Por Izaías Almada
Como se dizia há alguns bons anos, “há
algo estranho no ar além dos aviões de carreira”.
A vertiginosa mudança na política
brasileira com o golpe de 2016 e a eleição do capitão Jair trouxe à tona o
verdadeiro Brasil: o país que é de um jeito, mas que insiste em se mostrar de
outro.
Arrisco dizer: o país que desde 1889
sempre foi falso e hipócrita no exercício da democracia e da justiça social,
escondia tal pecadilho para si mesmo e para o mundo à sua volta. A proclamação
da república não acabou com a escravidão, mesmo depois da Lei Áurea. Pelo
contrário, o espírito da Casa Grande, escravocrata, diluiu-se pelos 8.500 mil
metros quadrados do nosso território, mas a monarquia absolutista continuou
sendo o sonho de muitos.
O Brasil não conhece o Brasil.
Se colocarmos o Brasil de hoje no divã
de um psicanalista ficaremos chocados com os traumas e os distúrbios que o país
apresenta, nessa que é a sua fase adolescente, digamos assim, perante as nações
mais antigas.
Adolescente sim, pois vamos completar em
abril próximo 519 anos de existência, enquanto países como a India, China,
França, Inglaterra, Rússia e tantos outros já ultrapassaram há tempos a casa
dos dois, três ou cinco mil anos.
O Brasil não conhece o Brasil.
Após a derrota militar do nazi/fascismo
em 1945 e o esfarelar do comunismo na década de 80, o capitalismo caboclo
brasileiro – vendo-se sozinho no meio do salão – começou a dançar para uma nova
plateia formada por pessoas indiferentes à política, liberais arrependidos,
empresários alienados e cidadãos aculturados… A clássica figura do Tio
Sam apontando o dedo indicador para o mundo (I want you) tornou-se uma
obsessão.
Os 18 do Forte de Copacabana, a longa
marcha de Prestes, a Revolução de 1924, a Revolução de 1930, o Estado Novo, A
Intentona Comunista, o suicídio de Vargas, JK, Jacareacanga e Aragarças, a
ilusão fascista de Janio Quadros, o golpe contra João Goulart em 64, o AI-5… E
por aí afora.
A democracia e o autoritarismo a
brincarem de gato e rato… Sem falar, é claro, nos sempre e novos candidatos a
aniquilar a esquerda (qualquer que seja ela) e, pelo visto agora, com um grupo
de saudosos das ideias de Hitler, Mussolini, Franco e Salazar…
O novo cenário da geopolítica mundial
configura-se ou, melhor dizendo, tenta se desenhar em meio a uma crise
econômica que começa a ameaçar a paz, entremeada pela falência ou pela confusão
ideológica de vários matizes e – sobretudo – pela avassaladora revolução
tecnológica das comunicações, ainda não de todo avaliada, com bilhões de
pessoas ajoelhadas e dependentes de smartfones, ipads, laptops e seus Twiters,
Whatsapps, Instagrans e redes sociais.
A violência e o medo, salpicados de
preconceitos e ódios, parecem renovar com vigor o seu sentido em um mundo que –
mesmo que se diga o contrário – perdeu a sua identidade religiosa qualquer que
ela seja, substituindo muitos dos valores humanistas de união e congraçamento
entre raças e povos, pelo fundamentalismo agressivo e intolerante que, em casos
extremos, usa a força militar e o terrorismo. Tudo em nome de liberdades, no
mais das vezes em causa própria… E de um monoteísmo, paradoxalmente, de vários
deuses.
A grade de programação das redes abertas
e fechadas de televisão, bem como os novos meios digitais de exibição
cinematográfica, via internet e computadores, está recheada de filmes e séries
que exaltam do primeiro ao último segundo de suas imagens a violência – da mais
bizarra à mais bestial – e o incentivo ao crime, organizado ou não, embora
fingindo combatê-lo..
E pior: a fazer apologia, ainda que de
modo sutil, da já inegável e mal intencionada distinção entre as várias formas
de corrupção, algumas delas supostamente aceitáveis quando são feitas em nome
de algum tipo de segurança que se possa dar ao cidadão comum e à sua família,
edulcorando até mesmo a tortura como forma de se fazer justiça. E há público
para isso, se há…
A comunicação social, em sua maior parte
sob o comando de grupos conservadores, em nível planetário, procura no dia a
dia engessar mentes e corações através da monocórdica defesa da democracia
representativa burguesa, de mão única, enaltecendo os valores de um capitalismo
cada vez mais selvagem e usando a mentira e o boato como armas para, de um lado
defender os seus interesses empresariais (ou de seus anunciantes, o que vem a
dar no mesmo) e de outro desmoralizar e aniquilar as cada vez mais tênues
arremetidas dos que ainda encontram forças para lutar contra a hydra consumista
e seus exércitos de inocentes úteis espalhados pelos cinco continentes.
Contudo, crises econômicas, políticas,
sociais, programadas ou não, atropelam a paz e criam o pânico diário nos vários
cantos do mundo, sugerindo já sem qualquer sutileza, que as mazelas da
sociedade contemporânea, quando não são provocadas pela violência dos
subdesenvolvidos (leia-se imigrantes) ou emergentes, se originam naqueles que
ainda têm a ousadia de levantar dúvidas sobre as maravilhas de um sistema
econômico apodrecido, cujos pilares são sustentados pela exploração do
trabalho, pela repressão policial, pela mentira e pela corrupção. Sem esses
quatro pilares o capitalismo implode. A ganância não tem limites. Entre nós, a
Vale e os municípios de Mariana e Brumadinho estão aí para comprovar.
No Brasil que não conhece o Brasil, país
abençoado por Deus, se é que algum dia o foi, a massa, “ignara e belicosa”,
como dizia um amigo, com tantos meios e oportunidades de procurar alternativas
para adquirir ou aumentar o conhecimento sobre sua própria história, sobre a
caminhada política do seu povo, ainda sucumbe aos encantos e charmes –
perdoem-me a boa vontade – de programas televisivos de duvidosa qualidade, de
extensos e saturantes campeonatos de futebol (com jogos quase que diários), das
colunas e matérias jornalísticas de vaidades e – o que vem a ser mais grave –
usando da mentira, agora chamada modernamente de “fake news” e do mais puro
deboche contra a democracia, transformando o Congresso Nacional, por exemplo,
num circo que ignora a plateia para os seus inúmeros malabarismos em causa
própria.
Que tal a eleição das mesas diretoras do
Senado e da Camara Federal para ficarmos no exemplo mais recente?
Aberta a porta do manicômio
institucional, começa a ficar difícil localizar e distinguir os cidadãos
honrados dos sociopatas, os que querem um Brasil pujante, desenvolvido, menos
injusto, daqueles que querem ver o circo pegar fogo e tirarem as castanhas com
mão de gato.
Malabaristas, equilibristas, mágicos,
palhaços, traidores e vendilhões da pátria, completam o “show” neste início de
2019, um ano que promete ser um dos mais “divertidos”, com variados números
para uma plateia que não sabe exatamente qual será o grande final da temporada,
com os olhos postos nas jaulas dos animais.
O Brasil não conhece o Brasil.
Nada nos garante que um psicopata,
passando-se por domador ou coisa parecida, não solte os leões sobre o público e
um dos palhaços ponha fogo nas lonas, pois como diz o surrado adágio popular: a
alegria do palhaço é ver o circo pegar fogo.
Fonte: Publicado no Jornal GGN
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