'Em termos de igualdade social, o país
figura entre os dez piores do mundo. Problema tem raízes históricas que
remontam à escravidão e, apesar de alguns avanços nas últimas décadas, está
longe de ser resolvido.'
Por Laís Modelli, DW Brasil
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No Brasil, os 5% mais ricos recebem por mês o mesmo que os demais 95% da população |
Preocupada com o crescimento da pobreza,
exclusão social e desemprego no mundo, a Assembleia Geral das Nações Unidas
elegeu 20 de fevereiro como o Dia Mundial da Justiça Social, uma data para
promover esforços para diminuir as desigualdades.
"Favorecemos a justiça social
quando eliminamos as barreiras que as pessoas enfrentam por motivos de gênero
ou relacionados à idade, raça, origem étnica, religião, cultura ou
deficiência", explicou, em 2009, Ban Ki-moon, então secretário-geral da
ONU.
Aos dez anos da criação da data, o
Brasil não tem o que comemorar, já que a concentração de renda no país é uma
das mais desiguais do mundo.
"Nossos ricos são mais ricos que os
de outros lugares, inclusive em comparação com países desenvolvidos",
afirma Rafael Georges, coordenador de campanhas da Oxfam Brasil, organização
internacional que atua no combate às desigualdades e injustiças.
Segundo dados da Oxfam, o Brasil é um
dos dez países mais desiguais do mundo. Em relação à renda, por exemplo, os 5%
mais ricos do país recebem por mês o mesmo que os demais 95% da população
juntos.
"Tivemos avanços nas últimas
décadas no Brasil, mas continuamos com uma massa de população empobrecida, e
não houve uma mobilidade social de fato", explica Georges.
Desigualdades históricas
Segundo a Oxfam, se a tendência das
desigualdades registrada nos últimos 20 anos se mantiver no Brasil, a igualdade
salarial entre homens e mulheres só será alcançada em 2047.
Os negros, por sua vez, levarão 70 anos para ter os mesmos salários
que os brancos. Esses números exemplificam como as desigualdades brasileiras
têm raízes profundas na história do país.
"O longo período de escravidão no
Brasil, cuja superação aparente dependeu mais da importação massiva de mão de
obra europeia do que da inclusão do negro na sociedade, marca todos os fatores
que fazem o país ser um dos mais desiguais", afirma Gilson Schwartz,
professor de economia da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo (USP), lembrando que o Brasil foi o último país ocidental a abolir a
escravidão, em 1888.
Para Schwartz, desde o fim da
escravidão, o Brasil avançou pouco no social, principalmente no combate ao
racismo. "Cidades como São Paulo e Rio de Janeiro consagraram o design
imobiliário em que o apartamento tem sempre um 'quarto de empregada'. Ou seja,
a senzala foi modernizada", afirma o professor.
Lacuna de gênero e raça
"Há muitos grupos marginalizados no
Brasil, mas é importante dar centralidade às negras: a maior parte delas vive
nas periferias, tem trabalhos de baixa remuneração e muitas vezes de grande
esforço físico, com dupla jornada, sem possibilidade de se
moverem socialmente", diz Georges, lembrando que ainda são as
mulheres as principais cuidadoras e responsáveis pelo bem-estar da família.
"Nessa lógica, se as brasileiras –
principalmente as negras, aqui incluídas as pardas e indígenas – elevarem seu
padrão de vida, o Brasil inteiro melhora", afirma.
Dados do Instituto Internacional de
Pesquisa em Pecuária mostram que, no mundo, mulheres gastam até 90% de sua
renda com a família, enquanto os homens não gastam mais que 40%.
Apesar disso, no Brasil, as mulheres
ganham em média 25% menos que os homens e gastam mais tempo cuidando
da família, segundo números do IBGE. Enquanto os homens dedicam 10,5 horas
semanais a cuidados de familiares ou afazeres domésticos, as mulheres dedicam
18,1 horas. Se consideradas apenas as mulheres negras, esse dado salta para
18,6 horas.
Baixa tributação aos ricos
A lacuna entre ricos e pobres é outra
questão alarmante. Apenas cinco bilionários brasileiros possuem, juntos, o
mesmo patrimônio que a metade da população mais pobre do país. Um
trabalhador que recebe um salário mínimo precisa trabalhar 19 anos para ganhar
o mesmo que um desses bilionários recebem em apenas um mês.
Alguns fatores ajudam a explicar a
concentração de renda, mas o principal, para Georges, é o sistema tributário
brasileiro, que favorece tanto os mais ricos como seus herdeiros.
"A baixíssima tributação de
heranças no país, junto com a baixa tributação de rendas altas, favorece a
concentração e a manutenção dessa concentração por gerações", afirma o
coordenador da Oxfam, explicando que esse tipo de renda concentrada e passada
de pai para filho é um movimento que ocorre não somente no Brasil, mas em
outros países que tributam pouco os ricos.
Georges destaca ainda a
concentração de terras. "O Brasil necessita de uma reforma agrária, pois
esta poderia quebrar com estruturas de poder econômico no país."
Dados do relatório Terra, Poder e
Desigualdade na América Latina, da Oxfam, mostram que 45% de toda a área rural
do país está nas mãos de menos de 1% da população. Apesar disso, mesmo sem
acesso a recursos e a créditos no campo – que mais uma vez ficam nas mãos desse
1% – os pequenos produtores são responsáveis por produzir mais de 70% dos
alimentos de todo o país.
Fonte: Publicado na Deutsche Welle
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