'Cortes de gastos e teto orçamentário levam instituições praticamente ao sucateamento'
Estudantes ocuparam, em abril, a reitoria da UNB contra cortes na universidade pública |
Os efeitos nocivos
da emenda constitucional 95, que congelou os gastos públicos, começam a
ser sentidos no ensino público federal superior no país. Chamada de PEC
da Morte durante a sua votação, no Congresso Nacional, a nova legislação
faz jus ao seu apelido por impedir aumento de recursos públicos por 20
anos, que são reajustados apenas pela inflação. Somada ao drástico corte
no orçamento deste ano e à alta do gasto com custeio, a situação hoje
nas universidades públicas beira o sucateamento.
Em relação a
2017, a tesourada na verba de investimentos, usada para expansão
universitária e compra de material e equipamentos, foi de 86%, conforme o
documento “Universidades Federais – Patrimônio da Sociedade
Brasileira”, feito pela Associação Nacional dos Dirigentes das
Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), sobre a falta de
continuidade nas políticas de financiamento.
A verba de custeio, que paga os serviços terceirizados de manutenção
(água, internet e limpeza) e vigilância, não acompanha a alta das
tarifas públicas e dos salários dos terceirizados. Enquanto a energia
elétrica chegou a aumentar 30% no ano passado, o custeio correspondeu a,
aproximadamente, 80% dos recursos alocados em 2014, e em 2018 foram
congelados. A crise é igual em todas universidades federais, que somam
hoje 63 unidades e 328 campi, segundo as entidades representativas.
Para
o diretor do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino
Superior (Andes), Cláudio Ribeiro, vice-presidente e docente da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a situação vem se
agravando desde 2015 e piorou muito depois da aprovação da emenda 95. “O
governo continua com a política de reforço ao ensino privado superior, e
a emenda constitucional vem por sepultar qualquer possibilidade de
respiro”, diz. Gustavo Balduino, da Andifes, reforça: “Houve aumento de
demanda e congelamento em função da crise fiscal, tudo isso emoldurado
na emenda 95. Mesmo que a economia melhore, a emenda impede a alocação
de mais recursos”, afirma.
Com a forte queda do gasto com
investimento, as obras do programa de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais (Reuni) estão paradas em diversos campi do país.
“Toda federal deveria fazer um levantamento fotográfico das ‘ruínas do
Reuni’”, diz Ribeiro. Segundo a Andifes, entre obras entregues e em
andamento, nos últimos 15 anos, foram 4 milhões de metros quadrados. O
levantamento da associação mostra que, em 2014, a verba de investimento
chegou a R$ 3 bilhões e, neste ano, caiu para R$ 480 milhões. Outra ação
muito afetada foi o Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnae),
que garante a permanência dos estudantes de baixa renda nas
universidades mediante auxílio transporte, alimentação, alojamento e
bolsas. Nos últimos anos, cada vez mais alunos com menor poder
aquisitivo chegam à universidades públicas – alta de quase 60% – e o
orçamento não acompanha.
Intervenção branca
Na UNB,
os estudantes do movimento Ocupa UNB chamaram atenção para a situação,
ocuparam a reitoria e apanharam da polícia durante protesto em frente ao
MEC. Isso porque a reitoria anunciou o desligamento de estagiários e
demissão de terceirizados e ainda quer aumentar o preço do bandejão. Em
2017, o custeio foi cortado em 45% e neste ano o déficit será de R$ 45
milhões. Pesou principalmente o fato de a UNB não poder usar sua
arrecadação própria. A UNB é uma das federais que pode fazer isso por
meio de serviços prestados por suas fundações, mas esse dinheiro está
sendo bloqueado. No ano passado, foram retidos R$ 22 milhões.
Professores dizem que esse contingenciamento é uma intervenção branca. A
lei orçamentária impõe um teto para os gastos e se o lucro for maior
que esse limite, não pode ser usado.
“Chega a um estrangulamento
que tem hora que a universidade tem que escolher entre pagar a conta de
luz, o restaurante universitário e o salário dos terceirizados. Isso já
vem ocorrendo há um tempo e na UNB apareceu de forma mais intensa,
porque ela não está podendo usar as verbas de receitas próprias por um
impedimento do governo”, afirma o professor. Os relatos dão conta que
não há funcionário suficiente para a limpeza das unidades e falta
segurança, principalmente, para as aulas noturnas. A alternativa para o
estrangulamento orçamentário está sendo passar o pires no Legislativo em
busca de emendas parlamentares, o que para muitos pode levar à
ingerência política nas universidades.
O governo reconhece que
não pode investir por conta da emenda 95. A prioridade dos gastos
federais, segundo relatos, é a intervenção militar no Rio de Janeiro e o
controle da febre amarela. Dados do orçamento federal executado de 2015
a 2017 mostram, por exemplo, que o aumento da verba de defesa nacional
foi de 73%. Os sindicatos pedem ao MEC uma suplementação orçamentária,
mas o governo não deu sinal positivo. Em nota, o MEC disse estar
disposto a continuar dialogando com a administração superior da
universidade para acompanhar a situação de suas despesas e receitas.
Sobre
a UnB, o MEC disse que ela já recebeu 60% dos recursos para custeio de
2018 e que houve aumento de 12% no orçamento para essa verba,
considerando todas as fontes de recursos. “A UnB passou de uma execução
de R$ 205,7 milhões, em 2017, para uma LOA de R$ 229,9 milhões, em 2018.
Nesse critério, a UnB é a segunda universidade com mais recursos em um
conjunto de seis instituições de mesmo porte (UFMG, UFPA, UFF, UnB, UFPE
e UFPR). Para investimento, a UnB, neste primeiro momento, ficou como a
universidade com o maior orçamento entre as seis universidades
equivalentes”.
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