indicar quatro ministros do Supremo nesse mandato, sob o anúncio de que está a se fazer um bem para a sociedade. A conferir os próximos capítulos.

Mas talvez o maior tapa na cara que se pode dar na população pobre seja a redução do auxílio a quem não contribuiu com a previdência de um salário mínimo para R$ 400,00. Eu sinceramente fiquei pensando em modos mais cruéis de forçar a miséria e a morte de milhões de pessoas e confesso que tive dificuldades para bolar algo tão sórdido quanto isso. Mas calma, dirão cúmplices, depois de 10 anos aumenta de R$ 400,00 para um salário mínimo e segue o baile…

E o que a reforma tem a dizer para as milhões de pessoas na informalidade? Seguindo a lógica do capítulo acima, as consequências para esse enorme segmento da população serão cruéis, inclusive levando-se em consideração que segmentos da população empreendem por necessidade frente às diversas opressões estruturais postas. Segundo  levantamento da economista e professora da Unicamp Marilane Teixeira, com base do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no último trimestre, o trabalho informal atingiu 52,4% das mulheres negras brasileiras.

Mas os militares podem ficar tranquilos porque eles não estão nesse bolo. É voltado só a raspa do tacho, a qual vai experimentar essa beleza de medida para o país, isto é os policiais militares, policiais civis, bombeiros, toda essa turma que tem muitos que fazem arminha com a mão e gritam mito. Agora, no país do mito, além de ganharem “ótimos salários”, vão poder viver mais essa maravilha em nome do capitão que está com seus direitos previdenciários muito que bem protegidos.

Há muito mais o que ser dito sobre, e, a bem da verdade, a maioria do país pagará o preço, bolsominions ou não. E o pior: é uma reforma da previdência sem um projeto de nação. Ataca-se a previdência ao mesmo tempo em que há o aumento de desemprego no país, seja pela precarização da massa de trabalhadores afetada pelo golpe, reforma trabalhista e afins; seja pela substituição da mão de obra por tecnologia ou por uma série outra de fatores.
Fico me perguntando: como que se pode aceitar isso? Pergunto a pessoas, parlamentares, inclusive os ditos conservadores.
Como que pode compactuar, relativizar, silenciar ante um projeto que empurra pessoas para subsistência precária desse jeito? Eu juro que não entendo, principalmente de quem teve acesso a informação e educação formal durante a vida.

Mas enfim, a Globonews, que dá o tom da maior emissora do país, está em festa e os problemas desaparecem quando algo tão suculento é posto na mesa. Tudo se esquece e se perdoa quando o bolo da previdência é posto à mesa e dividido entre emissora e anunciantes que querem lucrar ao máximo no lombo da população e impossibilitar qualquer subsistência digna que seja longe desses bolsos.
Vale lembrar que o capitão mudou 180º seu entendimento sobre a crueldade da reforma. Um capitão que abandona a trincheira no primeiro aperto é digno de lealdade?
Aí tudo se perdoa. No governo Bolsonaro, já não existe mais nas telinhas o “escritório do crime” no gabinete da família com diretas relações ao assassinato de Marielle Franco, não existe mais Queiroz depositando dinheiro na conta da primeira dama e não conseguindo explicar movimentação de milhões na sua conta de motorista; não existem mais laranjas, não existe corrente de zap nas eleições comprovadamente mentirosas e manipuladoras.
Tudo assunto do passado, vamos falar sobre os benefícios da “necessária” reforma, com um ponto aqui e outro acolá que podemos conceder a quem ousa reclamar. Vale aqui dizer que a reforma da previdência jamais seria possível sem uma campanha incessante de inverdades, análises rasas e sonegação do ponto de vista diferente. Não se diz que ela não é deficitária, como tanto se alega, não se problematiza outros gastos do governo brasileiro, como a fatia de quase 40% a juros e amortização de dívida que persiste desde o período colonial, e finge que pessoas de muito gabarito com esse posicionamento simplesmente não existem.
A reforma da previdência não começou nessa semana, mas sim é um processo que começou há muitos anos com desinformação e fabricação de consensos.
Mas deve ser uma “boa reforma”, né? Afinal, o presidente do Itaú, do Santander e outros estão falando bem dela nos jornais. Ora essa, como pode ser ruim? Nesse sentido, a falta de comprometimento com uma República de bem-estar social é algo que me choca, ainda que se parta da análise de todas essas famílias que saqueiam por aqui há gerações, desde as capitanias hereditárias.

E há ingênuos que acham que podem fazer uma análise “fria” do que está na mesa no sentido de “ah, com esse ponto eu concordo”, “precisa de alguns reparos”, como se não fosse nítida a intenção por trás de tanta maldade: acabar com a previdência pública para classe média, desestimular qualquer esperança de aposentadoria a milhões e matar pobres. Uma tríade do mal.


O mais frustrante é que esse país poderia ser muito melhor e há propostas justas nesse sentido. Em vez de ir para cima dos pobres desse jeito, um país preocupado com seu futuro poderia olhar para o Renda Básica de Cidadania defendido pelo Senador Eduardo Suplicy e adotado em tantos países, como a Finlândia. Uma quantia mensal a todos os brasileiros e brasileiras para um patamar mínimo de dignidade. Seria possível isso, só para ficarmos em um exemplo, mas infelizmente quem está no poder é um grupo que se nutre do ódio, da miséria intelectual e da falta de compromisso com qualquer direito para o povo.

A reforma é um crime contra o país e não é possível que essa situação permaneça numa normalidade democrática. Muita coisa há de ser revista e com toda certeza esse saque na previdência será uma delas.


*Editor de Justiça no site de CartaCapital. Advogado, fundou o site Justificando, onde foi diretor de redação por quatro anos.




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