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Rubem Alves |
Rubem Alves e a sua alma de educar, a
delicadeza, o amor e o cuidado no ensinar.
Eis a crônica:
Como ensinar
Se eu fosse ensinar a uma criança a arte
da jardinagem, não começaria com as lições das pás, enxadas e tesouras de
podar. Eu a levaria a passear por parques e jardins, mostraria flores e
árvores, falaria sobre suas maravilhosas simetrias e perfumes; a levaria a uma
livraria para que ela visse, nos livros de arte, jardins de outras partes do
mundo. Aí, seduzida pela beleza dos jardins, ela me pediria para ensinar-lhe as
lições das pás, enxadas e tesouras de podar.
Se fosse ensinar a uma criança a beleza
da música, não começaria com partituras, notas e pautas. Ouviríamos juntos as
melodias mais gostosas e lhe falaria sobre os instrumentos que fazem a música.
Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma me pediria que lhe ensinasse o
mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas. Porque as
bolinhas pretas e as cinco linhas são apenas ferramentas para a produção da
beleza musical. A experiência da beleza tem de vir antes.
Se fosse ensinar a uma criança a arte da
leitura, não começaria com as letras e as sílabas. Simplesmente leria as
estórias mais fascinantes que a fariam entrar no mundo encantado da fantasia.
Aí então, com inveja dos meus poderes mágicos, ela desejaria que eu lhe
ensinasse o segredo que transforma letras e sílabas em estórias. É muito
simples. O mundo de cada pessoa é muito pequeno. Os livros são a porta para um
mundo grande. Pela leitura vivemos experiências que não foram nossas e então
elas passam a ser nossas. Lemos a estória de um grande amor e experimentamos as
alegrias e dores de um grande amor. Lemos estórias de batalhas e nos tornamos
guerreiros de espada na mão, sem os perigos das batalhas de verdade. Viajamos
para o passado e nos tornamos contemporâneos dos dinossauros. Viajamos para o
futuro e nos transportamos para mundos que não existem ainda. Lemos as
biografias de pessoas extraordinárias que lutaram por causas bonitas e nos
tornamos seus companheiros de lutas. Lendo, fazemos turismo sem sair do lugar.
E isso é muito bom.
Rubem Alves, no livro “Ostra feliz não
faz pérola”. Editora Planeta, 2008.
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