Moro está radicalizando uma política criminal que já era muito repressiva e que não apresentava bons resultados
*Por Igor Leone
Foi durante uma coletiva de imprensa
diante de 12 governadores e secretários de segurança pública de diversos
estados do país que o ministro da Justiça, Sérgio Moro, apresentou seu projeto
anticrime, uma série de mudanças legislativas tanto no Código Penal, quanto no
Código de Processo Penal e na Lei de Crimes Hediondos. O enfoque, de acordo com
o ministro, é o combate ao crime organizado, à corrupção e aos crimes
violentos, eixos que devem ser tratados no mesmo pacote, conforme
justificou: “O crime organizado utiliza a corrupção para ganhar
impunidade. Por outro lado, o crime organizado está vinculado a boa parte dos
homicídios do país”.
São ao menos 14 alterações legislativas
e propostas que vão desde a introdução dos acordos penais norte americanos,
os “plea bargain”, até a ampliação da definição de legítima defesa,
criminalização do caixa 2 e prisão em segunda instância. Nos próximos dias,
Moro enviará o projeto ao Congresso e ainda essa semana pretende apresentar
suas propostas na Câmara dos Deputados.
Para entendermos melhor os principais
pontos apresentados por Moro, conversamos com Cristiano Maronna, advogado e
presidente do IBBCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) para
entender melhor o que significam essas mudanças e seriam de fato efetivas no
combate à criminalidade.
Pergunta: Como você avalia o pacote
anticrime recém apresentado pelo Sérgio Moro?
Resposta: Em resumo, eu acho que
ele propõe suprimir diversas garantias fundamentais do cidadão com o objetivo
de dar mais efetividade ao processo penal, o que, ao meu ver, além de contrário
às regras jurídicas, é um equívoco, porque isso já vem sendo praticado nos
últimos 40 ou 50 anos.
A gente já viu que o recrudescimento da
punição, a supressão de garantias e o aumento do encarceramento têm gerado maus
resultados, incluindo o fortalecimento do crime organizado e o aumento dos
índices de criminalidade. Eu vejo o pacote do Moro como mais do mesmo, ele está
radicalizando uma política criminal que já era muito repressiva e que não
apresentava bons resultados.
P. Qual a sua opinião sobre as
alterações na definição da legítima defesa?
R. A mudança proposta no Código
Penal, adicionando o parágrafo que considera legítima defesa “o agente policial
ou de segurança pública que em conflito armado ou em risco iminente de risco
armado previne justa e iminente agressão a direito seu ou de outrem“, me parece
uma espécie de carta branca.
A legítima defesa já prevê
todos os requisitos necessários e as regras que orientam o uso letal da força.
Na minha opinião, nesse dispositivo apresentado por Sérgio Moro, há uma
mensagem simbólica no sentido de empoderar as forças de segurança pública e de
assegurá-las um maior conforto jurídico para o uso abusivo da força.
P. Houve também a ampliação da
legítima defesa envolvendo o medo, a surpresa ou a forte emoção, que são
super subjetivos. Deixou ainda mais aberto o conceito de legítima defesa.
R. Exato, e a gente já sabe como o
subjetivismo é definido pelos Sistema de Justiça, que é um sistema que blinda
amigos e persegue inimigos. Então já dá pra saber qual vai ser o efeito prático
disso.
P. A proposta anticrime também
propõe a introdução do plea bargain, muito criticado internacionalmente.
Há diversos estudos mostrando que réus negros têm menos chances de
conseguir um bom acordo do que réus brancos, ou seja, envolve racismo, aumento
do encarceramento e um punitivismo exacerbado. Como você vê essa alteração?
R. Vejo o plea bargain com muita
preocupação. É a importação de mais um instituto jurídico próprio do direito
norte americano, para um sistema como o nosso que é baseado em outra tradição.
Nós temos na Constituição a obrigatoriedade da ação penal e também a regra da
inafastabilidade da jurisdição sempre que houver risco de lesão ao direito,
portanto, pensar em um acordo que é feito pelo Ministério Público e pelo
acusado, em circunstâncias nada transparentes e não submetidas a um controle
jurisdicional efetivo, representa o aniquilamento do direito de defesa e da
própria advocacia.
Agora nós teremos corretores de acordos
e não mais advogados de defesa, isso é muito preocupante. A advocacia é
resistência e esse tipo de proposta, além de totalmente descabida para o nosso
sistema, virá acompanhada de resultados muito ruins e quem vai sofrer as piores
consequências são os mais vulneráveis.
Além disso, o que me preocupa também é o
fato de que nos Estados Unidos esse sistema levou ao super encarceramento, quer
dizer, é uma porta aberta para o punitivismo. Ao meu ver, essa proposta cria o
Código Penal da Acusação, como o Marcelo Semer já dizia a respeito das 10
medidas contra a corrupção do Ministério Público Federal.
P. É absurdo pensarmos que enquanto o
modelo de plea bargain está sendo revisto pelos norte americanos, o Moro está
querendo copiar isso aqui.
R. Exatamente, isso já é superado e muito
criticado nos Estados Unidos, e agora é colocado aqui como se fosse uma
solução. Vejo que a “única vantagem” disso é que vai acabar com o número
excessivo de processos. Os juízes certamente terão menos trabalho, mas juízes
com menos trabalho à um custo tão alto, de violação de garantias
constitucionais tão importantes, parece injustificável.
P. Estamos trocando uma eficiência
administrativa por direitos…
R. Sim, e a partir de uma premissa
completamente imune à autocrítica sobre o funcionamento do sistema. Para um
diagnóstico verdadeiro e claro do sistema, é preciso apontar também as
responsabilidades do Judiciário e do Ministério Público, que são instituições
que pertencem ao 0,1% mais rico da população e que acabam agindo contra a
Constituição e não a favor dela.
P. O que podemos concluir disso
tudo?
R. O que a gente percebe é que ele está
no fundo cumprindo a proposta de campanha do Bolsonaro, o que não é uma
surpresa. Na verdade, a surpresa é que isso venha de um magistrado que hoje
ocupa o Ministério da Justiça, mas como o histórico dele é de extrema direita,
então na verdade também não há surpresa nisso. Ou seja, é um governo que nesse
ponto está fazendo o esperado.
*Advogado e editor de Justiça do site de
CartaCapital
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