A ativista sueca foi acusada sem provas
de ser uma marionete de seus pais ou de interesses obscuros, mas quem a conhece
garante que ela é “sua própria chefa”
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A família Thunberg, no Natal de 2018. |
Greta
Thunberg foi recebida como heroína em Lisboa ao descer com
outros cinco passageiros de um pequeno barco a vela com o qual tinham cruzado o
Atlântico para não poluir. Mas nessa recepção, no dia 3, houve um viajante que
não apareceu na entrevista coletiva no píer: o pai da ativista adolescente,
Svante. Ele sempre a acompanha, mas fica em segundo plano. Tampouco manda em
sua filha, dizem numerosas pessoas que convivem com a “personalidade do
ano” escolhida pela revista Time, a adolescente sueca de 16
anos que inspirou um movimento global para lutar contra a crise climática.
Desde que se tornou conhecida, há 15 meses, Thunberg é alvo de
suspeitas de que alguém está por trás dela. Seus pais, agências de publicidade
ou o bilionário George Soros foram apontados em teorias da
conspiração que acabaram sendo desmanteladas. Seu entorno afirma que ela é “sua
própria chefa” e sua desenvoltura em público transmite essa sensação.
Durante sua permanência em Madri, do dia 6 ao 11, para a Cúpula do
Clima da ONU, Thunberg esteve rodeada de um punhado de pessoas de confiança.
Além de Svante, foi acompanhada por Erika Jangen, uma amiga da família que a
conhece desde que nasceu. Um grupo reduzido de assistentes, pessoas com
experiência no mundo do ativismo climático, ajudou-a com a agenda. Sua mãe,
Malena Ernman, e sua irmã, Beata, dois anos mais nova que Greta, permaneceram
na Suécia.
Segundo o relato familiar, não são os
pais que influenciam a menor, mas sim o contrário. Greta caiu aos 11 anos em
uma forte depressão que a levou a parar de comer e de conversar com
estranhos. Diagnosticada com síndrome de Asperger, ela diz que sua paixão
por salvar o planeta se deve em parte à forma de ver o mundo de uma pessoa
autista, capaz de concentrar toda a sua atenção e todos os seus esforços em um
único tema. Sua mãe, uma famosa cantora de ópera que representou a Suécia no
festival Eurovision de 2009, e seu pai, um ator de teatro, mudaram sua forma de
pensar graças a ela. Tornaram-se veganos, reduziram seu consumismo e pararam de
viajar de avião. Relataram isso no livro Nossa Casa Está em Chamas, a
versão em português de uma autobiografia familiar lançada na Suécia em 23 de
agosto de 2018 com o título de Scener ur Hjärtat (Cenas do coração).
Três dias antes da publicação do livro,
Greta tinha iniciado seu histórico protesto. Instalou-se sozinha diante do
Parlamento sueco com um cartaz que dizia “Greve escolar pelo clima”, publicou
sua foto nas redes sociais, e a revolução começou. A imagem de uma estudante de
15 anos que não ia às aulas para se manifestar em defesa do meio ambiente
viralizou, e em poucas horas apareceram os primeiros jornalistas suecos, dos
jornais Dagens ETC e Aftonbladet. Ajudou o fato de a Suécia
estar a poucos dias da realização de eleições gerais. O jornal britânico The
Guardian, que há anos dá uma atenção especial ao clima, foi o primeiro veículo
de comunicação internacional a entrevistá-la, na semana seguinte. Depois vieram
os convites para dar uma palestra TED em Estocolmo, ir a fóruns internacionais,
as manifestações em massa e assim por diante até hoje.
No livro, assinado pelos quatro membros
da família, mas narrado na voz da mãe, os pais de Greta se apresentam como duas
pessoas que acreditam com firmeza na causa. Contam de maneira explícita as brigas,
insultos e choros em um lar em crise devido à condição das duas pequenas. Beata
foi diagnosticada com transtorno de hiperatividade e déficit de atenção. As
doenças mentais que proliferam no Ocidente são, como relatam, a manifestação em
nossa parte do mundo da crise de sustentabilidade gerada por um modelo que gira
em torno do crescimento sem limites. As consequências desse sistema em outros
continentes seriam as secas, os deslizamentos de terras e o aumento do nível do
mar.
Foi durante as férias que Greta teve a
ideia de iniciar a greve escolar. Inspirou-se nos adolescentes americanos do movimento Zero Hour, frustrados
pela passividade dos políticos em relação ao clima. Seus pais, meio reticentes
no início, apoiaram-na ao ver o entusiasmo despertado por sua filha, até então
triste e avessa a se relacionar com estranhos.
Greta já havia previsto que sua greve
atrairia a atenção da mídia. Nos dias anteriores, sua energia aumentou e,
durante suas férias, fazendo trilha na área do lago Trollsjön, na Lapônia
sueca, não parava de perguntar ao seu pai como deveria fazer. Svante a orienta.
− Você vai ouvir toda hora: “Foram seus
pais que lhe disseram que fizesse isso?”.
− Então vou responder a verdade. Que fui
eu que influenciei vocês, e não o contrário.
Em seu primeiro discurso em público, na
praça Nytorget de Estocolmo em 8 de setembro do ano passado, o público deu a
Greta uma sonora ovação. Uma mulher ao lado de Svante lhe perguntou se ele
estava orgulhoso. “Não, não estou orgulhoso, só muito feliz porque vejo que
Greta está bem”.
“Só estou aqui como pai”
Em público, Greta já deu muitas amostras
de estar no controle da situação, inclusive durante sua estadia na Península
Ibérica. Quando os repórteres cruzavam com Greta em Lisboa ou Madri, nenhum
adulto se interpunha. Em uma ocasião, enquanto tomava suco com seu pai e os
companheiros da viagem de barco na Praça do Comércio, saiu sozinha do
estabelecimento para pedir a alguns jornalistas que por favor não os gravassem
no local.
“É ela que está interessada, que está
motivada, que faz com que seu pai se mova, foi ela que teve essas ideias”, diz
Riley Whitelun, o navegante australiano que ofereceu seu barco para levá-la dos
EUA para a Europa. Durante 21 dias, conviveu com eles no catamarã e viu que as
teorias de que ela seria uma marionete são falsas: “Não se pode esconder uma
farsa dessa magnitude 24 horas por dia”.
Nem Greta nem Svante quiseram fazer
declarações para esta reportagem. “Só estou aqui como pai”, limitou-se a dizer
Svante na terça-feira, enquanto esperava que sua filha terminasse uma reunião
na Cúpula do Clima com Michelle Bachelet,
alta comissária da ONU para os Direitos Humanos. “É ela que decide o que quer
fazer, aonde vai e o que diz”, afirma Alejandro Martínez, um espanhol de 25
anos que participou de reuniões com Thunberg e sua equipe em Madri.
Thunberg também consulta um grupo de
destacados cientistas climáticos, entre eles Kevin Anderson, professor da
Universidade de Manchester, e Johan Rockström, diretor do Instituto de Postdam
para os Estudos Climáticos.
Sua turnê pela América do Norte e Europa
foi custeada pela família. Ela pode cobrir parte dos gastos graças a dois
documentários que está gravando. Um deles é filmado por uma equipe da BBC que
teve acesso exclusivo a ela em Lisboa e Madri.
Greta decidiu limitar sua exposição
pública após sua chegada à Europa. Nos Estados Unidos, tinha aparecido em
programas de televisão de grande audiência, como os de Ellen DeGeneres e Trevor
Noah. Também se deixou ver com o ex-presidente Barack Obama e com os atores
Leonardo DiCaprio e Arnold Schwarzenegger.
Se quisesse, teria aparecido em todo
lugar em Madri. Autoridades, políticos, artistas e jornalistas quiseram
aparecer com ela, segundo seu entorno, mas ela disse chega. A bola da mídia foi
longe demais e ela sentiu que sua voz estava impedindo que fossem ouvidos
outros ativistas do movimento contra a mudança climática, como cientistas ou
pessoas dos países mais expostos a desastres naturais.
“A atenção da mídia é completamente
desproporcional em relação à que deveriam ter os cientistas ou os líderes
jovens do Sul global”, diz Luisa Neubauer, que apresentou juntamente com Greta
dois painéis na Cúpula do Clima.
Greta, que tirou um ano sabático em sua
escola secundária, ainda não anunciou seus planos para 2020. Agora ela está
viajando para a Suécia com seu pai, de trem, ônibus e carro elétricos, para
passar o Natal em família. Apesar do perfil mais discreto, seu círculo acredita
que a ativista recarregará as energias para seguir em frente, porque, como ela
disse mais de uma vez, esta luta deu à sua vida “um significado”.
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