'A mistura de imediatismo e ódio nos trouxe ao fundo do poço, a um
impasse do qual não parece haver saída. A prisão de Lula foi o ápice'
Por Marcos Coimbra
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Nem os americanos ignoram que Temer sobrevive apenas porque é mantido em vida vegetativa pela elite econômica, os “ativistas” do Judiciário e a imprensa conservadora. Alan Santos/Agência Brasil |
Há um ano, o governo brasileiro encaminhou à Organização
para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) um pedido formal
de adesão. Foi uma mudança na posição do País, que, nas administrações
de Lula e Dilma Rousseff, não a buscara.
No início do mês passado, chegou a resposta: o governo
americano fez saber que era contra nossa admissão e que, em seu lugar,
aceitaria a solicitação da Argentina. Os vizinhos serão colegas de Chile
e México, os únicos países latino-americanos com assento no “clube das
nações ricas”, onde estão todas as economias capitalistas avançadas e
algumas em desenvolvimento.
Saímos, de 2015 para cá, da posição de quem não participa
porque não quer para a de quem toma bomba ao pedir para entrar. O Brasil
atual não tem lugar nesse clube, apesar de bajulá-lo a toda hora.
Poucas pessoas ficaram sabendo do vexame. A “grande
imprensa”, a bem dizer, escondeu a notícia, relegando-a às páginas
internas dos cadernos de economia ou simplesmente a ignorando. Normal:
como manter o tom geral dos jornais e emissoras alinhadas com o governo
diante de tamanha decepção? Melhor fingir que não aconteceu.
Suponhamos que fosse o inverso, que a OCDE
aceitasse o pleito. Estaríamos vendo uma cobertura triunfalista,
saudando a decisão como “conquista”, o reconhecimento do mundo
civilizado às políticas implantadas pelo golpe. Era tudo que Henrique
Meirelles desejava para turbinar sua candidatura presidencial natimorta e
que Michel Temer precisava para driblar outro caminhão de denúncias.
Não faltariam manchetes obsequiosas para ajudá-los.
Podemos, também, imaginar outro cenário, do governo Dilma
indo bater às portas da OCDE e tomando um não. Haveria uma avalanche de
editoriais, colunas e comentários de “especialistas” ridicularizando o
desfecho.
O relevante não é apenas que o governo americano tenha
negado a postulação, mas as razões que o moveram. Na opinião de Donald
Trump, o governo de Mauricio Macri
possui “respaldo eleitoral” para comprometer-se com uma agenda,
enquanto, no Brasil, falta “consenso claro” a respeito das reformas
necessárias. Segundo ele, Macri mostrou ter apoio nas eleições
presidenciais e nas recentes eleições legislativas. Quanto a Temer, que é
nada.
Nem os americanos nem ninguém ignora que Temer sobrevive apenas porque é mantido em vida vegetativa pela elite econômica, os “ativistas” do Judiciário
e a imprensa conservadora. Ele, seu governo de nulidades, sua equipe
econômica de resultados pífios, sua agenda reprovada quase unanimemente
pela população, nada mais são que a prova do fracasso do golpe de 2016,
agora atestado com papel passado por Donald Trump (logo quem!).
Derrubar um governo legítimo depois de
havê-lo bloqueado com manobras congressuais escusas, inventar alguém
como Temer na Presidência e impor uma política econômica antediluviana
em termos sociais, só poderia dar nisso. O açodamento, a truculência e a
arrogância das elites, que se vangloriaram de haver tirado o PT do
governo, as levaram aonde estão. Tivessem “respaldo eleitoral”, não
precisariam mendigar apoio.
Na economia, só conseguem pensar com o imediatismo de quem não se preocupa
com as consequências do que faz, como piratas que saqueiam e seguem
viagem, indiferentes ao que fica para trás. Na política, o único
combustível de suas ações é o ódio a qualquer proposta popular, cujos
alvos foram Getúlio, Juscelino e João Goulart, e que hoje é dirigido
contra Lula e o PT.
A mistura de imediatismo e ódio nos trouxe ao fundo do
poço, a um impasse do qual parece não haver saída. A prisão de Lula é
seu ápice. Se fossem menos estúpidas, as elites teriam parado muito
antes a marcha da insensatez. Mas o que esperar de gente como seus
personagens principais?
Uma coisa é certa: se, em vez de Fernando Henrique Cardoso,
houvesse Mário Covas; se no lugar do ACMinho estivesse Antonio Carlos
Magalhães; se fosse o Roberto Marinho pai e não os filhos; se Ulysses
Guimarães liderasse o MDB e não a quadrilha de Temer; se Leonel Brizola
permanecesse como figura maior do PDT; se tivéssemos personalidades no
meio empresarial tão respeitáveis quanto já tivemos; se o Supremo
Tribunal Federal fosse dirigido pelos magistrados ilustres que passaram
por lá, o Brasil seria outro. Teríamos sido poupados do golpe de 2016 e
alguém já teria dado um basta nos desmandos e prepotências da tal
“República de Curitiba”.
A única liderança que a maioria do País respeita está encarcerada. Bem fazem os americanos, que querem distância de nós.
Fonte: Publicado na Carta Capital
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