O certo é que muito mais gente pobre,
preta e policiais vão morrer
*Por Roberto Tardelli
Moro está nu. Desnudou-se com esse Pacote de
Medidas, que ele intitulou contra a corrupção e
violência e criou um monstrengo jurídico que jamais se pensou fazer.
Nós, brasileiros, somos experientes no
terror político. Todos nós sabemos o que é ditadura e os que enriqueceram ou
flanaram à sombra de um coturno amigo, até hoje mantem saudosas rememórias,
refeitas para convencer um bando de néscios que a autocracia é boa – claro –
para quem é bom para ela.
Sabemos como lidar com tiranos, somos
mestres mundiais em acordos políticos espúrios, desde a vinda da Família Real
para este torrão.
Moro, todavia, inaugurou um terror
comum, cotidiano, um terror que pode ser muito mais devastador do que o terror
político e ao fazê-lo, mostrou a extensão de sua perversidade. Chego a pensar
que ele é uma alma perturbada.
Sim, queridos e queridas, qualquer
penalista, por mais radical que fosse, desde os seguidores de Mezger (um
jurista do III Reich de Hitler, citadíssimo por muitos de nossos autores do
século passado) a Carl Schmitt (o ideólogo jurídico do mesmo III Reich),
ninguém imaginou que a legítima defesa pudesse ser presumida.
Presumir é saber antecipadamente. É
saber antes de os fatos ocorrerem. A lei presume que o saber humano,
antes dos catorze anos de vida, não sabe discernir sobre a sexualidade e quem
mantiver relações sexuais com uma pessoa que ainda não atingiu os catorze anos
comete crime.
Sim, sim, sim, criaram-se outros
atalhos, mas não se constituem na regra geral. A lei sabe antes. Ou oprime
antes.
Em um dos pontos mais escabrosos dos
muitos existentes, o ministro-Juiz chuta o pau preto da barraca: presume-se em
legítima defesa o agente público, que, em uma situação de confronto, matar
aquele que perseguia. No país em que a polícia militar mata mais que em
qualquer outro lugar do planeta, uma regra assim pode fazer, pelas mãos
coniventes do Ministro, um rastro de mortes.
O ministro confunde policiamento com
massacre. Em tempos em que muitos pedem no Brasil a incidência do Direito de
Guerra, ou Direito Humanitário, a sugestão do Ministro faria Mussolini aplaudir
seu súdito, na medida em que o terror se instalará nas periferias das cidades e
muitos negros e negras jovens vão morrer, baleados, num surto de Moro, que
chega a admitir o disparo e a morte “pelo susto” que agentes públicos possam
sofrer, do que lhe parece ser uma gentalha.
Não creia, minha resiliente leitora e
meu resiliente leitor, que meio por cento da corrupção vai diminuir com esse
Pacote. Não haverá nenhum abalo e nenhum desconforto à atividade que ele
pretende coibir. Os corruptos devem estar rindo dele. Ou aplaudindo.
O certo é que muito mais gente pobre e
preta vai morrer.
Moro criou uma espécie de resistência
qualificada, que é aquela em que o contribuinte, o jurisdicionado, ao tentar
impedir o ato de funcionário público, possa teoricamente colocar alguém sob
risco de morte. Ele agride não apenas o Direito, mas sangra o vernáculo. Não há risco
de morte, único evento certo de nossas vidas, mas risco de perder a vida.
Mas, vá lá, o que significaria isso?
Essa resistência qualificada tem
o nítido propósito de perseguir manifestantes, desde os black blocks até
as professoras, enfim, qualquer pessoa que resistir ao sarrafo policial. Moro
precisa de ajuda clínica.
Ele procura reduzir os advogados
criminalistas a pó. É compreensível, no culto à sua personalidade, foram os
únicos que não se dobraram à sua megalomania. Ele se vingou, em um pacote de
medidas que transforma o advogado em uma persona non grata no
processo, na medida em que procura solapar a defesa, transformando a Justiça
num balcão de escambos.
Faz um esforço enorme, na contramão do
mundo em lotar ainda mais as cadeias e penitenciárias brasileiras, declaradas
pelo Supremo Tribunal Federal como um estado permanente de
inconstitucionalidade.
Definitivamente, Moro está
nu. Juntamente com seu Chefe, destilou seu ódio a uma imprensa acrítica, que
sequer sabe avaliar o que ouve e o que houve.
O Pacote de
Medidas não vai diminuir a violência, mas vai matar muito mais
gente, vai matar muitos policiais e outros agentes públicos.
Moro e Seu Chefe transcenderam o Direito
Penal do Inimigo e criaram o Direito Penal do Ódio.
*Advogado e ex-procurador de justiça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário