Por Nathalia Passarinho -
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Apesar da boa relação entre presidentes de EUA e Brasil, resultados ainda não se mostraram com clareza. (FOTO: ALAN SANTOS/PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA) |
Isenção de visto para turistas americanos, renúncia ao tratamento diferenciado que o Brasil recebia na Organização Mundial de Comércio, aumento da importação de etanol dos EUA e permissão para que o governo americano use a base espacial brasileira em Alcântara.
Essas foram algumas das concessões que o Brasil fez aos Estados Unidos desde que o presidente Jair Bolsonaro tomou posse. São parte do que o presidente brasileiro chama de relação de amizade pessoal com o presidente Donald Trump.
Essas foram algumas das concessões que o Brasil fez aos Estados Unidos desde que o presidente Jair Bolsonaro tomou posse. São parte do que o presidente brasileiro chama de relação de amizade pessoal com o presidente Donald Trump.
Nesta segunda-feira (02/12), um anúncio
de Trump feito pelo Twitter lançou dúvidas sobre se haveria uma amizade
"desigual" entre presidentes.
Trump anunciou
que vai restaurar tarifas sobre as importações de aço e alumínio do Brasil e da
Argentina, diante da desvalorização do real e do peso frente ao dólar, o que
pode gerar prejuízos bilionários para exportadores do Brasil.
"Brasil e
Argentina têm promovido uma desvalorização de suas moedas, o que não é bom para
nossos fazendeiros. Portanto, com efeito imediato, estou restaurando as tarifas
sobre todo alumínio e aço enviados aos EUA por esses dois países",
escreveu o presidente no Twitter.
Trump ainda defendeu que o Banco Central americano
reduza juros, segundo ele, para evitar que países "se aproveitem do
dólar" para desvalorizar suas moedas.
"O Banco Central americano também deve agir
para que países, e há vários, não se aproveitem mais do nosso dólar forte para
desvalorizar mais suas moedas. Isso torna muito difícil para nossa indústria e
produtores rurais exportarem seus produtos. Taxas de juros mais baixas e
flexibilização", completou Trump no tuíte seguinte.
Em nota, o Itamaraty afirmou que "já está em
contato com interlocutores em Washington sobre o tema. O governo trabalhará
para defender o interesse comercial brasileiro e assegurar a fluidez do
comércio com os EUA, com vistas a ampliar o intercâmbio comercial e aprofundar
o relacionamento bilateral, em benefício de ambos os países".
Mas essa não é a primeira vez que o governo Trump
adota decisões que prejudicam diretamente o Brasil, em contraste com o discurso
de grande amizade e proximidade entre os dois países.
A BBC News Brasil reúne aqui sete concessões feitas
por Brasília e decisões tomadas por Washington vistas como potencialmente prejudiciais
ao lado brasileiro, além de uma medida oferecida pelo governo que foi tida como
positiva para o Brasil.
#1 Prejuízos para o aço e o alumínio
brasileiros
O Brasil é o segundo maior exportador de aço para
os Estados Unidos e as vendas para o país de Trump representam um terço das
exportações brasileiras do produto. Portanto, a sobretaxa anunciada pelo
presidente americano tem potencial para causar sérios problemas ao setor.
O primeiro aumento sobre as tarifas de importação
desse produto foi anunciado por Trump em 8 de março de 2018. Na época, o alvo
era a China e a medida marcou o início de uma guerra comercial entre os EUA e o
gigante asiático.
Pela decisão, foi instituída uma sobretaxa de 25%
sobre o alumínio e 10% sobre o aço importados pelos americanos. Após
negociações, os EUA decidiram isentar o Brasil dessa cobrança. Com isso, as
taxas voltaram a ser de 0,9%, para o aço e 2% para o alumínio.
Agora, conforme o anúncio de Trump, a sobretaxa
voltaria a recair sobre os produtos brasileiros. O presidente Bolsonaro foi
questionado por jornalistas na manhã desta segunda sobre o que pretende fazer
em resposta à medida.
Ele disse que vai "conversar"
com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e que, se necessário, falará
diretamente com o líder da Casa Branca. "Se for o caso, falo com o Trump,
tenho canal aberto", declarou.
Para o professor
de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) Carlos
Gustavo Poggio, a medida de Trump mostra que é "ingênua" a estratégia
brasileira de "jogar todas as suas fichas" na aliança com os EUA.
"Foi uma
humilhação pública para a diplomacia brasileira o Trump acusar publicamente o
Brasil de desvalorizar a sua moeda desconsiderando todas as concessões
unilaterais feitas pelo Brasil", disse à BBC News Brasil.
"Se a
relação com Bolsonaro é tão estreita e boa, por que Trump não telefonou para
ele para negociar antes de anunciar ao mundo pelo Twitter?", questionou
Poggio, que é especialista em relações exteriores dos EUA e da América Latina.
#2 Apoio vago à entrada do
Brasil à OCDE
Outra decisão
dos EUA que mostra que o Brasil parece não estar entre as prioridades do
governo americano diz respeito à OCDE, Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico.
Uma das
principais plataformas da política externa do governo Bolsonaro é viabilizar a
entrada do Brasil nessa organização formada por algumas das maiores economias
do mundo.
Fazer parte
desse seleto grupo funcionaria como uma espécie de selo de boas práticas
comerciais e tenderia a atrair investimentos.
O apoio dos EUA
à entrada do Brasil era considerado crucial, já que o governo americano era
reticente à entrada conjunta de vários países na OCDE. Após visita de Bolsonaro
a Washington, Trump chegou a dizer que apoiava o pleito brasileiro.
O anúncio foi
divulgado pelo governo Bolsonaro como a principal vitória da política externa
de alinhamento com os EUA. Mas, em outubro, uma carta do secretário de Estado,
Mike Pompeo, deixou claro que o governo americano não está disposto a bancar,
pelo menos agora, a entrada do Brasil na organização.
No documento,
ele defende abertamente apenas o ingresso de Argentina e Romênia no grupo de 36
países que compõem a OCDE. O Brasil é um dos seis países na fila para entrar na
OCDE. Um apoio expresso dos EUA à adesão poderia acelerar o processo, mas isso
não ocorreu.
"O apoio de
Trump é vago. Os Estados Unidos eram reticentes em ampliar rapidamente a OCDE.
Esperava-se que isso fosse quebrado com a relação entre Bolsonaro e Trump, mas
não foi. Não houve um apoio concreto", destaca Poggio.
#3 Renúncia a tratamento diferenciado na OMC
E essa promessa
vaga de apoio do governo americano para a entrada do Brasil na OCDE custou
caro. Em troca, o Brasil abriu mão do tratamento diferenciado, como país em
desenvolvimento, nas negociações da Organização Mundial do Comércio, a OMC.
O tratamento
diferenciado prevê benefícios para países emergentes em negociações com nações
ricas. O Brasil tinha, por exemplo, mais prazo para cumprir determinações e
margem maior para proteger produtos nacionais.
Além do impacto
direto nas futuras negociações comerciais brasileiras, essa decisão afetou a
relação com países do BRICS — grupo formado por Brasil, Rússia, China, Índia e
África do Sul.
Isso porque
essas nações vão acabar sendo mais pressionadas a também abrir mão do
tratamento diferenciado após a decisão brasileira. E a Índia já está retaliando
o Brasil.
"Na OMC, a
Índia já vetou outro dia a nomeação de um embaixador brasileiro para negociar
questões na área de pesca e foi um veto ligado exatamente a essa negociação
entre Estados Unidos e Brasil pela entrada na OCDE", explica o professor
de Relações Internacionais Marco Vieira, que leciona da Universidade de
Birmingham, no Reino Unido.
#4 Benefício ao etanol e
trigo americanos
Em mais um gesto
de generosidade a Trump, o governo brasileiro recentemente ampliou de 600
milhões de litros para 750 milhões de litros a cota anual de importação de
etanol com redução tarifária, beneficiando diretamente os Estados Unidos, que
são os maiores exportadores do produto ao Brasil.
O Ministério da
Economia ainda decidiu prorrogar por mais um ano uma isenção aos americanos de
uma tarifa de 20% cobrada sobre a importação de etanol.
Ao mesmo tempo
em que beneficiou os EUA, a medida prejudicou produtores do Nordeste
brasileiro, que consideram desleal a competição com o preço oferecido pelos
americanos.
A expectativa dos produtores brasileiros
era de que o governo americano liberasse seu mercado de açúcar, um dos mais
protegidos do mundo, mas não houve essa contrapartida por enquanto.
Poggio, da FAAP,
lembra que Brasil e EUA competem na área agrícola e diz que Trump dificilmente
vai favorecer nosso país em detrimento de produtores rurais americanos,
especialmente num momento em que ele tenta reforçar sua base eleitoral para a
eleição presidencial de 2020.
"Para se
eleger, é importante para o Trump manter o apoio do setor rural. E o Brasil
compete com os EUA na exportação de diversos produtos, como soja e etanol.
Portanto, no setor que mais interessa ao Brasil, que é o setor agrícola, a
relação é de competição", diz.
#5 Apoio à imposição de
sanções a Cuba
Além das
concessões comerciais, o Brasil também tem aderido a diretrizes dos EUA em
discussões nas Nações Unidas e na relação com outros países.
Quebrando uma
tradição de 27 anos, o governo brasileiro se juntou aos EUA e a Israel, e votou
contra a resolução anual da ONU que condena o embargo econômico americano a
Cuba.
O posicionamento
histórico do Brasil, derrubado por esse voto, era o de condenar medidas
unilaterais econômicas contra países, vetadas pela legislação internacional e
pela ONU. A decisão de dar aval às sanções foi tomada pelo ministro das
Relações Exteriores, Ernesto Araújo, apesar da oposição de diversos diplomatas
de peso do Itamaraty.
Para convencer o
ministro, o governo americano argumentou que o Brasil passaria uma imagem de
tolerância ao apoio de Cuba ao regime de Nicolás Maduro na Venezuela, caso
mantivesse seu voto contrário ao embargo.
Outros países
aliados dos EUA não cederam a essa pressão. No total, foram apenas três votos
contra a resolução (de Brasil, EUA e Israel), duas abstenções e 187 votos a
favor do texto que condena o embargo econômico imposto há 50 anos pelo governo
americano à ilha.
#6 Base de Alcântara
Na viagem que
fez a Washington, Bolsonaro e Trump assinaram um acordo que permite aos
americanos lançar foguetes e satélites a partir da base espacial brasileira de
Alcântara, no Maranhão. Essa também foi vista como uma concessão brasileira.
A base fica numa
península com localização privilegiada para o lançamento de foguetes e
satélites. Próximo à linha do Equador, o centro — inaugurado pela Força Aérea
Brasileira (FAB) em 1983 — possibilita uma economia de até 30% no combustível
usado nos lançamentos.
O governo Bolsonaro afirma que o acordo
estimulará o desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro e vai gerar
investimentos de até R$ 1,5 bilhão na economia nacional.
Críticos do
pacto apontam, porém, possíveis entraves à transferência de tecnologias para o
Brasil, riscos à soberania nacional e efeitos nocivos para moradores de
Alcântara, entre os quais remoções de comunidades quilombolas.
#7 Isenção de visto aos
americanos
Em março, o
governo Bolsonaro isentou americanos de visto para entrar no Brasil. Também
foram beneficiados turistas do Canadá, Japão e Austrália. Mais uma vez, a
decisão quebrou uma tradição da diplomacia brasileira, baseada no princípio da
reciprocidade.
Antes, o Brasil
tendia a só conceder isenção de vistos a países que oferecessem o mesmo
benefício. No caso dos Estados Unidos, a medida beneficiou americanos enquanto
os EUA tornaram, no governo Trump, mais burocrático o acesso de vistos a
brasileiros.
Em 2017, os EUA
ampliaram o rol de pessoas que precisam passar por entrevista para obter visto.
Quem pede a renovação do visto na mesma categoria, desde 2017, passa por
entrevista. Antes isso era dispensado se o pedido fosse feito menos de 48 meses
após o vencimento.
Em troca: Brasil se tornou
'aliado preferencial extra-Otan'
Especialistas em
relações internacionais apontam que um dos únicos gestos mais concretos dos EUA
em troca das concessões anunciadas pelo Brasil foi tornar o nosso país "um
aliado preferencial extra-Otan".
Esse é o nome
usado para designar países que não são membros da aliança Organização do
Tratado do Atlâncito Norte (Otan), mas são aliados estratégicos militares dos
EUA, ou seja, que terão um relacionamento de trabalho estratégico com as Forças
Armadas americanas.
A Otan é uma
aliança político-militar entre Estados Unidos, Canadá e países europeus e
serve, principalmente, para defesa coletiva dos Estados-membros. Foi criada em
1949 durante a Guerra Fria — e o maior objetivo, na época, além da proteção
mútua, era inibir o avanço do bloco socialista no continente europeu. Hoje, há
29 países-membros.
Os países que
são aliados preferenciais extra-Otan dos Estados Unidos, como será o caso do
Brasil, não estão incluídos no pacto de defesa mútua. Mas ganhariam o que
alguns consideram vantagens militares e financeiras.
Isso significa,
por exemplo, que os Estados Unidos vão vender mais seus equipamentos e
tecnologias militares ao Brasil, que atualmente gasta 1,4% do PIB com defesa.
Na prática, a medida
também beneficia os EUA, já que eles venderão mais para o nosso país, o que
pode afetar positivamente, para eles, a balança comercial entre as duas nações.
Ingenuidade?
A preocupação
dos exportadores brasileiros agora é que a ampliação de tarifas ao aço e ao
alumínio, anunciada por Trump, se estenda para outros setores.
Isso porque o
presidente americano acusou o Brasil de desvalorizar propositalmente o real
frente ao dólar — argumento que pode eventualmente ser usado para medidas
comerciais contra qualquer produto do nosso país.
"A base
argumentativa usada para atacar esse setor pode ser usada para atacar outros
setores exportadores brasileiros. Trump alega que o Brasil está manipulando o
câmbio. Isso não é verdade. Não somos a China e temos câmbio flutuante",
ressaltou à BBC News Brasil o diretor de Desenvolvimento Industrial da
Confederação Nacional da Indústria, Carlos Abijaodi.
Para o professor
Carlos Gustavo Poggio, a lista de concessões que o Brasil fez aos EUA revela
uma postura ingênua na política externa do governo Bolsonaro.
"O governo
promoveu uma aproximação incondicional com o governo Trump. Nós entregamos, sem
negociar contrapartidas, esperando, ingenuamente, boa vontade dos
americanos", avalia.
Ele diz que o
custo dessa política é o isolamento do Brasil no cenário internacional,
especialmente se a relação com o governo Trump estremecer ou se o presidente
americano não se reeleger no ano que vem.
"Houve um
erro de abordagem ao achar que se faz política externa na relação pessoal entre
presidentes. Para se aproximar, de fato, dos EUA, não basta se aproximar só do
Trump, tem que se aproximar do Congresso, que é de maioria democrata e de
setores da sociedade civil. Muitas decisões políticas e comerciais passam pelo
Congresso", afirma.
"E há um erro
de leitura sobre Trump, de achar que o presidente teria o coração amolecido por
declarações de amor. As preocupações dele são comerciais e materiais. A decisão
de taxar aço e alumínio brasileiros é uma prova disso."
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