Por Fernanda Odilla, Nathalia Passarinho e Luís Barrucho
Da BBC Brasil em Londres
![]() |
Edésio Fernandes: 'É importante que a lei determine onde o pobre vai viver'. Tomaz Silva/Agência Brasil |
O desabamento do edifício Wilton
Paes de Almeida, que pegou fogo e foi ao chão no centro de São Paulo,
não apenas escancarou o problema do déficit habitacional no Brasil como
jogou luz sobre a situação dos imóveis vazios que, mesmo sem condições
adequadas, atraem milhares de pessoas em busca de teto.
O país
tem, pelo menos, 6,9 milhões de famílias sem casa para morar. Tem também
cerca de 6,05 milhões de imóveis desocupados há décadas.
Esse
descompasso, que já havia sido indicado pelo Censo de 2010, tem motivado
uma onda de ocupações e invasões em uma escala jamais vista no país,
diz o urbanista Edésio Fernandes, professor de direito urbanístico e
ambiental da UCL (University College London).
"A diferença das ocupações tradicionais está no volume. Não se sabe
quantas pessoas vivem dessa forma, sem falar das práticas precárias de
aluguel e o surgimento dos cortiços, sobretudo nas áreas centrais,
agravado pelo crescimento da população de rua", diz Fernandes, pontuando
que as novas ocupações são maiores que muitos municípios brasileiros em
termos populacionais.
O professor cita como exemplo dessa nova
onda a ocupação batizada de Izidora, em Belo Horizonte. Formada por três
vilas interligadas (Esperança, Rosa Leão e Vitória), Izidora reúne 30
mil pessoas numa área de cerca de 900 hectares ocupada a partir de 2013.
Fernandes cita também a ocupação Povo Sem Medo, de São Bernardo, que em
uma semana já tinha reunido 6 mil pessoas no ano passado.
![]() | |
O professor Edésio Fernandes afirma que famílias com renda de 0 a 3 salários mínimos representam 93% do déficit habitacional do Brasil. Cynthia Vanzella/Divulgação Brazil Forum |
Fernandes diz que o problema é a falta de leis para definir onde os
mais pobres vão morar. "Não há planejamento e pensamento sobre onde vão
viver os pobres. (...) Os centros de cidades estão perdendo população,
mas o lugar dos pobres é cada vez mais a periferia", afirma o professor,
que é membro da Development Planning Unit da UCL.
Para resolver
esse problema, diz Fernandes, a solução não passa apenas por facilitar a
aquisição de propriedades para quem tem baixa renda. Ele defende uma
mescla de políticas públicas, que incluem também propriedades coletivas,
moradias subsidiadas e auxílio-aluguel como medidas necessárias para
acabar com o déficit habitacional, que é maior entre famílias que têm
renda entre zero e três salários mínimos - cerca de 93% dos 6,9 milhões
de famílias sem teto têm renda de até R$ 2,8 mil.
Cotas sociais e raciais para moradia
![]() |
'Em nenhum momento estamos pensando em política urbana a partir da questão racial', diz a arquiteta e urbanista Joice Berth. Cynthia Vanzella/Divulgação Brazil Forum |
É por isso que a arquiteta e urbanista Joice Berth defende reservar cotas habitacionais em espaços com mais infraestrutura para negros.
"A
gente precisa desfazer o modelo de casa grande e senzala", afirma
Berth, dizendo que bairros como Pinheiros e Itaim Bibi, em São Paulo,
são bairros mais brancos e com maior renda "onde a negritude não pode
estar".
A arquiteta pontua que "brancos e pretos pobres se
parecem, mas não são iguais". Por isso, ela defende cotas não apenas em
programas de aquisição de imóveis em conjuntos habitacionais, mas também
uma política que garanta acesso direto à terra aos negros.
![]() |
Para o arquiteto francês Philippe Rizzotti, o edifício Wilton Paes de Almeida, que pegou fogo na capital paulista, era um 'dos marcos da arquitetura'. RicardoSAPO©/Creative Commons |
Em relação às ocupações, Berth diz que a solução pode passar por reformar esses imóveis e manter os moradores que lá estão.
O professor Edésio Fernandes, no entanto, observa que o "Brasil não tem tradição nem know how" para transformar imóveis comerciais em residenciais, e isso pode encarecer e dificultar essa conversão. "Faltam tradição e tecnologia", salienta.
Perversidade
Fernandes observa ainda que programas como o Minha Casa Minha Vida (MCMV) deixaram a desejar. Na avaliação dele, além de não atender com prioridade a população com renda mais baixa, o MCMV oferece imóveis de baixa qualidade construtiva e ambiental.O professor lembra, no entanto, que o Brasil não é o único país a enfrentar dificuldades para manter uma política habitacional de qualidade. Fernandes cita o incêndio consumiu Grenfell Tower, prédio de 127 apartamentos para pessoas de baixa renda em Londres, que usou material de baixa qualidade e inflamável em uma reforma antes da tragédia que matou 71 pessoas.
![]() |
Em Londres, incêndio consumiu Grenfell Tower, prédio de 127 apartamentos para pessoas de baixa renda, reformado com material de baixa qualidade e inflamável. EPA/FACUNDO ARRIZABALAGA |
A falência, acredita Fernandes, também se estende ao sistema de representação política e reflete a falta de mobilização da sociedade para demandar seus direitos.
"Sobretudo, é a falência da nossa história de não confrontar a estrutura fundiária, segregada e privatista", diz.
Fernandes e Berth conversaram com a BBC e defenderam mudanças na política habitacional brasileira no sábado, durante palestra no Brazil Forum UK, evento organizado por estudantes brasileiros no Reino Unido.
Fonte: Publicado na BBC Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário